21/05/2023

Vida

Aparece-me, tenho a impressão, cada vez mais magra, os olhos a saltarem das órbitas, a pele da cara caveira adentro, as veias do pescoço dilatadas, toda a musculatura em sentido, cigarros seguidos, um ciclone de gente:

- Tens uma moeda? Estou esganada de fome.

Não sei bem o que significará o verbo para aquele pardalito, mas parece-me demasiado urgente resolver-lhe a questão. Sei que deixei quase todas as moedas que tinha na farmácia — eu, que ando sempre sem dinheiro, tinha um jackpot oferecido por uma máquina de um parque de estacionamento só porque lhe meti lá uma nota —, mas sabe-se lá. Vasculho no porta-moedas e angario, ao todo, noventa cêntimos. Dou-lhos para a mão, peço-lhe que veja na máquina dispensadora se dá para duas bolachinhas — que é, como se sabe, uma faustosa refeição para um passarinho. Mais tarde encontro-a à porta da aula de dança, “Então, deu para as bolachas?”, que não, tudo caríssimo, deu para a minúscula garrafa de água. A inexistente barriga deixar-se-ia enganar por cento e poucos mililitros do líquido fonte de vida. O desapontamento cresceu-me até ao desespero, quando a música tomou conta dos meus sentidos e transportei a preocupação para aquela outra, de não me enganar na coreografia. No meio dos giros, vi uma coisa redonda e dourada no chão. Apanhei-a, era uma medalha que me parecia a inicial C, precisamente a dela. Perguntei-lhe: “É tua?”, ela negou e então reparei que era uma Nossa Senhora com o Menino ao colo.