14/09/2017

Quando tudo te grita 'Não saias de casa!' # 4

A pessoa humana predispôs-se a deslocar-se do ponto A ao ponto B, que era a Rua do Salitre. 
Tinha uma ideia vá que vaga de onde é que a dita ficava, mas, para ter a certeza e acertar nela à primeira aquando da abordagem, fui estudar. Mr. Google Maps confirmou que era para o Rato, e, sem roer a corda nem as unhas, foi assim que para lá me dirigi. Estava muito bem parada no semáforo, já no acima referido Largo, quando me assaltou à mão armada uma daquelas dúvidas típicas de quem está a fazer tudo bem mas não está habituado a isso: o Rato é uma rotunda, uma praça em rotunda, um intrincado cruzamento (a sério, senhores autarcas, quanto tabaco faltou meterem nisso antes de esboçarem os desenhos?), uma anedota arquitectónica ou um pedaço de mau caminho que nada tem do bom que a expressão encerra?
Sabia que tinha que fazer um ângulo de cento e oitenta graus (com o carro), mas avistava vários sentidos obrigatórios, e nenhum me parecia indicar aquele que eu queria tomar. Com cerca de escassos décimos de segundo para decidir o que fazer, pedi ajuda à GP-essa. No vosso caso, não sei, mas, no meu, trata-se de uma senhora de voz grave, com uma estranha dicção — estala-lhe saliva seca na garganta nas consoantes, coitada —, que chama "áquinta" à A5, e outros miminhos semelhantes. De dentro da caixa onde está amarrada, mandou-me virar à esquerda, e eu virei pela Av. Álvares Cabral acima. Ralhou-me então, "Recalcular a rota", assim, no infinito verbal, como que imperativo categórico, até parece que me toca a mim recalculá-la (então não devia dizer antes "Recalculando a rota"?), disse-me que invertesse lá para os lados do Jardim da Estrela, e eu obedeci. Alguns semáforos depois, mandou-me virar à direita e digamos que pensei que tinha chegado ao meu destino, e só faltava procurar lugar para Rosinha naquela rua em que aposto o meu braço direito em como não passa um carro de bombeiros. Afinal, não: por não ter digitado o número da porta pela qual pretendia entrar, dei comigo não sei quantos quarteirões abaixo, que a rua é estreita, mas é comprida, como eu já fui um dia. 
Fui até à Baixa, no fundo. Dei uma volta, passando pela Av. Liberdade, o que não foi nada libertador, pela Praça da Alegria, hahaha, digitei lá à senhora da dicção esquisita o número da porta que queria alcançar, fui ao Príncipe Real, isto realmente, desci por ali, virei acolari, andei por onde não faço ideia, sempre a obedecer à voz dos estalinhos, e cheguei. 
Pus Rosinha num lugar que não era bem um lugar, mas paguei o papelinho do coiso. 
Lá fui à minha vida, depois levei uma seca de um senhor que não se calava, que veio acompanhar-me à porta e me fez pensar que iria atrás de mim para casa, caso eu fosse a pé, disse-lhe que estava com pressa porque tinha o carro mal estacionado, e ele sugeriu-me ir buscá-lo para o estacionar logo ali onde estava a arengar-me o juízo, provavelmente para continuar a serrar presunto (dele, que eu cá não tenho disso), até eu apodrecer, pura e dura.
[Cada carraça.]
Hahaha para ele também, e para a minha vida, que é isto.


2 comentários:

  1. Anónimo14/9/17

    é o que dá não ser obediente, insistir em rotas e caminhos decalcados há muitas luas atrás, pegar na tecnologia e interpretá-la como se fosse uma letra de uma música pimbaa, e depois, uns parágrafos para lá de bons com presunto de salga pra aí de uns meses sem conta. digo eu, que estou prestes a sucumbir, que o jantar foi zero, e vontade de resolver o assunto, não há.
    beijinhos, Linda.

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    1. A irreverência acompanha-nos ao longo da vida, Mia.
      O jantar? Aquele caminho pelo qual eu fugiria, em linha recta e sem caminhos alternativos, todos os dias...
      Beijinhos

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