Abraça-me sempre, dá-me dois beijinhos e pergunta “Querida, como é que estás?”, mesmo que haja ali um grupo de pessoas, só me cumprimenta a mim, porque eu sou a que esteve doente e sabe-se lá o dia de amanhã, mas sinto que as pessoas gostam mesmo de mim, algumas passaram a gostar, outras sei lá, noto uma benevolência, uma distribuição de sorrisos, uma graça em tudo o que digo, ou então uma verdade inegável, tudo a achar-me giríssima, pareces uma actriz francesa dos anos sessenta, eu mentalmente “Mas qual?”, também sorrio, pareço mas é eu com seis anos, mudando o que há a mudar, então ela toca-me no cabelo e eu sinto-me invadida como durante as gravidezes e alguém sem ser o pai me tocava na barriga, larga o que me pertence só a mim, não profanes o que me é tão caro, ela fica de olhos abertos, pondera uns segundos enquanto observa o meu cabelo, eu balbucio qualquer coisa como “Está impregnado de espuma, a ver se fica quieto no mesmo lugar”, depois diz, sem convicção alguma “Eu gosto…”, e afasta-se a sacudir o dela, amarelo e empalhado, antes o meu, castanho e curto, antes o meu, nunca invejei a barriga das outras, nem mesmo quando perdi o filho que havia de ser o terceiro.
Prefiro a louca loura, toda kitada, até a cor dos olhos é falsa, mas ela é toda verdadeira. Figura pública, podia ser só peneiras, apanhou-me em cheio um dia em que me senti mal na dança, encheu-me a cara de beijos, perguntou: “Já compraste a cabeleira?”, “Sim, e é linda”, a mim só me faltava o ranho e a baba do desconsolo, mas ela sem desarmar, “Compraste loura?”, até me fez rir, a destravada. Eu gosto de doidos, não sei porquê. Hoje viu-me a lavar as mãos, agarrou-me um braço e disse: “Estás boa, querida? Ena, já com tanto cabelinho!”, e demos uma boa turra. Nunca ninguém me tinha cumprimentado com uma turra, mas garanto que soube melhor do que qualquer abraço. Os doidos têm um coração maior do que os certos das ideias.