27/03/2018

Freud, socorro!

E lá estava ela, exibindo a sua pretensa superioridade na matéria, impondo opiniões, desfocando o objectivo, na ânsia de sobressair. E ele, ao lado, adormeceu. Foram escassos três segundos, qualquer coisa de imperceptível, mas foram profundos, alienatórios e reparadores. Quem mos dera. Ao invés, morri-me mais três segundos da minha vida.
Ela não o viu adormecer, pois estava tão concentrada em si mesma que simplesmente era incapaz de olhar à volta.
Pode ser uma fase que passo agora, e que passará um destes dias — ou não —, mas tenho cada vez menos paciência para a soberba, para a vaidade cultural, para a sobranceria intelectual. Sobretudo quando, como é exemplo esta senhora, se engana tanto e tantas vezes seguidas que não é possível justificar verdadeiros erros com lapsos (e não gralhas porque a mulher fala; na verdade, não se cala).
O que mais me intriga é que a própria não se apercebe. Pode estar diante de um grupo de seis, de dez, talvez pudesse enfrentar uma plateia de centenas, que nunca se daria conta do frete que provoca de cada vez que abre a boca para mais uma das suas pequenas — infindáveis — dissertações. Aquilo é quase um dom para a hipnose de grupo. (Estará a treinar?) 
Olho para ela e penso se algum dia ficarei assim, não necessariamente dona da última opinião, pois isso nem me é estrutural, mas assim: convencida que sou um "bom papo", que é um prazer para os outros ouvirem-me (e, se não for, no limite, que me aturem na mesma, porque já defeco se me ouvem por opção ou por mera delicadeza), que sou uma oradora de mão boca cheia. O que sei, para já, é que nunca ninguém adormeceu a ouvir-me falar (faça-se honrosa excepção aos filhos enquanto pequenos, o que era, se não um alívio, pelo menos um momento bom). Já pus gente a ouvir-me com atenção, com (real ou simulada, nunca saberei) admiração, com alegria, com lágrimas, até mesmo com raiva. Já provoquei, através das minhas palavras, as mais diversas reacções nos meus interlocutores. Mas sono, ou adormecimento então, isso nunca. Quer dizer, que eu tenha dado por isso. Ou não terei  já tido momentos em que, também eu, concentro o centro do mundo no meu umbigo e não vejo mais nada?


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