30/11/2016

Estudos antropológicos que basicamente redundam em nada

Das tipas da Calzedonia do Colombo, já eu desisti. Admito que devo ter ar de quem vai comprar a loja toda, assumo que terei um ar irremediavelmente irritante, porque entro, sou mochada por uma multidão delas, que desistem de me massajar assim que percebem que não, não vou sequer levar o raio dos collants que fazem maravilhas, todas menos não se rasgarem. Desisti de tentar perceber o mau humor constante e permanente das colegas do Continente, que, vá lá, acho que me odeiam. Imagine-se que eu entro, digo o que quero, tipo, cor e tamanho, e já levo com a cara de caso/funeral/ovo atravessado de qualquer uma das que lá estão. É aborrecido, sobretudo para elas, tendo em conta que eu possuo o dom e a arte e o engenho e o super-poder e a admirável capacidade de fingir que tô-nem-aí. 
Também gostaria que alguém me explicasse aquelas cinco funcionárias do balcão da entrada do Hospital da Luz. Até são seis, visto que anda uma a cirandar, ali do lado de fora do balcão, que é a que nos aborda. O que é que deseja? [Apetece-me sempre responder a questões deste teor com Um carro, uma casa e um plano poupança-reforma como deve ser. Ou não é por demais evidente o que é que eu desejo deste balcão?], a pessoa explica, e recebe em troca um bem rasgado A colega já a chama, quando chegar a vez da senhora (que é basicamente já, pois não se encontra ali mais nenhuma alma viva), mas sem o sorriso. Depois somos vagamente chamados por uma das cinco, através de um sinal de pestanas — juro que não passa disto —, tão imperceptível, que tanto faz de qual das cinco nos aproximamos: na verdade, nenhuma está a fazer coisa nenhuma, a não ser a praticar a incapacidade para descolar os olhos — cravejados de pestanas postiças — do monitor, que imagino estará ligado ao Tinder, ao Pentágono ou simplesmente bloqueado no Solitário Spider. Repetimos ao que vamos, e ficamos ali, a admirar aquele admirável mundo novo, composto por cinco mulheres, não só todas vestidas de igual modo porque a isso são obrigadas, mas também de unhas iguais, feitas de gel, com quase um centímetro a sair do dedo, em tons que variam entre o bege e o castanho. Afinal, todas usam as tais pestanas, todas pintam o cabelo de negro-negro-negro como o meu destino à noitinha, todas se tornaram incapazes, algures no seu processo de formação, de levantar os olhos para uma pessoa, o que, lá está, é aborrecido, sobretudo para elas, tendo em conta que eu possuo o dom e a arte e o engenho e o super-poder e a admirável capacidade de fingir que tô-nem-aí.


Pela primeira vez em toda a minha existência de já largas décadas e horizontes (agora expandidos!), posso afirmar que li um livro todinho em inglês

Nem uma palavra de português!
Oh, quanta gnose para a qual me encaminho, a largas e firmes passadas, como quem alcança o abismo bom (!?)...

Temo-me. Temo tanta erudição.

CATS vs HUMAN
ANOTHER DOSE OF CATNIP
YASMINE SUROVEC
Chiu.

29/11/2016

Momentinho louro # 3

Eu passo a explicar: conheço as velas da Rituals* por ter uma em casa, da qual gosto tanto que só acendi uma vez, subitamente no ido Verão passado, que, conforme certamente estais lembrados, foi l'été meurtrier (gostei tanto desse filme, c'a Adjani), metereologicamente falando. Receosa de asfixiar a boa da vela e a boa da pessoa, assoprei-a quase de imediato, donde ela jaz até hoje de pavio curto e negro aqui à minha beira, como diria a minha avó. 
Também conheço umas outras que a Rituals oferta quando a pessoa enterra lá os seus erros, a sua fortuna, e não só o seu amor ardente porque as velas vêm apagadas. São iguais às que se vendem, mas em ponto muito pequenino, assim como que vistas do espaço.
Sucede que lá me fui desgastar para o stand da marca. E a funcionária, queridíssima, quis agraciar-me com um brinquedo que parecia mesmo uma vela daquelas, mas em ponto ainda mais pequenino, digamos que microscópica. Explicou-me que era uma gracinha, que se liga à lanterna do telemóvel e dá luz. Gemi-me logo que, só filhas, tenho cerca de três, e ela, queridézima, deu-me quatro luzinhas. Isto, apesar de eu não ter lanterna no meu telemóvel, que chico-smart é um rapaz sério e não alinha nessas mariquices. 
Dei uma a uma delas, que intentou, sem delongas (nem maiores explicações e zero dificuldades — não entendo estes miúdos de hoje em dia) colocá-la no aparelho dela. E foi aí que me desgracei duas vezes.
- Olha, a velinha dá cheiro?
- Não... só a plástico, a luz é uma lâmpada.
[Primeira]
- Ah... e não sobreaquece o telemóvel?
- Mas tu achas que é uma vela a sério, com fogo?
[Segunda]
- ...
- ...
- Ai, não é?
- ... não...

 


* Não sei por que é que NMPPI

stay

Não somos nós que não os deixamos ir. São eles que não nos deixam ficar.
Cada um que se nos vai, leva um bocado de nós — verdade como punhos, cerrados e dolorosos, de murros desferidos no coração.
Chega também um dia em que, todos juntos, já levaram a nossa maior parte. E depois o todo. 
A falta que nos fazem, fazendo-a fazer-se maior cada vez que a sentimos, é maior a cada falta.
Muitas são as vezes em que me lembro de um momento específico da minha vida: grávida de seis ou quase sete meses, chorando inconsolada por um motivo fútil que me desconsolara, vi surgir o meu pai com um chocolate na mão, os olhos enormes cintilando, para me tirar de um desgosto sem jeito, como se eu fosse a mesma de sempre. Morreu-me quatro dias depois, eu deixei de ser a mesma de sempre e foi isto que guardei.

28/11/2016

Tem-me acontecido

muito e muitas vezes, abrir um campo de mensagem nova para escrever alguma coisa, e das minhas mãos não sair nada, por a cabeça estar demasiado cheia. Depois fecho, ou elimino. Também tenho enchido a pasta de rascunhos, ultimamente.
É que eu queria falar do orgulho e da alegria imensa que vivi já há mais de uma semana — e, por isso, há mais de uma semana que dura o meu mutismo e a minha manietação —, mas não posso, pois isso iria trazer à luz a minha identidade (o que, verdadeiramente, não me preocupa lá grande coisa), mas, pior do que tudo, iria identificar uma das minhas florinhas, que eu quero preservar de eventuais dissabores que a existência do meu blog lhe possa trazer. 
Mas sabe, minha tão querida primeira boneca, que tens em mim a tua maior fã, e ó: eu também fui fada dos dentes, também eu te pus o bicho. Ainda sei com absoluto rigor onde é que se deu este diálogo, aos teus cinco anos recém-feitos:
- Ó mãe, como é que se lê?
- Junta B com A e terás BA. 
Estávamos debaixo de uma árvore, na nossa rua, e tínhamos as mãos dadas. 
Depois disso, aprendeste sozinha — honra te seja feita (mais essa) — os nomes das letras, juntaste-as às duas e duas, depois às cinco ou às sete, conforme o tamanho das palavras, e estavas irremediavelmente mordida pelo bichinho da leitura. 
Agora calo-me e já não digo mais nada, senão ainda estrago a maquilhagem.



27/11/2016

Acho que vou montar uma escola

Por contingências cá das minhas sete vidas, vi-me na situação de visitar casas na óptica da arrendatária. Logo à primeira, saiu-me na rifa um mediador que é o exemplo paradigma de tudo o que não se deve fazer quando se vai mostrar uma casa a uma chata como eu. 
Tenho alguma pena que não sejam dadas lições de etiqueta e boas maneiras a este povo da mediação, seja lá do que for. Nem quero imaginar o gesto e modo de mediadores matrimoniais, os novos mediadores familiares. 
Estávamos um homem, uma mulher (a pessoa humana) e uma jovem adolescente. O homenzinho chegou (1) magistralmente atrasado um quarto de hora, (2) sem se desculpar ou justificar, (3) estendeu bacalhau à criança, o homem ia estender-lhe a mão, vai o homenzinho e (4) recusa, com um "desculpe", de quem diz "primeiro as senhoras" [but wait, e a miúda? Foi primeiro que eu porquê? O coiso opera por ordem crescente de idades?] e, com um gesto rápido, (5) esticou a manita na minha direcção, (6) tendo-me oferecido só mesmo as pontinhas dos dedos. Deu-se que a casa era um 4.º andar sem elevador, e começámos os quatro a subir os oito lances. Deu-se ainda que eu estava de saias e (7) o homenzinho deixou-se ficar para último. Como eu não ia imediatamente na dianteira dele, ainda aguentei a cena até ao segundo andar, mas, lá chegada, e por ter sido ultrapassada e ter ficado mesmo à frente dele, decidi parar e disse-lhe que subisse à minha frente. Ele que não, que não tinha pressa (8) [a chamar-me cansada, velha e desgastada], que eu subisse à frente. Eu que a regra dita que os homens sobem à frente das senhoras, (9) mas o cavalo não percebeu. Deu-se ainda que cheguei ao 4.º andar incapaz de não lhe ferrar com um salto dos meus no joelho, que também ninguém o mandou ir quase colado a mim escadas acima. Até por questões de segurança. 
É claro que não quis a casa. 

[Os números de (1) a (9) são as falhas que o homenzinho cometeu. Nem que a casa fosse um palais e estivesse de borla. Pata que o pôs.]

25/11/2016

Segura a vela com a cabeça

Vocês não sei, mas eu preciso muito dos meus ouvidos para trabalhar. 
Já para o resto, nem tanto, tanto assim que tenho vindo a apurar o dom do ouvido selectivo, uma das muitas características que admirava e amava no meu pai. Confesso que ainda não o desenvolvi a ponto de só ouvir mesmo o que me agrada, dá jeito ou é útil, mas acho que vou no bom caminho. Digo isto, apesar de que outro dia estava no ginásio, atrás de mim formara-se uma concentração de musculados mais PT em profunda algazarra futebolística, que conseguia suplantar, em volume de som, as vozes, as máquinas, a música ambiente e o meu cérebro a fritar numa polme, e um deles largou um fod@-§e tão sonoro, que prontos, lá está: lamentei não ser surda ou, pelo menos, não ter ainda o meu ouvido treinado para seleccionar e eliminar determinados momentos da minha vida. Também não os posso silenciar, em sentido estrito, amandando-lhes com a Camorra.
A verdade é que me fazem falta os ouvidos todos, quer o direito, quer o esquerdo, quer o interno, quer o externo. 
Ora, se há característica que herdei de alguém, é a da fabricação de cera, que eu palavra que já estive para me fazer de oferecida para uma fábrica de velas. No entanto, e uma vez reconhecida a necessidade do sentido da audição, para o bem e para o mal, há que manter os ouvidos limpos. Só que os métodos de limpeza do ouvido são chatos e nem sempre eficazes. Há pouco tomei conhecimento de um, assaz peculiar, todavia amplamente eficaz, e isto sei-o porque já o experimentei na primeira pessoa do singular: o da vela que se enterra orelhas adentro, se acende com um fósforo e depois cada um faz o que quer. (Canta os parabéns à pessoa que tem a vela a arder na tola, simula o som da explosão de uma bomba, vai buscar a taça das pipocas, convencendo o desgraçado que a dele fritou mesmo, etecetera.)
Mas a sério: isto 

é o método mais infalível e poderoso de limpeza do ouvido, é absolutamente seguro e higiénico, compra-se no Celeiro* e custa para aí 7 euros. Cada caixa traz duas velas, para o caso de terem duas orelhas. 

* NMPPI


24/11/2016

Já sei que, se calhar, sou só eu

Estas anormalidades são muito ao meu estilo, e, até certo ponto, caracterizam-me. Espero mesmo que só eu tenha este tipo de transtorno, a bem da Humanidade em geral e das pessoas humanas em particular: quando estou a passar os alimentos da travessa, do tacho, da frigideira, da wok (que não tenho, mas já se percebeu a ideia) para as caixas de refrigeração (hã? O esforço para não dizer tupperwares*?), fico feliz, contente e realizada se acerto à primeira e à justa no tamanho da caixa — se ela tem, não só o tamanho exacto para a quantidade de alimento com que a enchi, como também fica cheia até acima.
(Tenho, aliás, diversos transtornos associados com as ditas caixinhas, de entre os quais ser capaz de perseguir até ao Inferno dantesco quem me leve uma emprestada e não ma devolva; também sofro de suores de todas as cores de cada vez que passo num stand daquela marca de que não vou repetir o nome e não paro e não contemplo e não compro.) 
E depois, não (suficientemente) contente com essa enorme vitória, costumo ter um daqueles pensamentos supersticiosos de adivinhação pura, provindos de uma base científica igual a nada, mas, ainda assim, epistemológica: "Ah, isto é porque me vai correr bem [uma cena qualquer]..."

* NMPPI


paralisado

Não sei se passei por eles, ou eles por mim. Também posso tê-los sonhado, quase irreais me pareceram. 
Ele estava sentado na cadeira de rodas, encostada à parede, e ela estava em pé, as pernas entrelaçadas nas dele, as ancas comprimidas contra o corpo dele, numa kizomba improvisada por urgente. Tinham um beijo de língua a desenhar-se na linguagem do silêncio só de olhos e brilho entre eles. 
Nem um nem outro correspondiam a protótipos de beleza, e eram tão belos, tão precisamente harmoniosos: ambos de fartas carnes, ambos jovens, ambos negros. Nestes três ambos se formava a imagem de um casal, se não muito apaixonado, pelo menos paralisado por muita tesão. 

23/11/2016

Devo andar a abusar da dança

Estava na fila de pagamento, a acompanhar uma menina, tinha acabado eu própria de pagar uns trapos, numa loja dessas de grande fama e péssima qualidade (mas há em mim uma auto-mutiladora-compradora-obsessiva-compulsiva-arrependida-antes-da-consumação-do-consumo), quando se colocou atrás de mim um homenzinho, talvez achando que era eu quem ia ser atendida a seguir (apesar de ter um saco da loja na mão, mas imagino que ele não terá reparado). Dei um passo para o lado esquerdo, exprimindo, através do meu linguajar corporal, que estava fora da fila. Mas ele acompanhou-me e pôs-se atrás de mim de novo. Dei então um passo para a direita, na direcção do local anterior. E ele deu também, mantendo-se atrás de mim. Pratiquei um nico de passo-toca, ou step-touch (só me faltaram mesmo as palminhas), e foi quando ele, incapaz de me acompanhar o ritmo alucinogéno, perguntou:
- Está na fila?
(Devia ter dito, "Estou, mas aflitinha".)
- Não, por isso tenho tentado demarcar uma posição que o denuncie.
- Ah. Pensei que estivesse a brincar comigo.
(A brincar. Eu.)


Enchi-me de coragem

e bati os meus recordes de idas a um cabeleireiro no mesmo dia: fui a dois.
(Isto, se quiser esquecer uma outra, que devia ficar enterrada nos anais da História, ou melhor, da história da minha vida.)
Já não sei por que é que vim cá contar isto.
Não importa.
Os dois cabeleireiros distam para aí uns cinquenta metros um do outro. Mas têm entre si duas ambiências totalmente distintas.
No primeiro, tagarelavam as tias todas, vários decibéis acima do som dos secadores.
(Serei a única pessoa que tem uma espécie de brain freeze quando todos os secadores se calam ao mesmo tempo? Nunca estou preparada e fico um nico desorientada, porque tenho o ouvido e os mióis habituados àquilo e, de repente, já não tenho.)
Cirandava por ali uma criança belíssima, que atendia por Leonor ao chamamento da avó, a quem tinha ido acompanhar.
(Acho um chique, acompanhar a avó ao cabeleireiro. Estou desejando ter netas.) (Já não vou a tempo de acompanhar nenhuma das minhas avós.)
(Deve ser por não as ter que me sinto tão desenquadrada nestes ambientes.)

Depois fui ao outro, tratar das garras. Ali grita-se, o rádio pode dar kizomba e as cabeleireiras acompanham entoando as melodias, é toda uma outra dimensão.
Entram mãe e duas filhas, Carina e Miriam. A mãe pede para cortar a franja às três. As duas crianças discutem quem corta primeiro, correm, pulam e guincham "Sou eu!". A mãe decide que corta a mais nova e, com isto, começa diante dos meus olhos a cena mais épica de birra à qual algum dia assisti. A mais velha cegou de raiva, pontapeou a parede, fez cair não sei quantas coisas, bateu com os pés no chão e as mãos, de punhos cerrados, em tudo o que apanhou, chorou aos gritos até se desfigurar, e a mãe impávida — porque há-de ser profeta daquela religião que diz "Se ignorares, aquilo passa-lhe". Não, não passa, assim como não passou. Passou-se foi a apologista da teoria bacoca, que lhe deu três ou quatro palmadas nas calças. E ela redobrou os berros. O pai entrou para saber o que é que se estava a passar e, diante do cenário, saiu ainda mais depressa. A mãe, a entrar em desespero, decidiu que a miúda já não cortava a franja. E ela retriplicou os berros. Saíram os quatro, a criança fez menção de fugir para a estrada, o pai agarrou-a pelo rabo-de-cavalo, ela caiu, requadruplicou a guinchadeira e ainda levou mais quatro palmadas. Aquilo já eram urros na minha cabeça. O que vale é que tinha as manitas metidas no forno, porque já só me apetecia bater na família toda, mais nova — que era uma paz de alma e saiu do cabeleireiro com uma franja ridiculamente curta e aos ziguezagues — incluída. Aquela cena de violência que gera violência, ou lá o que é.
(Violência doméstica é o que pratica aquela ditadorazinha para com os incompetentes que lhe saíram na rifa como pais.)
(Também não é neste tipo de ambiente que me sinto enquadrada.)

Vou continuar a procurar 
O meu mundo
O meu lugar
Porque até aqui eu só: 
Estou bem aonde eu não estou 
Porque eu só quero ir 
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem 
Aonde eu não estou

Preciso mas é de um cabeleireiro de bons e alegres mariconsos, que me tratem benérrimo, me digam que estou xtupendaça!, sblime!, xtrórdinária!, xpétacular!, um xô!, nos dias em que estou com uma mula do caneco, mas que superem com estilo e distinção as minhas piadas, o meu calão e as minhas metáforas e alegorias. Sem que me sinta uma doce parola num lado, nem uma amarga fascizóide no outro.

22/11/2016

Eu tenho problemas com tudo # 18

Uma pessoa tem o esquentador a jogar às escondidas com a água quente a meio de um banho e chama o técnico da Galp, cujo número de assistência consta de um autocolante aposto na porta que tapa o esquentador. A telefonista avisa, com uma voz muito metálica, que são € 35,00 para a deslocação, mais € 15,00 por cada hora ou fracção. Vá que isto se passa numa sexta-feira, a horas em que já não é possível o técnico ir a casa, solta-se-me a pergunta "Então e amanhã?", que sofre a resposta "Amanhã são € 35,00 pela deslocação, mais € 30,00 por cada hora ou fracção", pelo que, após desabafo "Prefiro tomar banho de água fria um fim-de-semana inteiro do que pagar esses balúrdios", ficámos acertadas para o dia útil seguinte.
(Directo para a categoria só-a-mim-não-me-saem-empregos-destes.)
O técnico entrou com três malas de ferramentas nas mãos, pousou-as no chão da cozinha e perguntou-me qual o mal de que padecia o meu esquentador. Olhou-o, mirou-o, abriu a torneira do lava-loiças no máximo, mandou-me abrir a da banheira, fez um telefonema e, quando desligou, diagnosticou: "O esquentador da senhora não tem nada."
Ah, está bem.
"Vou apenas cobrar-lhe a deslocação e esta meia-hora [!? da fâc...?] de trabalho [!? duplo da fâc...?]. São 50 euros."
Olha o pinante. 
Abro a torneira do lava-loiças de novo, a minha cozinha transforma-se num banho turco, Alcácer Quibir, mas ainda vislumbro a luz vermelha do esquentador, mostro-lha, o homem pára de "redigir o relatório" e foge porta fora, anunciando que vai lá abaixo. 
(Imagino que para perguntar a um profissional afinal o que raios é um esquentador.)
Já um nico nervosa, ameaço-o: "Olhe, despache-se lá com isso, que eu não lhe vou pagar fracções de hora ao preço de uma hora enquanto não o vejo a fazer nada."
(Também sei ser azeda.)
Reaparece, iluminado, e sentencia: "Ah. É das válvulas."
(Também podia ter dito "Ah. É da centralina". Ou "Ah. É das bielas". Por mim, excelente. Desde que também não metam o bedelho na minha profissão, sou muito respeitadora da dos outros. Têm é que fazer o favor de a exercer.)
"Então", continuou o profissional, "a substituição das peças são 211 euros e tem seis meses de garantia. Se a senhora optar pela substituição do esquentador, nós temos um muito semelhante [que ele, não sei porquê, há-de ter achado que eu queria igualzinho, uma vez que me dei tão bem com este modelito], que lhe fica por 399 euros".
Fiquei tão nervosa que, em vez de fazer a pergunta lógica, "Porquê 399 e não 400?", perguntei: "Mas as peças são velhas ou quê? Seis meses de garantia?". 
Parece-me que me mandaram um comercial a casa, e não um homem a sério, desses que nos desmontam o esquentador, lhe dão três marretadas com um maço, suam as estopinhas para voltar a montá-lo, atendem o telefone à mulher, tratam-na por "ó filha" e dizem que querem feijoada para o almoço, ficam com as mãos, grossíssimas, ainda mais negras de tanto mexer em máquinas, aspiram um bocado de monóxido de carbono para provar em como aquilo "já está", sopram no botão de ignição até assobiar, mostram-nos o cotão e a rolha de gordura que dali sai, e vão-se embora com um "Está para mais vinte anos", ou um "Ele há-de morrer, mas não é hoje", depois de arrumarem as ferramentas, exibindo o início do rabo gordo quando se agacham para o fazer. 
Que saudades do meu Meireles, que tinha cara, voz e ar de bêbado, mas nunca me enganou. 

21/11/2016

No dia em que se completa mais uma década,

acordo a pensar o que é que hei-de fazer à minha vida para hoje: 
1. Deprimo, deixo-me ficar de robe e chinelos, sem tomar banho, despenteada e desmaquilhada, meto-me na cama todo o dia, a comer gordices e a fumar cigarros sem filtro (em tudo semelhantes a mim) e a ver trash tv. [Agora a sério, este programa não me desagrada em absoluto, não tenho é tempo para ele.];
2. Ligo às minhas amigas todas (para aí três), para irmos para a farra e deprimo porque me respondem que a) É segunda-feira; b) Estão cansadas de trabalhar; c) O dia esteve horrível e perderam o gás [hahaha]; d) Eu que tenha juízo;
3. Agarro-me ao blog e deprimo porque não tenho inspiração para escrever um post decente vai para mais de um ano; 
4. Reúno a maior parte dos meus filhos que conseguir e deprimo porque não vou conseguir reunir todos, pela primeira vez na minha vida;
5. Olho-me ao espelho e fico feliz e deprimo porque já fui muito mais nova, mas também muito menos inteira por estar viva, cheia de graça e talvez ainda faça um monte de gente feliz

Decido pela última e única hipótese possível. 

Para vocelências, môres, deixo um quizz só pró caso. É o meu presente. [E o meu passado.]

20/11/2016

Pede um desejo para o dia de amanhã

Quero um dia azul.

A acreditar nestes oráculos onde geralmente tudo falha, só chove de madrugada. Aliás, de acordo com a teoria que defendo há muitos anos, de que desconheço o porquê de ainda não ter sido levada à prática, só devia chover de noite. E nas hortas. 
Um dia azul, já disse?

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 55

Até maldade num simples frasco de picante eu vejo.
fd*§!
tenho
a língua
a arder
Num H3 perto de qualquer um de nós.

19/11/2016

sente


Não me pareceu justo traçar esta foto com marca d'água, para evitar a cópia da outra desgraça que tudo faz seu, mas hoje estou uma cabra egoísta que também quero fazer meu tudo o que é meu, e a verdade é que fui eu que a tirei, com uma câmara que não fale um chavo, mais ou menos ao acaso, a uma hora do dia em que não estava sol nem chovia, só que gostei tanto dela que não a editei, não acrescentei nem tirei nada, a não ser a dita marca. 
Adoro-lhe a cor, a geometria, a folhinha no banco onde deveria estar eu sentada, a outra folhinha à direita, e até a geometria das três beatas acho harmoniosa; adoro-lhe o desalinho absurdo da alinhada calçada portuguesa; adoro-lhe o encontro do cimento do banco com o cimento do chão; adoro-lhe as sombras, e a forma como parece que a do meu corpo ocupa a palavra sente; mas adoro, sobretudo, a mensagem que quem a ali deixou quis deixar: sentar, num banco de jardim. Sentir. 

18/11/2016

Escrever a azul

Preciso de escrever.
Estou no sítio ideal para o fazer, fechada no carro, sozinha, a fazer horas. Tenho o bloco que sempre me acompanha, na esperança de ter um rasgo, o mesmo que me desaparece mal o abro. 
Falta-me uma caneta. Vasculho na mala, e encontro uma, oferecida pelo IPS, de uma das vezes que me fui lá dar. Está sem tinta, de tanto escrever com ela. Ou já terá vindo sangrada, como eu quando de lá saí naquele dia? Encontro também chocolates pequeninos, embrulhados individualmente, que roubei da bombonière do médico, de uma das vezes que me fui lá ficar. Faço-o sempre com um alarido que me retira o dolo ao crime: aviso que vou roubar e então pratico-o. Tenho também pacotes de açúcar, que nunca uso, mas guardo às vezes. Corro o risco de que rebentem na mala, para depois poder amaldiçoar a minha vida. Ali estão ainda listas de compras já feitas, um lenço de papel usado com transparências minhas, um par de meias de desporto, uma pen, dois totós para o cabelo, uma gilete e a caixinha do fio dental. Nada de canetas.
Passo então para o depósito junto à manete das mudanças, onde jaz, ferido de recente morte, o papel de um chocolate que ainda me está entalado na garganta; bilhetes de parquímetro, perco-lhes a conta, porque não os conto; recibos de gasolina, já queimada pelos ares há tanto tempo, que não me lembro em que lugares; três auriculares, um sem fio, dois com fio, um deles de fio rasgado, interrompido, mas que não deitei fora porque sofro de incapacidades várias para o fazer; dois cabos de carregador, um deles sem serventia para os meus telemóveis, talvez tenha servido em tempos para outro que já não uso; um cabo USB, do qual desconheço a razão para viajar constantemente comigo; dois carrinhos, miniaturas do meu; uma caixinha de fio dental, denominador comum dos meus locais de tralha. 
Soterrada, uma caneta, que escreve a azul.
Não escrevi o post.
Sou uma acumuladora. De vidinha. 

And that awkward moment # 17

em que te telefonam da tua operadora de telemóvel uma, duas, três, cinco, perdes-lhes a conta ao número de vezes, e tu não atendes, à uma, porque desconheces o número, à duas porque não te apetece, à três porque estás noutro telefonema, às outras porque tens uma panela ao lume, um alguidar de roupa na lixívia, uma unha para limar,

mas há um dia em que, farta daquela persistência, atendes.

E fala-te uma senhora, que quer apenas confirmar
que tu és tu.
Que és cliente da rede. (Mosca.)

E que te comunica que uma colega dela de outro departamento — do qual não fixas, obviamente, a designação, que tanto pode ser Marketing de Clientes como Clube dos Desocupados — te há-de ligar para te dar a conhecer os novos tarifários 
beca-beca-beca,
te deseja boa tarde e desliga.

E nunca mais ninguém te liga a dar a conhecer porra nenhuma? 
Hã?


17/11/2016

Eu tenho problemas com tudo # 17

Estava há bocadinho a olhar para as sobrancelhas de uma mulher que se me deparou ao caminho, com elas depiladinhas a preceito, não fora aquela outra sombra de penugem logo abaixo, que gritava tira-me daqui!, denunciando que o dito acerto das linhas do sobrolho já fora há tempo a mais e requeria manutenção para anteontem já. 
É quase uma segunda moda, uma moda alternativa, uma moda irreverente: por um lado, temos a sobrancelha depilada ao rigor da linha, porque feita com linha e alinhada numa linha que é um traço com tudo o que existe de matemático e arquitectónico numa sobrancelha; por outro, temos a sobrancelha, como esta que esteve hoje diante das minhas, num passado recente acertada para mais fino, actualmente já com uma segunda sobrancelha, vá que mais tímida, a despontar logo abaixo daquela. Senhoras, não há pinças em casa?
Depois lembrei-me do quão feliz, por uma vez na vida, CR7 me fez: mudou de ideias quanto à estética de seu sobrolho. Se antes não era possível perceber onde é que iam parar de tão fininhas, agora já se podem conhecer para ali uns pêlos pelos cantos das ditas. Aparentemente, desistiu também da pista de aviação entre as duas, o que só ele saberá responder o porquê, mas pode ter sido aquilo da traça borboleta no Euro, ao fazer-lhe ali uma aterragem de emergência que o levou a ter vontade de rearborizar a área. Melhorou bastante a capacidade de penetração do olhar, a meu ver (que uso as minhas quase ao natural, portanto acho que posso falar. E mesmo que não usasse, acho que podia na mesma).



Tão, tá ou não tá munto mai minito?

Maçãs do terror

Se calhar, já não se lembram. Acredito, porque eu própria também já não me queria lembrar. 
Fiz, pela última vez na minha vida, maçãs do amor há dois anos. E considerei seriamente a hipótese de que seria mesmo a última vez. 
A primeira correu mal, a seguinte que remédio senão correr bem, que eram para uma encomenda de uma amiga.
A mesma amiga pediu-me agora que lhe fizesse dezasseis, por conta do 16.º aniversário da filha. (Vá que a criança não faz 35.) Diz que é para me pagar, a lírica. Como se eu fosse dessas.
Estou que não me aguento. Já acordei cansada, só com a ideia. Ainda não eram 9 da madrugada e já tinha sorvido três tutoriais sobre o assunto. Tenho o cérebro frito e passado a calda de açúcar com corante vermelho de tanto ouvir falar sobre o ponto óptimo para passar as maçãs, que eu sei por experiência que só dura uns segundos. (Muitos menos do que os necessários para "forrar" dezasseis maçãs.) E eu tenho que mergulhar dezasseis. Dezasseis, já disse?
Não fiz body pump hoje, mas já tenho mais dois anos em cima do couro. 
Não tenho forças.
Não tenho sequer maçãs em casa.
Só tenho boa vontade e amizade pelas minhas pessoas, e não me parece que isso possa ser suficiente.
Não sei como é que ainda não fui descoberta e proposta para canonização. (É o comprimento da saia, é?) (Preconceituosos.)


16/11/2016

Onde andas tu num dia de semana de Novembro?

Só chatices.
Perto da Berlenga.
Estou em cima do mar, no Dia Nacional do Mar.
Ôuuuuuié!







A vergonha alheia existe, ou é simplesmente vergonha?

Ela anda aí pelas redes sociais, a levar tareia pelas declarações infelizes que proferiu. Merecida tareia, que não há como dar a volta àquele texto, dar o dito por não dito, virar o bico ao prego ou à agulha. Ainda que se esmifre em justificações, de que respondeu a uma pergunta da jornalista, sobre o que diria aos pais de um toxicodependente, e lhe terá saído (em resposta a essa questão, pasme-se) que ter um filho homossexual é como ter um filho toxicodependente, nada parece jogar certo naquela cabeça, nada explica que alguém ainda seja assim, num Mundo globalizado e tendencialmente esclarecido. 
É a mesma pessoa que fez parte das minhas relações pessoais, há uns anos atrás. Nunca fomos amigas de frequentar a casa uma da outra, mas dávamo-nos razoavelmente bem. Ela era uma mulher prática, desempoeirada, tida como simpatizante de esquerda. Um dia, sem que alguém do grupo que ambas integrávamos percebesse, canonizou-se, converteu-se, mistificou-se. Já não é a primeira pessoa que vejo sofrer uma mudança de forma tão radical, como se tivesse visto a luz, ficado hipnotizada e entrasse num transe religioso qual coma social, mergulhasse de cabeça na Igreja Católica, e ficado assim: com duas palas nos olhos e uma mentalidade correspondente à da Europa na Idade Média. Lembro-me que foi, efectivamente, este novo registo dela que nos afastou de vez. O diálogo tornou-se impossível, porque falávamos línguas distintas, a minha impressão dos julgamentos mentais dela causava-me um certo incómodo, as tentativas de evangelização puseram-me a fugir, literalmente, como o Diabo da cruz. Neste momento, penso que muito poucos — como JAS — terão capacidades para(normais) entender aquele tipo de discurso.


15/11/2016

Deixai cair os acentos do assento abaixo

Ora, vamos lá a ver. Isto anda há meses a roer-me as entranhas. Eu sei que sou estranha, passe a aliteração. 
É outra vez a Língua Portuguesa, minha pátria tão amada. Não gosto de a ver maltratada, passe a rima. 
Com as línguas estrangeiras, para mim tanto me faz, como cantavam os outros. Sou quase indiferente a erros, gralhas e enganos no americano, no mexicano, no australiano, no senegalês. Mas, cá na nossa, que quereis? Cada um com a sua mania, e isto já não muda, só piora.

Pretendo ir directa ao assunto, e, quem sabe, resolvê-lo de vez. Então vá:

Cada vez que é usado o sufixo mente e inho ou ito, o acento cai. 

Assim, reparai: 

Extraordinário — Extraordinariamente 
Distraído — Distraidamente
Árvore — Arvorezinha
Café — Cafezinho
Triângulo — Triangulozinho

Pronto. Chega.
E não, mão, cão, pão e etecetera não são excepções, porque, conforme muito bem explica o Ciberdúvidas, o til não é um acento, mas sim um sinal ortográfico. 

A quem queira, por força, acrescentar acentos, pode sempre fazê-lo, por exemplo, nos superlativos. 

Bela — Belíssima
(I know, tks)

É só para avisar que a próxima vez que vir escrito em algum lado uma gralha destas, amuo e nunca mais dou lições deste valor. Também cansa ser assim.


Sou eu

a pessoa que inscreveu o blog num site de estatísticas da auto-análise, da auto-referência, da auto-punição, chamado statcounter, há talvez perto, não sei, mas por aí, quatro anos, que recebe semanalmente um relatório de visitas a zeros, e só hoje é que percebeu ter o URL do coiso errado. 
E não chegou sozinha.


14/11/2016

Enchantée, Mr. Blogger

👶👶 Só hoje é que percebi que agora é possível fazer bonecada nos textos do Blogger.
Posso dar largas à analfabeta criança que me habita. Brlá-brlá-brlá.
Apesar, contudo, todavia, mas, porém, são invisíveis no computa. Só consigo visioná-los em chico-smart. Gosto dele, sempre o mesmo pândego. ☺☺ 



Diálogos à sombra # 25

Estávamos a comer um copo de gelado cada uma. Naquele lugar, podem pedir-se os sabores que se quiser, e o copo é cheio até caber tudo o que nos vai na alma (gorda). Eu pedi limão e gengibre, caramelo e amendoim, tiramisu, dióspiro, pistachio, e reineta e canela. (A palete do de manga só chegou à montra frigorífica quando eu já estava a comer.)
Ela, comedida, com conta, peso (baixinho) e medida (pequena), pediu quatro sabores, tudo sorvetes por ser intolerante à lactose. Mesmo assim, sentiu-se pecar, enquanto eu saboreava os meus seis sabores, que, bem somados, eram nove, lamentava a falta do sétimo (ou décimo) e procurava não conspurcar toda a minha área envolvente. (Tenho uma incapacidade marginal para não sujar tudo à minha volta quando como gelado e a mera presença de um dispensador de guardanapos de papel faz com que rapidamente eu transforme a minha mesa numa aldeia da roupa branca.)

Foto daqui
- Eu merecia engordar. — Disse ela, num sorriso de regozijo.
- Já eu, não... — Respondi eu, contagiada.
Mas, lá está: cada um tem o que merece.

13/11/2016

Lisboa, 5 e meia da tarde

Não recortei, não pus luz, não usei filtro nenhum. Mas, garantidamente, o cenário que vi era muito mais bonito do que qualquer câmara pode captar. Ao fundo, entre prédios, uma lua única, num céu ímpar, como só esta cidade tem.
Esta avenida foi-me berço e depois vida, durante metade da minha. 

A ver se alguém que tenha tirado a 4.ª classe me pode ajudar

Eu fui à loja das roupas de treino comprar umas calças. Na verdade, o que me levou lá, foi o facto de ter perdido uma toalha de treino no ginásio, já que é rara a vez que não deixo lá qualquer coisa, parece aquela coisa do Saint-Exupéry, dos que passam por nós, deixam um pouco de si (embora não me dê conta de trazer um pouco de coisa nenhuma de ninguém, a não ser uma pestilência agarrada às fossas de dar gosto ao Cão). Mas, já agora, comprava também umas calças, por motivos cá meus que agora não me apetece desabafar. 
Entrei, arrebanhei as calças que queria, após troca de argumentos com a funcionária — que entendeu que eu devia variar do preto e lançar-me para o rosa ou o branco (e não foi possível explicar-lhe o que sinto por mulheres vestidas de cor-de-rosa ou de branco no ginásio), arrebanhei depois a toalha, e dois crop tops. Pus tudo em cima do balcão e preparava-me para pagar, quando ela me informou que tinha uma promoção fantástica para me dar a conhecer: 4 vales, de 10% de desconto cada um, pelo preço de € 40,00 [percebe?] — um vale para Novembro, outro para Dezembro, outro para Janeiro e outro para Fevereiro [está a perceber?]. No entanto, se o valor das minhas compras fosse superior a 100 euros, já não teria que pagar os vales, ser-me-iam oferecidos [entende?]. Porém, das minhas quatro peças, três não podiam entrar no cômputo dos 100 euros, porque a toalha era 'acessórios' e os tops eram 'colecção do ano passado' [compreende?]. Ou seja, tinha que somar ao preço das calças artigos em quantidade e valor suficientes para perfazer cem euros, para poder beneficiar daquela fantástica campanha [não sei se me estou a fazer entender...]. 

[Pá, sim, 'tás. Alguém te convenceu que és superiormente esperta. E que eu tenho um O na testa.]

E, por conseguinte, ir lá à loja ainda em Novembro, que já vai a meio, em Dezembro, em Janeiro e em Fevereiro, para gastar aqueles irrecusáveis tesouros em mais não sei quantas peças, as quais não preciso!

(Senhora, eu faço ginástica há séculos, uso aquela marca desde sempre, aquilo dura uma vida, é impensável comprar roupa daquela quatro meses seguidos!)

- É claro que não vou levar os vales, isso não me compensa nada, nem é sequer uma oferta que se faça.


- Espere lá, ainda não lhe disse a parte melhor da caderneta dos vouchers [váuchéres, como elas dizem]. Isto só lhe digo a si, fica um segredo entre nós...
- ...
- ...
- ...?
- ... é que pode partilhá-los com as suas amigas!

Ainda estou para perceber como é que esta pessoa não se ofereceu para me ler a sina. 



Novos amores ♥♥

Azul escuro, embora pareça roxo.
(Eu é que fico roxa de não poder vesti-lo já hoje.)





Até a cor destes lindinhos tem um nome que me agrada assaz [eu sabia que hoje tinha que escrever a palavra assaz em algum lado]: midnight blue.

(Estou quase a fazer anos, só o xitex de me entrapar com estes amores, já me dá vontade de envelhecer mais depressa.)

12/11/2016

Vamos então aplicar-nos na Matemática Aplicada

Também admito que posso ter um grave problema comunicacional.
A mim tentaram fazer-me crer na seguinte lógica matemática numa Calzedonia: 
Ao terceiro par, tem um desconto de 20%.
À pergunta, pertinentíssima, como são quase todas as minhas em sede de compras,
Vinte por cento sobre o total dos três pares?
fui esclarecida que não, que são 20% sobre o terceiro par.
Vá que a resposta me bastou, não fora o facto de a pessoa ter insistido com a seguinte razão:
É quase metade...
Ainda me dei ao trabalho de responder,
Vinte nunca é cinquenta... já agora, 20% de 14,95, não chega a 3 euros, o que significa que o preço final fica em 12 euros. Acha que vale a pena?
Parou-lhe a boneca, o que foi bom para todas.
~
Logo depois, não sei porquê, quis que a minha enorme criança, que tem exactamente a minha altura e peso, trouxesse o número S-M e não o M-L — que é, evidentemente, o número dela, tendo em conta que, da altura total, só em pernas a rapariga tem perto de um metro. 
Diante do meu argumento,
Repare que ela tem quase um metro de perna, o M-L é capaz de ser mais acertado,
a mesma pessoa levantou a blusinha, exibiu a sua própria legging, que envolvia a sua panorâmica anca, e contra-argumentou, talvez fazendo recurso do recurso (passe o pleonasmo) linguístico do eufemismo:
O M-L é para pessoas assim, mais altas.
Atendendo então ao facto de que ela era até uns centímetros mais baixa do que a minha rapariga (e, por maioria de razão, eu), e que já me encontrava agastada e a perder um nico a paciência para tanta lógica da batata, rematei o assunto leggings da seguinte maneira:
Eu não lhe chamaria mais alta...

Cansei de ser boa.

11/11/2016

Estou o dobro

Isto anda há dias a fazer-me espécie: o número de visitas ao meu blog passou, quase de um dia para o outro, para o dobro. Não há como escondê-lo (não, pois não? Ai há? Ups), não há como dizê-lo de uma forma mais simpática. O dobro.
O coiso é modesto, tem três anos, vai para quatro, e andava pelas 400 visitas diárias. Nos dias bons, seja lá o que isso for, chegava às 500, e upa-upa-lá-lá. Aos fins-de-semana, andava pelas 250/300 e já me podia lamber.
Não sei o que foi isto de repente. Não tenho fontes de tráfego novas, não há mais um blog a recomendar este buraco sem fundo, ninguém me linkou o coisinho, nada indica que meu pequeno arroto diário esteja na berra — AHHHHH — (não era para berrar?), para que tenha inchado desta maneira. Se não engordo eu (gaba-te, cesta), engordam os meus númbaros.
Está bem, já sei o que estais a pensar, que até isso eu adivinho: Pffft, 800 visitas diárias. 
Pffft digo eu. Quem diz é quem é.
Mas também acho. Porém, é um aumento para o dobro na mesma, e toca-me.
Não posso dizer que seja uma pessoa muito atenta às fontes, mas é verdade que as espreito algumas vezes. Tantas vezes levei o cântaro, que olhem, agora passo lá a vida, a colar cacos.
Por falar nisso, hoje tive uma frase daquelas que devia registar e fazer um post com ela, mas, em vez disso, venho aqui espetá-la, e depois queixo-me que isto não tem rei nem roque, nem princesa nem fado. Era assim: Às vezes ponho-me a colar as migalhas e, todas juntas, não somam um pão. Isto veio a propósito dos cacos. E não eram desses do nariz.
As estatísticas dizem-me que aumentei para o dobro. Também me dizem que o país que mais me lê é Portugal. E depois, os Estados Unidos. Alô, Donald, lá beijinho à Daisy (a malta cá conhece-a por Margarida). (E sim, esta foi uma piada Disno-política.) Outro dia, no público do dia, o país que mais me tinha lido, tinha sido lá na França, como diria a De Suza, allons enfants, je suis Linda Blue, La Bleue pour vous. Gros bisous.
O dobro. Desconheço se alguém resolveu ler isto tudo desde o primeiro post, e, com isso, incrementa-me o counter (a sério, se for isso, amigo, ele há outras formas de autoflagelação menos dolorosas), ou se alguém tem uma gata teclista como eu tenho, que largou uma unha na tecla F5, e isto agora pinga-pinga e desce — ou, neste caso, sobe — melhor que a pinga. Só sei é que estou a inchar — e não, este texto não é assinado pela Porca.
Pronto, e é isto. Obrigadas pela atenção.
(Mais logo venho cá ver quantas bombei à custa desta posta de pescada meio fedorenta.)

[Post(a) escrit@ na fase do dia pré-cafeína.]


10/11/2016

É preciso tão pouco para me fazer feliz # 3

Moeda de 10 cêntimos com a Vénus de Botticelli
Calhou-me num troco. Guardei-a como a um tesouro. É minha para sempre.

Ballets Trockadero — check!

Sabia que ia ver homens a dançar ballet com tutu, collants, em pontas. Pontas? E eu que pensava que isso era anatomicamente impossível, e que só Nureyev, por qualquer razão — excepção à regra, configuração dos tornozelos e pés diferenciada, treino intensivo — conseguia, eis que se me revela diante dos olhos um corpo inteiro de ballet, exclusivamente constituído por homens, em que todos faziam pontas. 
Homens em pontas, com pêlos nas axilas e no peito, a dançar o Lago dos Cisnes, não é uma palhaçada: apesar dos momentos de humor, das falsas quedas, dos falsos enganos, do non sense de uma bailarina a comer fruta a meio da actuação, homens em pontas, com pêlos nas axilas e no peito, a dançar o Lago dos Cisnes é um assunto muito sério de técnica e profissionalismo, de muitas horas de treino, esforço, sacrifício e dedicação, mas também de uma gigantesca boa disposição e descontracção perante os pré-conceitos, os conceitos e os preconceitos. Não são drag queens, não são travestis, não são transexuais: são homens, com todos os caracteres masculinos à vista [sim, é estranho, mas está lá, indisfarçado, por baixo do tutu], a dançar ballet clássico como [e lá vem a machista de serviço] muitas bailarinas jamais dançarão. Um corpo de excelência, em que a graciosidade fez muito pouca falta, diante de semelhante profusão de talento.
E também, por uma vez, uma plateia  — sala cheia — constituída por menos bailarinos profissionais e alunos de dança, e mais gente que gosta de um bom espectáculo, além de genuinamente bem humorada. Estive em casa durante duas horas e meia.

Se calhar, desta vez encriptei demasiado a mensagem

ou então, não teve piada. Acontece aos melhores.
(Sim, tenho essa noção. Um fardo, crede-me.)

Ora bem, era isto, neste post.

Referia-se a este homem.

Presidente.

América.

Kennedy.

Dallas.

Desculpem. Foi só um rasgo meu, a tentar ser actual e entendida.
Já passou.

09/11/2016

Vamos mas é falar de coisas sérias

Há um dia na tua vida, em que vais a andar na rua com a tua criança pela mão, e começas a senti-la cada vez mais solta, menos dentro da tua, com menos vontade de se manter ali segura. Esse é o dia em que tens um projecto de adolescente em mãos — não nas mãos.

Depois vem o dia em que, em plena loja, pegas num vestido de que gostas para ti, perguntas Não achas giro?, e recebes como resposta, Sim, mas esse não é o meu tamanho.
E o dia em que lhe compras qualquer coisa para vestir, que não serve, que não vai pôr isso, que nem pensar.
E aquele outro em que compras qualquer coisa para ti (oh, heresia!), e que, de repente, Quem vai usar isso sou eu. [Também existe a versão Isso foi demasiado caro.]
É a mesma pessoa que, por incrível que te pareça, tens agora nos álbuns de fotografias e nas molduras lá de casa, rosadinha, sorridente (só sorri, nalguns casos), e fascinada (por ti).
É também aquela que, quase de um dia para o outro, veste a armadura guerreira, se torna um rebelde sem causa, um guerreiro sem pátria, cheia de ideias próprias, únicas, originalíssimas e irrepetíveis (as mesmas que tu tiveste há coisa de trinta anos atrás).
E aquela que faz com que as tuas idiossincrasias emerjam, enormes (quais Monstros de Loch Ness), exactamente o que são: idiotices peculiares.
E também aquela que todos os dias tem uma maleita nova, desde uma dor a uma suspeita, a um sinal, a um sintoma. Só parece nunca ter as mais evidentes, Tu o que tens é uma amigdalite | Ó mãe, lá estás tu a dramatizar.
E a que quer que lhe resolvas os dramas existenciais — tipo uma borbulha — num passe de mágica, mas rejeita toda e qualquer solução que lhe apresentes, nem que seja a mais lógica: É não espremeres.
É a que te prova todos os dias, pondo-te os nervos à prova, que estás errado. Simplesmente, estás. Não tem qualquer justificação para o facto, apesar da argumentação exaustiva que utiliza, porém parte do pressuposto que tu és velho, ultrapassado, desfasado, e isso faz de ti, de primeira, a última criatura do mundo no tempo de um fósforo.
Falas-lhe de como a temperatura subiu e parece que vai chover, e ela responde-te com as eleições na América, a sustentabilidade ou a pegada ecológica.
Acha inacreditáveis as tuas dificuldades informáticas, mas também não tas sabe/quer/pode resolver.

E tu morres de amores por ela. Davas-lhe um rim, um pulmão, um olho, todo o sangue, a medula que ainda te sobra da verticalidade perdida, o coração inteiro — tudo sem pestanejar.
Se isto não é um amor bandido, então não sei o que será.

08/11/2016

Se não fosse esse chibo do cartão de cidadão...

Comprou bilhetes para o evento, conseguiu uma promoção excelente, os mesmos que chegaram aos 1000 euros, por apenas 11. Comprou um par, mas a companhia combinada roeu a corda à última. Ofereci-me para ir, parva de amor que sou, ou parva no geral, pois que o meu interesse em informática é igual ao quadrado da hipotenusa, não soma catetos, nem Pitágoras acreditaria.
Liga-me o pai, que não, que não podia acompanhá-lo porque os bilhetes que ele havia comprado eram para pessoas com um máximo de 23 anos.
Ligo-lhe desolada, dou-lhe conta da minha impossibilidade,
Afinal já não posso ir contigo... os teus bilhetes só dão para pessoas que tenham até 23 anos... 
[Pausa para a piada que se seguia]
... e o teu pai diz que eu já não passo por 23 anos.
[Pausa para reter as minhas três informações, numa só frase]
Pois, e vão pedir-te a identificação à entrada...



Pensamento escatológico do dia # 21

Por acaso, ando há dias a pensar na chatice que é um gajo ter que limpar o cu.
Um contorcionismo desumano, uma despesa absurda em papel higiénico, já para não falar da cara de cagão que se faz quando se percorrem os corredores do supermercado com a palete na mão.
Feliz era o Homem primitivo, que zás e siga, arriada que ficava a coisa. Depois havia de se esfregar numas relvas ou numas folhas, ou ia a uma poça de água tratar do assunto. Também não deve ser por acaso que, mesmo no final da defecação, nos acontece aquele mini-chichizinho, que mais não é senão a ancestral solução para a higiene do lá de trás.
Andava eu taciturna por estes pensamentos, quando veio parar aqui ao lar um prospecto. 
Por acaso, a capa deixou-me triste e revoltada,


tanto que até comentei, em desabafo:
- Até para venderem penicos têm que pôr uma gaja nua?
Havia alguma necessidade de a senhora estar malcriadamente de costas, exibindo sua zona sacra sem pudor? Havia. Foi precipitado da minha parte. É claro que faz sentido. É lá que tudo assenta. E não se trata de um penico qualquer. 
Abri então a caixa de Pandora que encerrava o que veio a verificar-se uma revelação epifânica.



Fiquei particularmente tocada com a existência de jacto de senhora e jacto standard (numa de "se não és mulher, és pessoa"), com a gravação das minhas configurações pessoais (donde, poderei sentar-me sempre com a confiança e a certeza de ser reconhecida pelo vaso), com a luz de presença (que jamais me permitirá enganar-me no alvo e ir sentar-me na banheira ou no lavatório, quando aflitinha a meio da noite), e com o secador pós duche das partes pudendas (para que não sintamos aquele desconforto da roupa molhada ali assim).

Vou já encomendar meia-dúzia, que é o que nós somos, e assim não há filas para a privada, nem lutas corpo-a-corpo para decidir de quem é a vez.

07/11/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 45

É a aproximação da quadra?
Sou eu que tenho a cabeça suja?
O que é que se passa com os brinquedos? (Refiro-me aos das crianças.)
A Salsicha Maluca!


Gira-me. Estica-me. Aperta-me. Agita-me. Bate-me.
Descobre os meus 5 movimentos. Estou a arder!

Boa onda

Estávamos na fila para receber grátis uma beberagem qualquer — qualquer mesmo, em se tratando de gratuito, haja quem lhe olhe ao dente —, no após corrida e caminhada Sempre Mulher, quando lamentei a minha (pouca) sorte, não muito sinceramente, de estar ali a "amargar uma fila para, no fim, não receber a minha bebida". Já se tinha ali formado um grupo de desconhecidas todas no mesmo comprimento de onda boa e surfável, tanto que uma delas me ofereceu a mochila, onde constava o número de participação, e assim me preparei para me apresentar ao balcão como tendo calcorreado aqueles cinco quilómetros, logo, necessitada de hidratação. Não que não estivesse, só não pelos motivos que parecia ser, mas ó, à mulher de César não basta ser séria e siga.
Nisto, apareceram quatro senhoras de idades bastante avançadas e, fazendo-lhes justiça, avançaram firmes para o balcão, ignorando os milhares de mulheres (um dia morro, entalada num exagero dos meus) que ali se encontravam à espera. Uma delas ainda protestou, falsamente incomodada, verdadeiramente consciente da prevaricação, Ó meninas [heh], o fim da fila é ali atrás!, mas vai que as outras a ignoraram, e ela ignorou imediatamente o que acabara de dizer. Serviram-se de mistelas, umas brancas, com leite, outras transparentes, com água, e ali ficaram, as transgressoras. 
Estava eu quase a ser atendida para receber a minha bebida, quando as quatro anciãs se chegaram de novo ao balcão para uma segunda rodada sem esperas, mas pode-se dizer que já não tiveram sorte nenhuma, que a pessoa, apesar de não estar no seu direito, exerceu aquele outro das prioridades e até pode ser que tenha feito quatro senhoras infelizes e frustradas, mas é que tudo tem o seu limite e não, a idade não é um posto, senão eu ia de carrinho para o primeiro lugar das filas todas do planeta. 
Rimos muito, as de trás e nós. Peguei na minha mixórdia, devolvi a mochila à que ma tinha emprestado, desejámo-nos mutuamente "Tudo de bom", e saiu-me um sincero "E sempre boas mamas para todas".