Vamos supor que entras para comprar um rímel à prova de água com a escova curva, e te deparas com uma vendedora que quer que compres uma máscara, que pode não ser à prova de água, com a escova plana.
Entro e peço, por favor,
- Um rímel à prova de água.
Chama a colega, chefe de loja/ mais habilitada/ mais capacitada para me vender o que eu não quero comprar/ tudo junto.
- Máscara de pestanas. — Corrige a altíssima — Queira acompanhar-me ao expositor.
E lá vou, tic-tic-tic, até à grande placa negra, onde se expõem tintas e truques para nos enganar (e podermos iludir-nos de que enganamos o próximo, seja lá ele chegado ou distante) em relação à passagem do tempo, ou àquilo que nunca tivemos (boas cores, pestanas longas, pele de pêssego, olhar profundo, profundamente enigmático).
- É esta a nossa máscara waterproof. — Anuncia (corrigindo um anglicismo, mas usando um estrangeirismo inútil), enquanto me apresenta a solicitada escova empapada em tinta negra.
- Eu queria com a escova curva. Tem algum assim?
- Não, só este. — E eis que começa a quebrar-se-lhe a curta paciência, o que percebo pelo ligeiro baixar de braços. Ainda assim, insiste:
- Mas esta escova é muito boa, proporciona o alongamento da pestana.
Quando se trata de estética, tudo passa a ser conjugado no singular: o pêlo, a pestana, o pé, a mão, a raiz, a cutícula. Quanto aos restantes, acho que não, mas, se apenas tivéssemos um pêlo ou uma pestana, imagino que nenhuma de nós se daria a trabalhos de arrancar, ou pintar, alongar, enrolar.
- Mas eu queria curva, nada como uma curva para me enrolar as pestanas. — Teimo.
- E tem mesmo que ser à prova de água? — Muda ela de estratégia.
- Tem.
- É que temos aqui uma máscara com a escova curva, mas não é à prova de água.
- Mas eu quero à prova de água.
Não quero explicar-lhe que vivo o drama puramente feminino da touca horrível + fato-de-banho assustador, e preciso imperiosamente de levar pestanas que se vejam para dentro de água.
Negócio não feito, não desfeito.