07/06/2023

Sósia

- Diz (?) que todos nós temos um sósia em qualquer parte do mundo,

diz-me a mulher que jantava comigo naquele dia.

Diante da minha incredulidade, disfarçada de curiosidade de ver até onde é que ia o delírio, balbuciei um “Ai sim?”, para que ela continuasse e desfizesse, antes de se fazer, o nó que a minha cabeça ameaçava formar, apertado. Cheia de si, continuou:

- Por acaso, gostava de conhecer a minha sósia.

Percebi, desolada, que não ia desenvolver a tese, que, embora não seja inovadora, sabe sempre bem ouvir novas versões, quanto mais não seja para atestar do QI que vai pelo planeta. Percebi também que a sósia a que ela se referia era apenas no plano físico. Logo eu, que nunca quis ter uma gémea, que nunca desejei ter filhos gémeos. Não pelo trabalho em dobro, sim porque não vivo bem com pequenas desigualdades (com grandes, nem se fala) e comparações constantes.

Vou fingir que acredito na teoria. Descontando (literalmente) o facto de que morrem milhares de pessoas por dia, será que a minha sósia ainda está viva? Que idade tem? Creio ainda que existe uma enorme parcela do globo onde ela não viverá com certeza, pois eu tenho exactamente zero de asiática e de africana.

Sou única. As minhas cicatrizes contam a história da minha vida, pelo menos desde os cinco anos. O meu corpo guarda-as todas, como a um tesouro que conquistei a pulso e é só meu. Quantas costuras tenho? Nunca contei, mas andarão próximo das de uma boneca de trapos. Não tenho sósia alguma, e, mesmo quanto ao carácter, igualmente cheio de cicatrizes, é irrepetível.