Fiz o que fiz sempre, da mesma forma suave e macia: tirei o passarinho da gaiola, após várias fugas de grade em grade, com a intenção de lhe cortar as unhas. Nos bicos de lacre, as garras compridas podem significar a morte, pois fazem com que fiquem presos no poleiro, numa grade, no comedouro, às vezes durante a noite, e, incapazes de se libertarem, ali ficam até morrerem. Segurei-a — era a fêmea — cuidadosamente, e ela fez o que fez sempre: primeiro debateu-se ligeiramente, depois deixou-se ficar, à espera que a minha manobra terminasse. Cortei uma unha, senti-lhe a tranquilidade no pequeníssimo corpinho, e foi quando cortei a da outra pata que lhe veio a morte, muda e queda na palma da minha mão. Fui eu que a matei, e isso mata-me também a mim. Tirei-lhe a vida num lapso de décimo de segundo em que a terei apertado um pouco demais.
Não me perdoo agora ter-me conformado imediatamente com a morte dela. Não tentei sequer uma massagem cardíaca, simplesmente pousei-a, em prantos inúteis, em cima da bancada da cozinha. Sou dada a momentos em que não podia ser mais estúpida, e é esse irremediável que me torna assim, conformada.
Recebi palavras de conforto e um abraço precisado, e depois saí sozinha de casa, com ela metida numa caixa bonita, que me deu a Maria, minha grande criança sensível, sensibilizada. Corri o bairro em busca de um local bonito e sossegado, onde fosse pouco provável a passagem de cães. Mas apenas encontrei árvores feias, as mesmas que se põem lindas nesta Primavera que tarda, e zonas escuras. Chovia para lá de mim, quando abri um buraco fora do céu e a entreguei à Terra, depositando-a na terra, numa paz de dar dó.