Desta vez, se pensar bem nisso, o problema nem é meu: é do agregado.
Então, o homem quer livrar-se dos óculos, porque, ao que parece, as pessoas que os usam têm dificuldades acrescidas — ou, tão-"somente", dificuldades, ainda que não acrescidas —, para aquelas tarefas que nós, não míopes, nem hipermetropes, nem astigmáticos, cumprimos com facilidade e também felicidade, a mesma à qual só damos valor quando assistimos com frequência a estes cenários: tomar banho às cegas, entrar no mar às apalpadelas (acho que não às banhistas, mas é um risco que se corre), o regresso à toalha ser um enigma difuso, jogar à bola sem a ver tão bem quanto os outros jogadores, tirar um prato do forno sem ficar em Alcácer Quibir. E etecetera. Ora, vamos considerar que não consegue adaptar-se às lentes de contacto. [Vamos também fingir que não sabemos que ele nunca fez um esforço de adaptação, tipo enfiar aquilo lá para dentro e, assim, ver a luz.]
[Enfim, não quero imaginar maquilhar-me sem ver o que estou a fazer. Levar ao limite a noção de long lash extensions, cara acima, testa afora, raiz do cabelo adentro.]
Vai daí, consultou o seu oftalmologista de há alguns anos, que concordou que a miopia dele está estável, e, por conseguinte, é de operar e livrar-se dela, e, de caminho, dos óculos. Processo iniciado, o médico manda a requisição para efeitos de seguro [esses cães que regateiam todos os cinco tostões quando é para pagar, mas para receber parece que é sempre pouco, e vão, de certeza, considerar a cirurgia um acto estético]. Só que a requisição referia apenas um olho, sendo que ele, ao que tudo indica, tem dois. E ambos são míopes, pelo que, consequentemente, têm que ser democraticamente operados. Incrédulo, ligou ao médico, mas acontece que o senhor doutor não está disponível/está fora/hoje não dá consulta/ligue mais tarde. Ainda mais incrédulo, mandou mail ao médico. Sem resposta.
E estamos nisto há dois meses. Porque há um oftalmologista neste nosso país que considera normal:
1. operar um só olho;
2. operar um olho de cada vez;
3. que há alguém que vai usar monóculo;
4. que é vulgar ter miopia num só olho;
5. que o olho é um conceito que não conhece plural;
6. que admite a existência do número ímpar, em se tratando de olhos. (Quem sabe se a requisição corrigida, isto no caso de chegar a passá-la, será referente a três olhos. Ou cinco.)
(No lugar dele, eu mudava de oftalmologista. Faz-me muita confusão um médico que não sabe fazer contas de matemática.)