25/05/2023

Os meus tops tiveram um bebé!

Não sei se se lembram de, há uns anos muito largos e compridos, os meus sutiãs terem tido um bebé. Sei que não se lembram, ingratos. Mas eu lembro-me, não só pelo milagre da multiplicação que isso significou, como também por nunca ter conseguido explicar-me semelhante fenómeno. 

Pois, repetiu-se. 

Isto é “muito eu”: quando compro básicos, até posso comprar também verde ou vermelho, mas o preto e o branco é certinho que me acompanham até ao lar. (Posso ter sido zebra noutra encarnação.) Vai daí, há uns anos — não sei agora quantos, e fazer contas parece-me que não quero —, comprei dois tops, um branco e um preto, tamanho M. Uma das crianças passava os dias e as horas a pedir-mos emprestados, pelo que lá fui à loja no intuito de carregar com mais dois, desta feita tamanho S. Recentemente, tipo ontem, apercebi-me de que tinha os dois tops brancos na minha gaveta, pensei “Ah, ela fala tanto…”, procurei a etiqueta para entregar à petiz o dela e… eram os dois M. Fui encontrar o S dela na corda, portanto não me enganei quando lhos adquiri.

Quero explicar isto e não encontro meio. Nunca consegui fazê-lo em relação aos sutiãs. 

A ver se tal magia se dá com os biquínis, é o dás! Pago-os todos a sangrar, a suar e a lacrimejar…


21/05/2023

Vida

Aparece-me, tenho a impressão, cada vez mais magra, os olhos a saltarem das órbitas, a pele da cara caveira adentro, as veias do pescoço dilatadas, toda a musculatura em sentido, cigarros seguidos, um ciclone de gente:

- Tens uma moeda? Estou esganada de fome.

Não sei bem o que significará o verbo para aquele pardalito, mas parece-me demasiado urgente resolver-lhe a questão. Sei que deixei quase todas as moedas que tinha na farmácia — eu, que ando sempre sem dinheiro, tinha um jackpot oferecido por uma máquina de um parque de estacionamento só porque lhe meti lá uma nota —, mas sabe-se lá. Vasculho no porta-moedas e angario, ao todo, noventa cêntimos. Dou-lhos para a mão, peço-lhe que veja na máquina dispensadora se dá para duas bolachinhas — que é, como se sabe, uma faustosa refeição para um passarinho. Mais tarde encontro-a à porta da aula de dança, “Então, deu para as bolachas?”, que não, tudo caríssimo, deu para a minúscula garrafa de água. A inexistente barriga deixar-se-ia enganar por cento e poucos mililitros do líquido fonte de vida. O desapontamento cresceu-me até ao desespero, quando a música tomou conta dos meus sentidos e transportei a preocupação para aquela outra, de não me enganar na coreografia. No meio dos giros, vi uma coisa redonda e dourada no chão. Apanhei-a, era uma medalha que me parecia a inicial C, precisamente a dela. Perguntei-lhe: “É tua?”, ela negou e então reparei que era uma Nossa Senhora com o Menino ao colo.



11/05/2023

Dia da Mãe atípico

Tinha exactamente uma manhã, que podia ter sido inteira, para fazer a mala para uma semana fora, duas sopas e uma aula de dança. Simplesmente, dormi até às 11:00 horas, foi levantar, fazer a cama, decidir a balda às latinas, tomar banho, vestir-me, fazer as duas sopas (uma delas de tomate, para uma menina encaracolada e ruiva, amizade de uma das minhas, que lhe chegam lágrimas aos olhos cada vez que vê a caixa da sopa cheia e a quem eu chamo “cravinho vermelho”), e, de repente, eram 12:30 e tínhamos mesa marcada no paraíso às 13:30, a dez minutos de casa mais horas para estacionar. Decidi então maquilhar-me, já bem basta encher a mesa de adultos e toda a gente pensar que eu sou velhíssima por isso, há que disfarçar os sinais mais óbvios. Nesta altura do campeonato, já estava conformada com a inevitabilidade de só fazer a mala após o almoço. Ficámos numa esplanada que era o jardim da casa-restaurante, de modo que almocei um polvo à lagareiro com batatas fritas (as batatas cozidas e também um pouco as assadas fazem-me vómitos, desculpem o grafismo da imagem) rodeada de árvores e de flores: todas as quatro que pus no mundo.
Comecei a fazer a bendita mala às 16:00 horas e ainda não eram 17:00 quando acabei, com cosmética, sapatos e as mil merdinhas que nos vêm à cabeça e depois à mão para carregar. Parece que vamos para uma ilha deserta onde não há gel de banho. De qualquer modo, nunca fiz a mala tão depressa, o que veio a trazer-me algumas surpresas à chegada:
- Trouxe mais vestidos e biquínis do que os dias que vou estar. É para poder escolher. Mas podia ter carregado nos floridos e nos pretos, para as noites do hotel, só que não: os que trouxe permitir-me-iam a entrada num escritório em Wall Street sem dúvidas se seria ou não uma bombista;
- Trouxe duas saias e uns calções e apenas uma blusa, ainda por cima de cetim. Lá vou ter que comprar uma t-shirt, pelo menos. Que aborrecimento;
- Trouxe pastas de dentes em número suficiente para dois meses;
- Não trouxe as minhas sombras de olhos. Mesmo que queira pôr-me misteriosa, não posso;
- Trouxe todos os pares de meias de desporto que tenho, “para as caminhadas”, sendo que só vou estar em ambiente de cidade/ museus um dia e meio;
- Não trouxe o meu tratamento para o cabelo crescer mais depressa, no qual acredito piamente, quanto mais não seja porque praticamente hipotequei a minha casa para o obter. Agora o meu cabelo está uma semana a crescer ao ritmo normal, o que me causa grande transtorno porque há-de chegar ao Natal com menos 2,5 milímetros do que poderia chegar. 
O importante, efectivamente, é não me esquecer de levar ímanes para o frigorífico de cada aldeia por onde passar.


10/05/2023

Baixa sempre as expectativas

Nos últimos três eventos para os quais fui convidada, tive a oportunidade de fazer uma regra de três, simples. Não uma regra de três simples, reparai na vírgula, se não for muito incómodo: aos dois primeiros, ia com pouca confiança de que iria ser divertido e foi muitíssimo, a mim também me basta que me forneçam um quadrado para dar os dois pezinhos de dança e já acho tudo uma maravilha. Ao terceiro, considerei que estava no papo, ia conhecer gente nova, amigos de uma amiga recente e foi de cortar os pulsos. (Aos restantes convivas, não a mim.) A aniversariante destinou os lugares, pôs-nos — a cônjuge e a mim — em frente dos senhorios dela e a filha de ambos — garota para os seus quarenta e dois, ouvi várias vezes, vestida como se tivesse vinte e aborrecida como se tivesse dez — ao meu lado, mas que logo trocou para o lado da mãe, que odeia. O senhor que serviu a nossa mesa comunicou-me que tinha acabado o piri-piri e eu fiz um ar desoladíssimo, quando já percebera que tal picante, em cima de tanto fel, seria talvez a gota de água para eu fazer-me uma vontade antiga e sair dali a rebolar até às areias sujas da espécie de praia em frente. Cônjuge entabulou um diálogo com o senhorio, que parecia um daqueles inspectores das séries da Netflix, mas mais pequenino e com um fato em três peças, cujo coletinho não lhe serve há cerca de doze anos. O homem podia ser mudo, pois — felizmente, nunca assisti — cônjuge teria mais sucesso num diálogo com a parede mestra do lar do que com o inspectorzinho. Já aqui a desgraçadinha, calhou-lhe à frente a senhoria, mulher amarga que passou metade do tempo a dizer mal da filha por subentendidos, indirectas e más metáforas que não entendi e a outra metade em autoelogio, sem me fazer qualquer pergunta sobre a minha persona. Nunca tinha conhecido uma personagem que, simultaneamente, começava todas as frases por “eu”, tinha falhas de memória aleatórias, ora no início, ora a meio, ora no fim da frase (em que me via obrigada a encontrar a palavra em falta e, modéstia à parte, lhe embelezava grandemente as frases) e a estalar saliva seca, tudo a um tempo. Ainda assim, o bâton manteve-se impecável até ao fim da minha paciência, mesmo com recurso ao guardanapo. Devia ser tatuado.
Quando ela se levantou para ir fumar e me disse: “Não a maço mais com as minhas secas” (Aleluia, irmãos, alguém com um pouco de noção!?), pensei: “Pois não”, dei um abracinho à dona da festa e sumi dali antes que o cigarro da carraça acabasse.

04/05/2023

Só mudam as moscas

(Hah, achavam que a pessoa humana, por uma vez, ia falar sobre política? Também serve, é lerem este texto como uma metáfora. Não sei como, mas deve dar.)

Meu recém-nascido cabelo tem vindo a medrar, mas, como encaracola, vejo-me na contingência de o prender à frente com molas pequeninas, aquelas a que os brasileiros chamam piranhas, mas, como são mesmo de tamanho mínimo, eu chamo-lhes moscas. Ando com a cabeça cheia de moscas, ao todo cinco, mais dois ganchos, quando não três. Caso contrário, ficaria a filha da Lara Li com a Simone de Oliveira, que é como durmo. (Ninguém dá o devido valor aos homens.)

Outro dia perdi uma das minhas moscas, procurei por todo o lado e nada dela, “Olha, bateu asas e voou”, como o meu coração ateu. Substituí-a por uma de reserva e não pensei mais nisso. Hoje vesti uma blusa preta, rendada, com meia gola que me custa a passar na mona como um parto natural em que eu sou o nascituro, e vejo uma das moscas presa perto do ombro. Achando eu que era uma das que tinha acabado de pôr, procurei na cabeça, no meio do enxame, e estavam as cinco, todas tortas derivados à violência do parto, mas eram cinco. Ou seja, a mosca perdida agarrou-se com unhas e dentes à minha blusa, que foi à máquina, foi estendida, recolhida e dobrada (não necessita de ferro) sem que aquela que me serve há anos nas lides a tenha visto. Fala bastante, e isso impede-a de prestar atenção a minudências. Eu, por mim, limitei-me a mudar o nome de mosca para carraça às minhas molas.