14/05/2016

Duas gotas de água

Chegamos sempre, exactamente, ao mesmo tempo. Percorremos distâncias e caminhos diferentes, mas move-nos uma batida comum. Perdemos, há muito, a capacidade de ir sozinhas, provavelmente porque ambas ultrapassámos a fronteira do inultrapassável. Fomos feitas da mesma massa, com a mesma forma, e saímos — com doze meses mais três semanas — tão diferentes (dizíamos nós) uma da outra. Duas gotas de água, dizia-nos a nossa mãe, que nos via assim. Por qualquer razão que desconhecemos, apesar da curta diferença entre as duas datas de nascimento, eu fui, até ao final do crescimento, mais pequena, desmesuradamente mais pequena uns — acho eu — dez centímetros do que ela, que não justificavam os trezentos e oitenta e nove dias que mediaram entre as nossas chegadas. Se os gémeos, ao longo da vida, acentuam pequenas diferenças físicas, connosco deu-se a exacta inversa: nunca como agora tivemos a mesma altura e peso, com tamanha semelhança. Nunca como agora acertámos as batidas, no momento em que atravessamos o portão e subimos as escadas. Ali estamos. Tocamos à campainha e investimo-nos da coragem que já só temos por estarmos juntas. Levamos ambas vidas muito cheias, muito cheias de vida. Eu trato das unhas, ela toma conta se o cabelo, a roupa, o conforto, estão cuidados, e leva bolos, feitos por ela. Rimo-nos por tudo e por nada, e caem-nos lágrimas. A saída é sempre dolorosa — deixamos demasiados irrecuperáveis para trás, foi sempre demasiado pouco tempo o que ali estivemos, fica-nos um bocado demasiado importante naquela casa. A alegria, essa, teremos que a retomar noutro lugar, pois ali fica cativa uma grande parte da nossa. 

2 comentários:

  1. Linda gota de água, que carinho tão desmesuradamente bonito! Eu sei a coragem que é preciso para esses momentos.
    E trato de ti assim, daqui a muitos anos, se me deixares.

    Vou nadar, aparece!

    Shark

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    1. De mim, Shark? Ora essa, não vai ser necessário: não viverei tempo suficiente. Pretendo adquirir o meu rabo de peixe entretanto, e sair por aí a dar à anca. Desde que não encontre nenhum dos teus primos, por mim, está de bom tamanho.

      Obrigada, ainda assim.

      Beijos,

      Blue

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