E perguntam vocês: Oh, grande Porca, o que é para ti ser mulher?
Mesmo que não perguntem, este poço de abnegação responde, e dá exactamente a mesma resposta que dá a todas as grandes questões que se lhe colocam no dia-a-dia: ó pá, sei lá.
É que é tanta coisa.
Nasce-se assim.
Eu não podia ter nascido homem, de todo. Nem vos digo que me tornava maricas, porque eu nem sequer dava um bom maricas. Para se ser um bom maricas, é necessário não só gostar-se de homens, como também não se desejar ser mulher - e isso, ia ser o drama da minha vida: não poder usar saltos altos, vestidos, unhas pintadas, cabelo comprido, maquilhagem e sutiãs? Que chatice de vida.
Talvez desse um bom transgénero, um rico travesti, mas, ainda assim, uma pessoa necessariamente desconfortável na sua pele, logo, incompleta, infeliz, rachada ao meio, e não devido a uma característica atribuída pela Natureza.
Rapidamente, ainda antes de sabermos falar, apercebemo-nos da nossa fragilidade física - os rapazes correm mais depressa, saltam mais alto, fazem mais barulho, partem mais coisas - e, astutas, compensamo-la com o poder da pestana, método que utilizamos desde os primeiros passinhos, com o pai, com o tio, com os irmãos, com os primos. Desde sempre sabemos que aquela posição, de cabeça baixa e olhos doces no alvo, os lábios brilhantes de rebuçado ou caramelo com saliva, o pestanejar mais lento e a voz cantada "Vá lá, pai...", ainda de joelhos sujos, saia descambada e blusa desbarrigada, opera milagres, move montanhas, derruba muros, por nos transformar na mais impiedosa das sedutoras, na mais irresistível hipnotizadora, tornando inegável o mais absurdo pedido. Desde cedo nos habituamos a escutar, em resposta aos ralhetes das outras mulheres, sabedoras da nossa artimanha, "Deixa-a lá, é uma menina...".
É uma menina.
É uma mulher pequenina.
É uma mulher.
É uma grande mulher. Que é filha, neta, sobrinha, irmã e prima. E mãe, companheira, cunhada, nora e avó. Que vive a vida inteira à mercê das hormonas, cheia de ataques e de achaques, a rir das suas próprias falhas, a chorar a morte de um passarinho. (Frustrante e cruel que se reconduzam os nossos sentimentos e atitudes às hormonas, mas, contas feitas afinal, são elas as grandes culpadas das nossas cenas de choro e dos nossos ataques de riso que ninguém espera, quanto mais nós). Que ralha e dá beijos, tudo a um tempo, e lambe feridas com a própria saliva, porque não tem Betadine no bolso. Que se transforma num monstro quando se faz mãe, capaz de dar um rim, um pulmão, o coração inteiro, que é só um, pois que já deu o todo, que foi a vida, que diferença lhe faz dar parte. E que dá pancada a um agressor dessa vida a quem deu vida, como se toda a vida tivesse feito disso vida, e tem a força que nenhum super-herói tem - sei de uma mulher muito magrinha que levantou no ar a traseira de um carro que lhe estava a atropelar os joelhos do filho, sentado no passeio -, mas também muda a estrutura de um edifício se suspeitar que existe vida por baixo - éramos três a arrastar um bloco de 800 quilos, porque ouvíamos uma criança chorar lá debaixo.
Ser mulher é só isto: passamos a vida a dar - colo, alento, ouvidos, paciência, sangue, vida, amizade, bem-estar, amor, prazer (devassos. Já estão para aí a pensar que também damos... estragam-me os textos todos com as vossas ideias hardcore), a dar de nós para desfazer tantos nós. Cegos nós, que nos põem cegas, de raiva, de felicidade, de amor.
Grandes panelas de pressão, sempre a apitar, sem explodir, que somos nós.
Se eu pudesse, hoje dedicava este texto à minha mãe e às minhas três filhas, já mulheres. Mas não posso, porque as quatro merecem muito mais do que isto, e são tão boas e tão só minhas que eu posso mesmo ter só sonhado que elas existiam mesmo.
quando o ventre é o mar / quando o ventre é a água / quando o ventre é a fonte: diria Yvette K. Centeno, num poema, sobre as mulheres.
ResponderEliminarBelíssimo texto, LP.
Boa tarde :)
Belíssimo comentário, Xilre.
EliminarBoa tarde, um domingo azul :)
O melhor que li hoje.
ResponderEliminarO melhor. Cada vez gosto mais de ti.
Obrigada, Majestade.
EliminarInvestes-me de uma grande responsabilidade.
♥ iu-tu.
Pergunta que se impõe: quem és tu que se esconde atrás de Linda Porca?
ResponderEliminarEstou como a Rainha: cada vez gosto mais de ti.
Uma mulher igual a ti e a ti e a ti e a ti.
Eliminar♥ iu-tu, só Doce.
A maior parte das vezes damos tanto e recebemos tão pouco. Mas lá continuamos, de cabeça levantada e sorriso no rosto.
ResponderEliminarA porquinha tem alma de poeta! :D
Somos estranhas. Temos fios desligados, como diz o Lobo Antunes :)
EliminarTão estranhas as mulheres: ausentam-se permanecendo, regressam partindo.
Qualquer dia faço rimas :D
Começo a rimar o infinito dos verbos terminados em ar uns com os outros. E os terminados em ir :D
Não te esqueças dos terminados em -er, que são muito mais interessantes! xD
EliminarForniquer, quequer, lamber... étxétera? xD
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