Tinha um exame médico para fazer, para o qual, segundo a funcionária que me atendeu, devia ir com o intestino limpo, uma vez que, dessa forma, a senhora doutora vê melhor as imagens, sem nada que impeça. Perguntei: Blocos, calhaus?, rimos muito e desligámos. O exame não é intestinal nem estomacal, esta da tripa limpa é novidade, mas quero lá saber, façam-me o raio do coiso e não nos aborreçamos mutuamente.
Entro na farmácia, que frequento muito mais vezes do que gostaria, mas também é, e talvez por isso, um terreno meu, onde me sinto completamente em casa, verifico que estão quatro pessoas acercadas do balcão, duas são casal e já estão a ir-se embora, uma outra está a ser atendida e, num dos extremos, um senhor de idade, aparentemente à espera de alguém, enrolando em tubo um calendário de parede. Sou atendida na ponta oposta do balcão e digo a Jorge, pelo canto da boca: “Microlax, se faz favor”. Ele, exactamente da mesma forma, confirma: “Microlax?”. E eu, no mesmo tom: “Microlax. É que vou fazer um exame e tenho que levar os canos desentupidos, não sei porquê”.
Nisto, o senhor que enrolava o calendário intromete-se no assunto e pergunta, alto e em excelente som, de modo a que se ouça, pelo menos, até à porta: “A senhora vai fazer um exame ao cocó?”.
Considero que tenho muita sorte em ter um superpoder de improviso, encaixe, humor e abstracção, nomeadamente para o inesperado e o non sense. Primeiro gargalhei e imediatamente respondi, no mesmo tom: “Não senhor, não vou fazer um exame ao cocó”. Ana Teresa, aflitíssima, socorreu-me assim: “É para o teu filho mais novo, não é?”. “Não, é para o meu cão que, coitado, é muito preso. Não sei se é da trela ou das grades na janela”.