29/04/2018

LB dá uma de blogger e faz perguntas a si mesma:

E tu, LB, o que fizeste tu hoje, para comemorar o Dia Mundial da Dança?

Oh.
(Mas aviso já que fiquei muito triste e desapontada com Mr. Google, que comemora o aniversário 253 de todos os poetas desconhecidos, os 174 anos sobre a descoberta do pum azul e o dia em que passam 691 anos sobre a invenção da roda, e hoje, logo hoje, não foi capaz sequer de pôr, nem que fosse, um bonequinho piroso a dançar, lá na sua página inicial. Cá se fazem.)

27/04/2018

É preciso tão pouco para me fazer feliz # 14

Chegou smart cap — doravante denominada chica-smart —, a touca de natação especialmente dedicada a cabelos compridos, aquela que, se não fará com que o ser humano fique mais belo, e não menos hiper-estranho do que fica com qualquer outra quando a envergar, pelo menos será a garantia de que a bicha não ameaçará saltar a cada segundo, durante todo o tempo de permanência no charco. Multiplique-se isto pelos 50 minutos a uma hora que dura a coisa, e veja-se, assim, o número de vezes que é preciso agarrar o crânio com ar de ai-Jesus, enquanto para ali submersa.



Dediquemos agora um pouco do nosso precioso tempo a prognosticar qual será o passo seguinte a percorrer, em toda esta problemática da indumentária piscinal, tendo em conta dois factores: 1. A natural insatisfação do femedo; 2. Aqueles momentos em que, não tendo mais nada para inventar, inventamos mais um pequeno nada. É que me parece que está prestes a nascer o terrível e inultrapassável momento aquático em que a pessoa, aborrecida com os salpicos, ou com outra coisa qualquer, mas porque o rímel à prova de água lhe exponencia as pestanas assazmente, entende serem prementes, inadiáveis e imperiosos uns óculos especiais para pestanas compridas, quiçá com umas caixas mais côncavas, tipo aqueles peixes.


26/04/2018

Barreira linguística # 2

Vamos supor que entras para comprar um rímel à prova de água com a escova curva, e te deparas com uma vendedora que quer que compres uma máscara, que pode não ser à prova de água, com a escova plana.

Entro e peço, por favor,
- Um rímel à prova de água.
Chama a colega, chefe de loja/ mais habilitada/ mais capacitada para me vender o que eu não quero comprar/ tudo junto.
- Máscara de pestanas. — Corrige a altíssima — Queira acompanhar-me ao expositor.
E lá vou, tic-tic-tic, até à grande placa negra, onde se expõem tintas e truques para nos enganar (e podermos iludir-nos de que enganamos o próximo, seja lá ele chegado ou distante) em relação à passagem do tempo, ou àquilo que nunca tivemos (boas cores, pestanas longas, pele de pêssego, olhar profundo, profundamente enigmático). 
- É esta a nossa máscara waterproof. — Anuncia (corrigindo um anglicismo, mas usando um estrangeirismo inútil), enquanto me apresenta a solicitada escova empapada em tinta negra.
- Eu queria com a escova curva. Tem algum assim?
- Não, só este. — E eis que começa a quebrar-se-lhe a curta paciência, o que percebo pelo ligeiro baixar de braços. Ainda assim, insiste:
- Mas esta escova é muito boa, proporciona o alongamento da pestana. 
Quando se trata de estética, tudo passa a ser conjugado no singular: o pêlo, a pestana, o pé, a mão, a raiz, a cutícula. Quanto aos restantes, acho que não, mas, se apenas tivéssemos um pêlo ou uma pestana, imagino que nenhuma de nós se daria a trabalhos de arrancar, ou pintar, alongar, enrolar. 
- Mas eu queria curva, nada como uma curva para me enrolar as pestanas. — Teimo.
- E tem mesmo que ser à prova de água? — Muda ela de estratégia.
- Tem. 
- É que temos aqui uma máscara com a escova curva, mas não é à prova de água.
- Mas eu quero à prova de água.
Não quero explicar-lhe que vivo o drama puramente feminino da touca horrível + fato-de-banho assustador, e preciso imperiosamente de levar pestanas que se vejam para dentro de água.
Negócio não feito, não desfeito.


23/04/2018

Negócio da Choyna

Então. Pedro Choy forrou as carruagens do metro cá da cidade com uma pobre pub, que é esta:


A pessoa estarrece e estaca diante da visão, não da magreza, não da beleza, não necessariamente por esta ordem, da menina, mas sim do seu braço esquerdo, que se nos apresenta à direita da imagem. Então, questiona-se se Choy possui o segredo (do Oriente, calma) de praticar o Photoshop no corpo de quem lho entrega para que lho emagreça. E se é suposto ficar-se assim, com a zona do pulso mais larga do que a do cotovelo. Seja lá como for, declaro aqui que não quero saber o segredo de P.C., assim como não quero que ele me aplique Photoschoy. Ainda prefiro o cotovelo mais largo do que o pulso, à antiga.

22/04/2018

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 56

Era estar menos atenta, e já não dava por estes diálogos:
- Olha, alguma de vocês percebe alguma coisa de Francês?
- Não, porquê?
- Porque está ali uma senhora que só pede por cus-cus-cus-cus...

Por acaso, depois fiquei a congeminar nisto: quando uma pessoa come couscous, e lhe fica presa uma única bolinha entre os dentes, como é que exprime a sua lamúria? Tenho um couscou [cuscu] preso no dente? Ou Tenho um coucou [cucu] preso no dente

[Hã, e o esforço para escrever posts sem conteúdo a que me tenho votado ultimamente, ninguém louva?]

21/04/2018

💗 Bumba


Se quereis perceber um pouco mais do meu ponto de vista, eu estou TODA! um pouco ao minuto 01:00, até ao minuto 01:50.
Execrável, tits.

20/04/2018

Na blogosfera como na vida # 3

A estupefacção. 
Ou então, apenas, 
Quando não tens nada para dizer ao mundo, encriptas e eis um post.


19/04/2018

o que é normal

Saímos todos do mesmo metro, tão iguais uns aos outros. Chegada a pequena multidão ao cimo das escadas, foram saindo alguns, depois de validarem o seu bilhete, abrindo a cancela de acesso à luz. Já de outras vezes o havia visto sair do comboio, naquele mesmo horário, e sei que me chamou a atenção, logo após a sua evidente trissomia, ainda que de costas, a sua autonomia, a sua alegria, a sua liberdade. Imaginei que viria da escola, para a escola, para a sua vida, enfim. Houve então uma mulher normal — no sentido de vulgar, sem quaisquer sinais distintivos, nem alta, nem baixa, nem velha, nem nova, nem magra, nem gorda, nem mal nem bem vestida. Talvez apenas isso, banal — que lhe fez sinal, apontando a cancela, pedindo-lhe que, com o seu passe, lha abrisse. E ele, gentil, assim fez, não desfazendo o sorriso que rasgara aquando da abordagem. Ela, agora sim, vulgar, seguiu caminho, sem um agradecimento, sequer a devolução do sorriso bom dele. E então, ele ficou para cá da cancela, o passe a recusar-se dar-lhe duas saídas seguidas, preso na sua ingenuidade, vítima da sua própria bondade. 
Não fui eu que o salvei da estupidez das pessoas, pois logo se acercou dele uma senhora, também ela normal — mas, essa, sim, caracterizável em vários quadrantes: pequena, com a magreza da escassez e do desfavorecimento, negra de outro continente onde sei que a partilha do pouco ou nada existe, vestida de vestes humildes —, que, pegando no seu passe, o picou com uma entrada e, logo de seguida, a saída, para ele.
Fiquei então a pensar que prefiro pertencer a este lado das pessoas normais, e que não, nós não somos todos iguais. A bem de todos que não somos. 


18/04/2018

Post interdito a machos # 8

(Porque só uma mulher pode entender todo o conteúdo que segue.)

Estávamos numa aula aquática, já havíamos sido sujeitos a todas as sevícias de que os monitores se haviam lembrado, e, nos últimos quinze minutos, ainda tiveram a peregrina de nos mandar sugerir fazer um jogo de futebol (polo, ou lá o que é). 
Já noutro post denunciei que a água da piscina nos dá cabo do verniz, seja ele gelinho ou quentinho manicure normal. Começo a suspeitar que lhe deitam gotas de tira-verniz, assim como desmaquilhantes vários, do dos olhos ao facial. Uma pessoa entra qual bailarina aquática — se descontarmos a touca do Demo e o fato-de-banho abaixo de péssimo —, e sai transfigurada em si mesma, com mais dez anos em cima das peles. É como mergulhar no Grande Tanque de Elixir da Eterna Velhice.
O jogo decorria na sua (a)normalidade, apesar de as duas equipas estarem claramente desequilibradas: uma delas — que, obviamente, não era aquela que me calhou — tinha dois homens, e não eram eles dois elementos quaisquer. Eram dois tubarões lá para os seus trinta e picos, com uns cabedais de meter respeitinho fora de água, quanto mais lá dentro. Acho que ganharam a partida, e só não tenho a certeza porque os instrutores, feitos treinadores-árbitros-fiscais-de-linha, boicotaram grande parte dos golos que a equipa adversária havia de ter marcado, desviando a baliza no último momento. 
Mas não é isso que interessa agora aqui. O que vim contar foi o grande momento que protagonizei, e que só não foi de puro fair play porque se deu com uma das minhas companheiras de equipa: lá no meio da confusão aquática, a bola do nosso lado, perto da baliza adversária, e, portanto, numa fase do jogo que requeria alguma atenção acrescida da minha parte, ouvi a senhora mais idosa que se encontrava em campo (capitã?) a gritar:
- Perdi uma unha!
É claro que nem me passou pela cabeça levar o aviso ao pé da letra (até porque se tratava de uma unha da mão), pois, naquele relance que dirigi à mão da senhora, percebi que se tratava de uma unha postiça. Acerquei-me dela, certifiquei-me da cor das restantes nove (um castanho-bordeaux, fácil de encontrar na transparência-azul da piscina) e, qual baywatch da unha tresmalhada, anunciei:
- Vou procurá-la, já lha entrego.
Ela sem acreditar, assim como eu. 
O que é facto é que a unha passou por mim a nadar, fazendo piruetas em direcção ao fundo da piscina, toda ela num parafuso bonito de se ver. Tentei apanhá-la, mas a libertária continuou no seu passo de natação sincronizada até ao chão. Pus-lhe um pé em cima, agarrei-a com os dedos (nós somos tão primatas...), levantei o pé e eis-la. A senhora quase chorou, interpretem como quiserem.
O jogo não havia parado, e terminou passados minutos, acho que empatado. 

17/04/2018

Notícias de Bernardo, o meu passarinho

Com a morte de Bianca, minha bico-de-lacre, perpetrada pelas minhas que se quiseram ternas e se fizeram cruéis e desajeitadas mãos, adveio também a viuvez de Bernardo e a minha viuvez de passarinhos em casa.
Havíamos combinado há um tempo que só saberia definir se fosse procurar no tempo, que, uma vez sozinho um dos passarinhos, ela viria buscar o outro, levando-o para outra gaiola — e como me faz sentir ainda mais cruel e desajeitada do que as minhas mãos esta palavra — maior, mais solarenga, com mais companhias. Assim fez, um dia depois de ter tido eu que sepultar a fêmea com as tais mãos, de carrascas a coveiras. Ele chilreava como nunca desde que a solidão havia tomado conta da gaiola, num requiem de desgosto e procura, e então, num gesto que simulou quase perfeitamente a abnegação que não sentia, e mal dissimulava a verdade da minha cobardia em assistir ao sofrimento dele, que passou a ser nosso, deixei-o ir, dorida e aliviada.
Sei-o agora feliz, aninhado nas noites no mesmo poleiro que outra fêmea igualmente desagasalhada de macho.
A minha casa está mais vazia por estes dias. Tal como acontece no coração das pessoas, assim ficam as casas quando nelas se cala o canto de passarinhos.



16/04/2018

Dúvidas que me assaltam à mão armada com alguma frequência # 5

Gostaria atrozmente que alguém me explicasse esta nova moda de andar na rua com o telefoninho deitadinho na palma da mão, e a falar na direcção da ponta de cá, que é aquela que fica mais próxima do pulso. 
Em tudo me lembra aquilo um reclame que dava no televisor quando eu era garotita (já não me lembro a o quê, mas não me chocaria se fosse a conservas enlatadas), que era o do beijo nos quatro dedos, depois estendidos para a frente, e, por fim, soprados nas pontas. Ouvia-se então uma vozinha cantada, que trinava "sex appeal!". 
Depois as coisas evoluíram, todas adquiriram um nome técnico, e a isto passou a chamar-se blowing kiss.


Assim anda actualmente o povo, com seus aparelhos em pose de sex appeal, ou, se preferirdes, blowing kiss. É porquê? Têm medo do cancro no cérebro (?), e acham que assim o evitam, preferindo não encostar o telemóvel à orelha? Falam para a mão, na verdadeira acepção da expressão? E como é que ouvem quem está do lado de lá da "linha"? Com auriculares? E não têm medo que o cancro no (tal) cérebro lhes entre pelo fio? Ou põem o interlocutor em alta voz? E nós, que estamos literalmente de fora, temos que ouvir o que se passa nestas vidas? Porquê? Não é precisa toda uma estratégia, cada vez que vão falar, ou alguém lhes liga, para ligar o fio, colocar o telemóvel naquela posição de equilíbrio precário, a ocupar uma das mãos (elas não são só duas?), e, assim, estabelecer uma conversação? De que é que falam? Quando a chamada termina, sopram o telemóvel? E ele cai? Isto um dia vai chamar-se blowing mobile phone? Qual é a cena?
Não consigo dormir.

15/04/2018

para Sempre Mulher

Com mais um ano de idade biológica no lombo, lá fui para a Sempre Mulher, (ainda) na modalidade caminhada de lazer, mas, desta feita, fiz o grande feito de ter feito o mesmo percurso em menos 32 (trinta e dois!) minutos do que no ano passado: caminhada avenida da Liberdade acima, corrida na Fontes Pereira de Melo até ao Saldanha, caminhada até à João Crisóstomo, e de regresso ao Saldanha, corrida na Fontes Pereira de Melo, caminhada no Marquês, corrida na avenida da Liberdade até à meta. 
Por este andar, para o ano vou ao lado das atletas de alta competição, e ainda as ultrapasso. Isto, numa linha de raciocínio perfeitamente lógica: se no ano passado fiz o mesmo percurso em 01:19:56, e este ano em 00:47:59 (o raio do cronómetro espeta-se sempre nos cinquenta e tais quando eu vou a passar, só para o galo), isto quer dizer que, para o ano, a minha marca pode ser 00:15:57, mais segundo, menos segundo, certo? Certo. A Matemática tem destas coisas, e nunca falha. 


O tempo apresentou-se de feição, pois choveu todo o percurso, o que, parecendo que não, refresca, à medida que se sua. Por outro lado, este ano foi comigo não uma, mas sim duas filhas, o que foi duplamente divertido. Para a próxima, levo as filhas todas que tenho (ou não me chame Linda Blue e assim elas anuam), e aí, sim, para além de triplamente divertido, seremos tantas, que seremos imbatíveis e inultrapassáveis. 


12/04/2018

da conformação diante da morte

Fiz o que fiz sempre, da mesma forma suave e macia: tirei o passarinho da gaiola, após várias fugas de grade em grade, com a intenção de lhe cortar as unhas. Nos bicos de lacre, as garras compridas podem significar a morte, pois fazem com que fiquem presos no poleiro, numa grade, no comedouro, às vezes durante a noite, e, incapazes de se libertarem, ali ficam até morrerem. Segurei-a — era a fêmea — cuidadosamente, e ela fez o que fez sempre: primeiro debateu-se ligeiramente, depois deixou-se ficar, à espera que a minha manobra terminasse. Cortei uma unha, senti-lhe a tranquilidade no pequeníssimo corpinho, e foi quando cortei a da outra pata que lhe veio a morte, muda e queda na palma da minha mão. Fui eu que a matei, e isso mata-me também a mim. Tirei-lhe a vida num lapso de décimo de segundo em que a terei apertado um pouco demais. 
Não me perdoo agora ter-me conformado imediatamente com a morte dela. Não tentei sequer  uma massagem cardíaca, simplesmente pousei-a, em prantos inúteis, em cima da bancada da cozinha. Sou dada a momentos em que não podia ser mais estúpida, e é esse irremediável que me torna assim, conformada. 
Recebi palavras de conforto e um abraço precisado, e depois saí sozinha de casa, com ela metida numa caixa bonita, que me deu a Maria, minha grande criança sensível, sensibilizada. Corri o bairro em busca de um local bonito e sossegado, onde fosse pouco provável a passagem de cães. Mas apenas encontrei árvores feias, as mesmas que se põem lindas nesta Primavera que tarda, e zonas escuras. Chovia para lá de mim, quando abri um buraco fora do céu e a entreguei à Terra, depositando-a na terra, numa paz de dar dó.


10/04/2018

Para além de tudo o resto, ainda aerofóbica

Tenho a comunicar ao povo — a toda a população terráquea em geral — que, daqui a vinte e sete dias, vou viajar de avião. Estou, por isso, em contagem decrescente, à espera que, a todo o momento, me dê o stroke, que é o strike das sinapses.
A única novidade deste facto, se já vos haveis apercebido, é que não me encontro preparada. É certo que ainda não comecei a sonhar com o assunto, pelo menos que me lembre de manhãzinha. Também ainda não comecei a tomar calmantes, nem ninguém mos botou na sopa, que eu tenha dado por isso. Ao contrário, tenho visto vários episódios de "Mayday! Desastres aéreos", para saber como é que tudo se processa, e, especialmente, se já mandaram arranjar as avarias, percalços e cenas possíveis (das tolas do piloto e co, inclusive) que geraram aquelas situações, ou se é preciso ser eu a fazer a checklist à entrada do pássaro, do género, "Verificaram os quatro motores? E o combustível? O peso das malas no porão? Os antecedentes psiquiátricos do chauffeur? Ele fala e percebe perfeitamente Inglês? Quem é que está ao serviço na torre de controlo? Todos dormiram horas suficientes? Ó menina, se isto for a cair, pode avisar-me com uma antecedência mínima de três a cinco minutos, para eu poder mandar uns quantos whatsapps? Onde é que fica o pára-quedas? E o colete? Como é que é a posição fetal, mesmo? Posso ir já descalça? E com a máscara do oxigénio? Se calhar, sento-me aqui no chão, mesmo ao pé de uma saída de emergência. Isto não tem um atalho, para ser mais rápido? Pergunte lá ao condutor se não podemos voar baixinho e devagarinho, mas que mania das alturas! Olhe, aquele senhor tem uma mochila esquisita. Na verdade, todos os passageiros têm uma cara esquisita. Já viu aquele, a dormir? Acha normal? Vocês hoje não tinham uma greve? E os controladores, também não? E os que transportam as malas? Os da pista, que usam aquelas raquetes? Alguém? Acho que me esqueci de qualquer coisa no carro. Dói-me a barriga. Quero a minha mãe!".
Outro dia, estava a desabafar com uma querida cheia de paciência, que, naquele Português lá dela, aconselhou assim:
- 'Ocê toma umas e outras antchis dji embárrcá. Já vai alhégrinha, assim si cáirr, 'cê neim dá porr nada. Acórrda lá do outro lado numa alégria, só pérguntando ondji é qui 'tá.
Mais sugestões (um pouco mais sóbrias)?

09/04/2018

regressado

Chegou-me inteiro. Vinha sujo, queimado de um sol que eu nem sabia ter havido, rouco e cheio de frio pelos calções abaixo. Trazia "vontade de comida a sério", cansado de hambúrgueres sempre iguais e cereais secos. Na pequeníssima mala, toda a roupa suja, meticulosamente dobrada. Nos olhos adornados de olheiras, o brilho da idade da inocência, umas vezes perdida, outras tantas intacta.
Lavou os dentes, tomou banho, comeu comida de casa e adormeceu, tornando-se, num breve segundo, de homem rude e exausto, em criança tranquila e apaziguada.
Poucas horas depois, perante as notícias que davam conta do acidente com a camionete de finalistas, partida lá do mesmo sítio de onde ele veio, veio também o inevitável impossível de não me colocar na pele dos pais do João, de não sentir uma imensa compaixão por duas pessoas que, tal como nós, passaram toda a semana com o coração nas mãos, esperando pelo regresso do filho que, no último momento, não aconteceu. Não posso nem quero imaginar o tamanho da dor daqueles pais. Mas consigo perceber o alcance dela, assim como a dimensão da tragédia nas vidas de uma família inteira.
Foi com esse aperto no coração que entrei no quarto azul e o constatei adormecido. Fui espreitá-lo, confirmá-lo em casa e nas nossas vidas, como se assim o pudesse garantir.
Chegou-me inteiro, o meu menino.


08/04/2018

Eu tenho problemas com tudo # 31

Na aula Acqua de hoje, cheguei à conclusão que isto não pode continuar: o raio da touca de natação anda para me saltar crânio fora, e perco demasiado tempo precioso, que posso usar em movimentos braçais, só a ajeitar aquela porra, a puxá-la na direcção da cara, a repuxar as raízes do cabelo até à dor excruciante (dá-se que sou, em linguagem povina, "arrepeladiça", e ai de quem me faça cafuné, que tem inimiga fisicamente violenta garantida), tudo um enfado, um fado, enfim, se é que me faço entender. Já experimentei pôr uma em cima de outra (licra + silicone), já experimentei pôr só a de silicone, mas, não bastando o ar de extraterrestre com que um humanóide fica, ainda temos a saga da touca que ameaça debandar. Assim, saí da piscina e rosnei para quem me calhou no percurso que "Vou mas é comprar uma daquelas toucas que têm um cinto de orelha a orelha, porque não aguento mais isto". Parecendo que não, acaba por ser uma aula duplamente cansativa (embora duvide que me consuma o dobro das calorias), e eu já não tenho idade para estes números. 
Já no lar, voltei a desabafar o drama touca deslizante, e foi quando uma das minhas bebés me esclareceu que o problema não sou eu, é ela (touca): toooodas as toucas são demasiado pequenas para quem tem cabelo comprido. 
E fez-se-me uma espécie de luz, pois já ponderava a possibilidade de, subitamente, me ter tornado cabeçuda, ou de a minha caixa craniana inchar com a água, qual soja, qual liofilizado. Eu bem olhava à volta, e parecia-me que as cabeças dos outros nadadores eram, grosso modo, do tamanho da minha, mas sei lá, tudo é possível, já que sou tão atreita a fenómenos. 
E deu-me a criança que gerei a conhecer esta maravilha:


Claro que vou ter uma, não é isso que está aqui em causa.
É que, entretanto, lembrei-me que a água da piscina também me anda a fornicar as unhas. As vinte unhas. Já experimentei ir para lá de gelinho, e, porque estou de mão e pé submerso um ror de tempo, o verniz deu em levantar placas, separando-se das unhas num divórcio feio de se ver. Hoje já fui de verniz normal, e também trouxe duas meio descascadas. Então, lembrei-me que deve haver umas luvas de natação. E umas meias. E que, se não há, vou inventar, vou patentear, depois apresento no próximo Shark Tank e fico rica, feliz e gira para sempre. Entretanto, a mulherada vai para a piscina de luvas, meias, o fato de banho mais feio da parada, a bendita touca, algumas de óculos de natação (que também são aquele arraso de beleza), mola no nariz, e assim está criado todo um novo conceito de nadadora: a sereia-anti-tusa.
Quem é amiga, hã?

07/04/2018

Os 5 anos do coiso

Foi há cinco anos que escavei este buraco onde me escondo. Lembro-me que era um domingo de tempestade, se não literal, pelo menos literária. Sei que chovia, fora e dentro de mim, e daí adveio a imperiosa necessidade de brotar. Assim, amontanhei-me e pari este espaço, como quem pare um rato.
Havia de fazer uma retrospectiva, num registo trágico, ou então cómico, que são para aí os dois caminhos que, como boa Escorpiosa que sou, sei trilhar. Mas dá-se que não aprecio particularmente nada que comece pelo sufixo retro, a não ser retrosaria (por causa dos alfinetes, aka ironia), pelo que vou abster-me, como aquelas pessoas que não sabem o que querem à boca das urnas. 
Também não estou na mood de fazer um apanhado, geral que ele seja, do que é, neste momento, manter o coiso, pois isso poderia ferir susceptibilidades, e a mim já me bastam as minhas feridas para lamber, que me dão uma trabalheira só em salivação, quanto mais as dos outros.
Em último, não vou homenagear ninguém aqui e agora, reservando tais tributos para o momento e local certos, e hoje it's my party and I cry if I want to. Nem vou deixar indirectas a quem não me grama, nem a quem finge que não me lê e depois se denuncia à vara larga, nem a quem me deixa aqui comentários anónimos (muito mal) disfarçados de amigáveis, pois que sou demasiado directa para isso, e estimo, com fervor religioso, que se forniquem.
Só não me apetece ser querida e fofa (🙄), muito menos captadora de seguidores [incrível, ao fim de cinco anos, e 2783 textos que me saíram dos bons e maus fígados, ter conseguido angariar cem seguidores. Deve haver, cá na blogobola, poucas com este dom, hã?], designadamente porque esta noite dormi poucas horas e estou com os níveis de inspiração abaixo de zero. Isto, obviamente, partindo do pressuposto que haja vezes em que sequer vêm à tona. 
No entanto, quero agradecer a quem cá vem com alguma frequência, ou porque escrevi alguma coisa com (os) pés e (pouca) cabeça, ou porque pus um título que é uma esparrela (caso do da viagem de finalistas) e caem aqui ao engano, mas que me aumentam o número de visitas diárias uma ou outra vez, e isso, sei lá porquê — já que sou bruta —, aquece-me o coração. 


06/04/2018

Ela fala tanto # 24

No entanto, ou tem breves bloqueios, ou serei eu que não alcanço raciocínios tão intrincados, esdrúxulos, direi mesmo abstrôncios.
Ouve um estrondo no quarto das miúdas, vai calmamente saber do que se trata. Vê uma delas com uma das portas do roupeiro na mão, que acabou de descarrilar do trilho que é a calha. Coisa para dois metros e tanto de altura, algo como oito ou dez quilos de peso. 
- Ah, pensava que tinhas caído.
E assim disse, melhor fez: saiu do quarto e foi à atarefada e inadiável vida dela.
Pergunto-me assim: então e se ela tivesse caído? E respondo-me assado: provavelmente, diria: “Ah,  pensava que a porta do armário tinha caído”. E lá ia, à atarefada e inadiável vida dela.
Só não me pergunto o tamanho da puta que ela havia de armar se a porta lhe descarrilasse nas mãos, ou se desse uma queda na minha casa. Logo baixa, quais agora?
(Se calhar, se fosse comigo, defecava no assunto. Em se tratando de uma das pessoas que eu gerei, é que temos a burra nas couves, que parece que tudo muda de figura. E de cores.)

05/04/2018

Madrinha atípica # 2

Sou dotada de bastante orgulho derivado às prendas que ofereço à minha afilhada. Se já filhas tenho bastantes, afilhada tenho só uma, com a grande vantagem de ser um tanto mais nova do que as da minha criação. Aquela menina matou-me (não a gritos; não a tiros; sim a beijos) muitas das saudades que fui deixando arrastar para trás no tempo, aquele que não volta para lá. Sem ter culpa pelo mau jeito, tem também a grande desvantagem de ter nascido em plena Páscoa, mais coisa, menos coisa, pois que esta é festarola móvel, ao contrário do aniversário da minha petite, que é de comemoração imóvel. Ou seja, ou calha em cheio na Páscoa, ou calha-lhe rés-vés, mas nunca em vazio.
Sinceramente, gostava de ser afilhada de mim mesma. De alguma maneira, até sou, naqueles momentos extra aniversário, Natal ou Páscoa, em que me oferto cenas. Mas não é a mesma coisa que seria alguém me fazer esse miminho, pois sou uma carente no que toca a agrados com valor monetário sentimental. A madrinha que tive não se esticava muito nas datas, a não ser por duas vezes em que me ter brindou com um relógio de pulso, o primeiro que espatifei logo (por ser extremamente pequena, não só em altura como também em idade), se calhar por não saber ler as horas, e um outro, que era um Timex* azul com números brancos, de que só havia à venda ou azuis ou vermelhos, mas a minha madrinha lá deve ter percebido que, para mim, ou era azul ou não servia, e posso mesmo dizer que amei aquele relógio com fervor quase carnal, tanto que ainda o tenho guardado, volvidas que lhe são em cima cerca de várias décadas. 
Bom.
Nestes treze anos de vínculo que nos une, dei à afilhada do meu coração um serviço completo de colheres de café em prata (quando eu ganhar o Euromilhões, faço-te o Topázio* Caninhas de jantar, querida, se me estás a ler), a Pandora* completa, brincos e pulseiras a perder de vista, o relógio mais foleiro do Mundo, mas que ambas delirámos por dar/receber, e eteceteras vários, tudo assim nesta linha de pensamento. 
Porém, mas sem poréns, dá-se que a menina está a fazer-se mulher, e algo me gritava que só eu, que quase nunca a vejo, me apercebi desse facto. Então, fui à loja italiana da lingerie de perdição e adquiri-lhe um conjunto bellissimo. Dei-lho com a recomendação de que não abrisse à frente de toda a gente (referia-me aos pais) (e sim, sou desencaminhadora), ela sumiu-se para o quarto e voltou, minutos mais tarde, com uma piscadela de olho, "Adorei a prenda, madrinha" e um abracinho bom.
Mais tarde, a mãe, minha bicomadre, enviou-me uma mensagem, a dar conta de que ela estava tão feliz que não queria largar a lingerie. E que eu tinha acertado em cheio.
Olha a novidade, são muitos anos a virar frangos.
Portanto, já sabeis: quando tiverdes dúvidas acerca do que ofertar a jovens dos zero aos quarenta e nove, vinde cá perguntar, que LB é este poço de sabedoria da treta e abnegação, capaz de iluminar trevas dessas.


* NMPPI

03/04/2018

Viagem de finalistas

Diverte-te, aproveita, cuida-te,
e travei mais não sei quantas palavras, presas na garganta como fumo espesso, tantos pedidos, já não conselhos — pois quem sou eu, senão apenas mãe? —, com laivos de rogo, e um (que me pareceu) leve timbre de súplica.

Uns dias antes, havia começado a lista, encimada pelos mais terríveis e inadiáveis, por ordem de importância na escala da aflição,
Por favor, não bebas até cair. Se beberes até cair, não te aproximes de uma janela. Nem de uma varanda. Nem da piscina. Pede ajuda, se te sentires mal. Não sei se já te disse que me és precioso. Já disse? Então, repito.
Calei-me a tempo de não debitar tudo o que me ensombra a alma de cada vez que um pássaro me sai do radar.

[Senta aqui ao meu colo. Toma a chucha. Não arranques a fralda. Vai ao bacio. Tira isso da boca. Não te descalces. Vem para o banho. Toma leitinho. Dorme um bocadinho. Come a sopa. Não subas para aí. Desce daí. Diz 'obrigado'. Põe o chapéu. Deixa-me pôr-te protector solar. Bebe água. Sai do sol. Espera pela digestão. Não fales com estranhos. Não digas 'não' a tudo. Não corras aqui. Dá-me a mão. Faz um desenho. Sonhos azuis. Dá-me um beijinho.]

[Não apanhes chuva. Não abuses do sol. Leva protector. Cuidado com os mergulhos. Sê educado. Come sopa. Come também fruta. Alimenta-te como deve ser. Respeita a digestão. Não passes fome. Nem frio. Veste um casaco. Leva roupa suficiente. A escova de dentes. Cuecas para todos os dias. E meias. Os calções de banho. A sweat com capuz. Uma farmácia completa, I mean. Também devias levar a tua gata, ninguém a aguenta quando tu não estás.]

[Senta aqui ao pé de mim. Vamos comer pipocas. E batatas fritas. Chiu, é segredo. Tem cuidado. Atravessa na passadeira. Bom treino. Vai sempre pela pista. Não resistas se fores assaltado. Foge da confusão. Vai estudar. Vai para o banho. Acorda, que já são horas. Corre. Diz 'não' ao que te prejudica. Não venhas tarde. Não fumes. Não estragues a tua pele. Dorme bem. Dá-me um abraço.]

Agora a sério, diverte-te. Aproveita. Mas cuida-te.
(Já te disse que me és precioso?)


02/04/2018

Isto, por acaso, vem um nico a propósito da quaresma

Aquilo era um dia de sol, dos raros que têm sido nos últimos tempos.
À porta do prédio, agarrada ao vidro, vi uma borboleta pequena e pouco bonita. A pobre, como todas, não tinha capacidade para entender a barreira não natural e transparente — para ela, invisível, até — que a separava do sol. Com um papel que encontrei na mala, procurei arrastá-la até à porta aberta. Pousou na minha manga e, assim, levei-a até ao exterior. Partiu, voando, sem adeus nem obrigada. Também eu não lhe disse adeus, só com o olhar, o que não conta, e fiquei a tautear 'How to save a life'. Não tem nada a ver, didn't go wrong, didn't lose a friend, mas lembro-me sempre.
~
O homem tinha dito que, quando a gata emprenhasse, a doutora ia mandar tirar
Naquele dia, agarrei-a mais uma vez, como minha que não é, mas assim a sinto, quanto mais não seja só por um bocadinho. Chega-me essa migalha, e sabe-me por um pão inteiro. 
Disse a senhora que ela já está à espera
A doutora vai deixar ter?, era eu, sem acreditar que o homem confirmasse.
Ai, não vai, não, vai mandar tirar.
Ai, não vai, não, isso pensas tu. 
Telefonema para a doutora,
Desculpe, sinto-me uma pet lover ridícula, mas alguém é capaz de fazer semelhante crueldade àquela gatinha?
Pois que não, que fique descansada, é claro que não, ai, não vai, não, não vai mandar tirar.
How to save some lives.
~
Devia deixar de comer carne. Isto é uma hipocrisia como outra qualquer.
Mas e o que eu adoro a chuleta do boi, a perna do borrego, o leitão assado, as plumas do porco preto, o frangote no churrasco? Oh pá, preciso de ajuda! Algum Carnívoros Anónimos?