22/07/2019

Não me deixe, por favor, eu gosto tanto de si!

Assim me rogou aos céus, como se eu fosse Maria ou então a mãe dela, a minha manicure, Filipinha do meu coração, olhos mais lindos, mais azuis, perdidos no enorme corpo de muito farinácio composto. Diz que até chorou.
Dá-se que Filipa me descobre espigões nas unhas, ou melhor, naquela linha de fronteira que separa a unha do dedo, e arranca-mos impiedosamente até - literalmente - sangrar. Pergunto, já antevendo a dor excruciante e consequente consequência, se tenho assim tantos, ai que sim, que é tudo para arrancar, enquanto me convence a pintar as unhas de cores sempre antes impensáveis, num pantone que vai do rosa-cerise-a-fazer-pandan-com-os-calções-do-ginásio ao laranja-detergente, ao qual também já ouvi chamar laranja-utilitário. A última vez que dei as mãos a Filipa, sangrei de, pelo menos, seis fontes, e saí de lá com talvez nove feridas (donde se conclui facilmente que, matematicamente falando, nem todas deitaram sangue). Ainda por cima, ela é sensível à imagem do sangramento, começa a desmaiar cada vez que vê uma gota do fluido a brotar. Que faria se não fosse.
Eu sou uma pessoa com sentimentos, e fiquei magoada. Assim como pus a massagista da drenagem a andar de carrinho fast-fast, mandei sms de despedimento a Filipa, explicando-lhe os motivos, acompanhado ao violino de fotografias, para que a coisa ficasse mais gráfica, oh, pá, e ela desmaiasse de uma vez, mas percebesse os meus porque sins e os meus porque nãos.
Minha querida, meu amor, não me deixe, por favor, eu gosto tanto de si!, assim começou o lacrimejante telefonema que foi a nossa reconciliação, porque vá, eu sou uma pessoa com sentimentos, não sei se já disse, e também porque nunca ninguém me disse, na mesma frase, tantas coisas bonitas e a puxar ao sentimentalóide, embora reconheça que grande parte da inspiração de semelhante cantilena adveio de razões economico-financeiras, que são as que acabam sendo, parecendo que não, as mais pungentes. No entanto, sei - porque me conheço de ginjeira -, que estou nesta situação como estão as pessoas traídas: dou-lhe mais esta chance, mas não dou mais nenhuma. É magoar-me uma única vez e terá pela frente as minhas costas, não havendo então quaisquer rogos, nem aos céus, nem à Terra, que lhe possam valer. Eu, implacável, a ir fazer as unhas a outra qualquer, que, convenhamos, são às mãos cheias num raio de quase nada, neste raio deste maravilhoso bairro que é o meu.

6 comentários:

  1. já tinha saudades tuas!! :b

    (jamais! essa porra doi p'ra caraças)

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    1. Só volto aqui porque também tenho saudades de ti e de uma ou outra da tua raça :P

      (mania que sou valente e cenas)

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  2. És muito boazinha. Eu mudei de cabeleireiro porque aquela onde já ia há alguns anos teimava em não acertar com um corte decente para o meu cabelo ( um pouco esquisito, um misto entre encaracolado e ondulado e com vida própria).A gota de água foi quando começou a fazer de médica e a dizer que nada na minha cabeça era normal , ou era o tom da pele ou o cabelo muito fino sugerindo que devia ter problemas de tiróide. Sai de lá tão deprimida que nunca mais pôs um dedinho nos meus “lindos” caracóis.

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    1. Mas mesmo. Ou então, sou parva (sem ironias): tenho tanto medo de magoar e ofender, custa-me tanto um não, que ando meses ou anos a aturar um frete, até ao dia em que me dá na bola. Já deixei uma manicure porque ela era chatíssima, cada sessão era um episódio de uma novela dos anos 70, Janete Clair puro e duro, com lágrimas e tudo, mas lá está: ainda hoje me questiono se não a prejudiquei em ter dado o bocejo final e acabado com a nossa relação desigualíssima :D
      (Um cabelo encaracolado é para ser tratado por quem sabe e com muito carinho. Fizeste bem em saltar fora.)

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  3. És mais generosa que eu. Eu nem teria escrito a sms, não aparecia mais e pronto.

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