[Gosto tanto desta melodia, que roubei um bocadinho para ficar com este título.]
Sempre tive a sensação de morar aqui neste planeta só por acaso, que bem podia ter ido parar a outro de outra cor, mas o diabo que me carregou perdeu as forças e lá vim eu em espirais muito horizontais e verticais parar ao azul. Ora nem mais, e, por isso, com a certeza de que nada é por acaso, todas as datas a coincidirem com outras datas anteriores e importantes (conheço uma multidão de gente que faz anos no mesmo dia que eu, a começar por dois tios gémeos — um do outro, não de mim — a quem, aos trinta e três anos, brindei com a minha aparição. Foi em Lisboa, calma.)
Existem coisas e acontecimentos na minha vida que já sei de antemão que vão acontecer, não por ter dons de bruxa (tomara eu!), mas porque sei medir a febre às coisas. Se entrar numa sala cheia de gente, sou capaz de perceber que energias é que ali se propagam. Se acabar de conhecer uma pessoa, sei logo quem ela é hoje e quem vai ser no meu futuro, em o tendo. É a linguagem verbal, os olhos, os tiques, os movimentos do corpo. E depois, uma série de factores externos, como a possibilidade, ou não, de a reencontrar.
Não acredito que acabei de escrever isto.
Mas existem "coisas" que mais não são do que os sinais que a vida nos dá. Ou sabemos lê-los, ou não.
Esta noite choveram gatos e cães, como dizem os ingleses. Raios e coriscos, Capitão Haddock. Canivetes ou picaretas, como diz o povo. Chuva e trovões, coisa para lavar de vez a atmosfera. Graças ao nosso bom Deus, todos estes fenómenos se dão de noite, porque, de dia, tínhamos muita histérica aos berros, Acudam, que eu não sei nadar!, ou Deixem-me morrer, salvem o meu miau. Fala-se de três e meia da manhã, eu dei por isso às quatro e quarenta e quatro, não houve força anímica para ir ver o espectáculo de Ano Novo antecipado, nem procurar as gatas, virei a franga e toca a continuar, que a noite já não era uma criança. Por estas e por outras, só acordei às dez da madrugada, e tinha no telemóvel a mensagem de uma das crianças a dar-me conta da chegada de uma encomenda e respectivo pin. Respondi-lhe: "O homem vai apanhar-me no banho". Sou tão rápida a lavar-me, não sei se me esqueço de partes, se sou mesmo muito pequenina com um metro e sessenta e oito, ou se já tenho uma prática tão grande, que aquilo é zupa, zupa, zupa e está feito. Resolvi, então, arriscar. Estou a meio do banho, triiiim, a campainha lá de baixo, que nos dá para aí cinco segundos para responder, caso contrário dá-nos como ausentes. Corri descalça e molhada pelo soalho de carvalho (:P) afora, escorreguei contra duas ou três paredes, mas ainda consegui chegar a tempo. Era a carteira, sou uma tipa cheia de sorte. Se fosse um entregador homem, estaria num pequeno sarilho, pois não tinha tempo para vestir um vestido. Equacionei uma tanga — não literalmente —, voltava a vestir o pijama e metia só a cabeça de fora, dizendo que estava com uma gripe assassina e gemendo o código. Assim, atendi-a de lençol à volta do corpo, dizendo: "Que sorte a sua, apanhou-me mesmo a meio do banho". A seca murmurou "Hum", ainda achei que poderia assustá-la com a história da gripe, ou subia a parada para ébola, mas desisti, dado o meu aspecto de bruxa. Só queria fechar a porta e assim fiz.
Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.
