27/10/2022

A mulher que podia ser minha mãe # 8

Espero-a no hall, aparece desgrenhada e coxeante, cheia de sacos e pequenas coisas que vão caindo enquanto se dirige para a porta, eu vou apanhando, são as chaves, é um saquinho não sei com o quê, é o telemóvel, é um gancho de cabelo — azul claro, a combinar com o casaco de pele curtida —, abre a porta e entra, só depois eu, faz sentido, ela é que a abre, ela é que está manca, ela é mais velha, queixa-se das dores e da maçada que foi ter caído da cama por ter pisado a água que entornara de um copo, os ossos como esferovite, anca desfeita, pulso retorcido, seis horas de cirurgia, meses de fisioterapia, eu ai que para lá caminho, a quimioterapia também me deu de brinde essa condição de que nem se diz o nome, osteo quê?, acha-me belíssima de cabelo curto, até mais nova, fico a saber o truque, quais botox, quais boa alimentação, quais actividade física, quais felicidade, uma tesoura e cá está o elixir da eterna juventude, aproveito e queixo-me das unhas, parecem feitas de mortalha, uma desfaz-se todos os dias mais um bocadinho perigosamente em direcção ao sabugo — a que entalei quando andava na Infantil e nunca mais recuperou do susto de ter sido arrancada por uma porta —, essa e a gémea (até nas unhas se dão fenómenos gemelares), e então ela ilumina-se toda no momento em que lhe dá a epifania com a solução para o meu problema unguinal,

Sabe o que é que é mesmo bom para isso?

[Vai-me recomendar Onglinex em quatro, três…]

Umas gomas que se vendem no Jean-Louis David, em forma de ursinho, que são deliciosas, pena é que custem vinte euros cada caixinha, mas são óptimas.

Exangue.

(Também posso comer uma boa pratada de gelatina. Ou quaisquer gomas, mesmo que tenham a forma de uma píton. O princípio é exactamente o mesmo.)