Visita ao centro de saúde da área da minha residência. Ando pobre e preciso de saber por que é que não consigo dar sangue. Estes dois factores conjugados levam-me lá. Sala de espera cheia. Já lá não vejo tantos ciganos nem tantas velhas. Parece que, estatisticamente, as mulheres estão a morrer antes dos homens, pelo que agora começa a haver mais viúvos do que antes. Quanto aos ciganos, talvez tenham enriquecido ou deixado de adoecer. Não entendi a mudança.
Há ainda o homem da boina preta, que foi com a respectiva à médica. Ela usa um anorak confortável, de espuma, fofo, que a engorda ainda mais um bocadinho, calça sapatos de vela, tem queixo duplo aos trinta e é capaz de dormir só de encostar a cabeça à parede de azulejo do centro de saúde. E ele passa o resto da vida a olhar à volta, como os cães perdidos.
E aquele outro, que olha para mim e diz, quase a gritar: "Já aqui estou desde as 8 da manhã, são 25 para as dez e nada de ser atendido!". Prefiro esbugalhar-lhe os olhos a dizer o que quer que seja. Não porque não o compreenda, não porque o tema - malucos e eu, enfim -, mas porque não me apetece conversar. Dali para as maleitas dele ia um passinho de bebé e eu estou farta de ser a psi de serviço.
Entra mais um velho, de sandálias calçadas em cima de meias grossas, porque os pés já não lhe cabem em sapatos nenhuns. Diz uma amiga minha que as extremidades nunca param de crescer. "Já viu velho de orelha pequena?". Não, nunca vi. Este tem-nas descomunais. Parece que vai levantar voo, não fora o facto de usar bengala. Quer a cadeira que está mais próxima da porta, ocupada pela mala de uma senhora. Faz-lhe só um gesto e ela retira a mala, ambos sem uma palavra. Senta-se a custo, apoiado na bengala, e ali fica, de boca aberta, a olhar para o tecto.
Cada vez que vou ao centro de saúde deixo de acreditar.
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