22/02/2022

Sapatos cor-de-rosa

Apaixonei-me perdida e irremediavelmente por um par de sapatos cor-de-rosa que vi numa página de Instagram de uma blogger muito conhecida. Contactada a mesma, fiquei a saber que o modelo tem dois anos e foi vendido pela Zara. Perdidas quase todas as esperanças de os ter para mim, ainda assim não desisti. Corri primeiro o site da loja, depois fui aos das semelhantes, de seguida fiz uma pesquisa por imagens, utilizei o Google Lens, e nada, à escala global. Encurtando caminho, quando já me preparava para partir para os Ebay e OLX — espaços que detesto frequentar, porque um só me dá resultados nos EUA ou na China e já não tenho propriamente idade nem estofo para ir bater com os costados na alfândega, depois de preencher mil formulários e atestar pela minha honra, comprovando através de documento da encomenda, que aquele mísero rímel é mesmo para mim (been there, done that) e o outro só me apresenta fancaria (sapatos velhos, com chulé, ou fotografados com um pé gordo dentro, na arrecadação, com luz artificial, por verdadeiras fortunas, que ainda me obrigariam a deslocar-me a Fernão Ferro para os ir buscar) —, quando me lembrei da Vinted, aplicação que havia instalado há uma semana e, essa sim, me pareceu, se não excelente, pelo menos um feliz casamento entre o Ebay e o OLX, mas sem alfândega nem Casal de Cambra no bolo. 

Tinha passado parte de sábado em buscas pelos sapatos. Ainda não os amaldiçoava, porque o amor só crescia, com as expectativas de posse a diminuírem. (São factores intimamente relacionados, para quem não saiba.)

Domingo acordei de lua minguante. Durmo mal e pouco, tenho desgosto pela falta de cabelo (sobrancelhas e pestanas, ainda tudo ok, mas fiz nanoblanding, que ainda vou retocar, e mandei vir pestanas especiais para quem não tem nenhuma, já a prevenir. Estas.) Doem-me as pontas dos dedos, as unhas estão roxas e não podem crescer nem um milímetro para além do sabugo porque doem, o meu nariz sangra um niquinho todos os dias, não tenho as esperadas aftas, mas já tive que mudar para uma pasta de dentes sem mentol (para evitar a sensação de boca queimada), os alimentos começam a saber-me, basicamente, todos ao mesmo: químicos. Não tenho vontade de correr, de dançar, de fazer algo mais do que ir e vir do hospital ou dormir, quando consigo. E posso alegrar-me por não enjoar nem ter vómitos. 

Lembrei-me então da Vinted, abri, pus filtros, “mulher” (sempre), “sapatos de salto”, “estado: novos ou muito bom”, “Zara”, “37” (número do meu pé direito, o esquerdo calça 36), “cor-de-rosa”, e foi correr sob a forma de scroll a sete pés, até que se deu o milagre de Natal.

Eu já disposta a dar qualquer preço por eles, e eles novos, à minha espera, por quinze paus. Foi clicar ‘comprar’, pagar, e por pouco não me levantar da cama e sentar-me à porta à espera que chegassem no minuto seguinte. Parece que chegam hoje, daqui a uma hora. Vêm para o lar onde pertencem, sem ter que andar feita estúpida às voltas no Samouco, a gastar combustível, tempo e nervos. Acho que vou buscar um banquinho e colocar-me estrategicamente à porta para os receber nos braços, beijá-los até à indecência e colocá-los logo nos pés. 

O que retiro desta história sem interesse e nem pés (calma…) nem cabeça? Nunca desistas. Mesmo quando tudo parece mais negro e sem saída, mesmo quando somas os teus bocadinhos e todos te parecem demasiado quebrados para os colares e refazer-te inteira, não baixes os braços. Haverá sempre um par de sapatos cor-de-rosa à tua espera.