05/10/2018

And that awkward moment # 52

em que, rua cheia de gente, e, portanto, plena de múltiplas escolhas, o ouvi chamar-me, “Senhora!”, o vi percorrer os trinta metros que nos distanciavam, lhe percebi a falência de siso, natural ou adquirida, lhe avaliei o andar titubeante e o olhar fixo em mim, a cabeça levemente inclinada para o lado, de cabelos ondulantes ao vento que não corria, pensando cá para com o fecho éclair do meu vestido-larido, “Que sorte magana esta minha, que não há chanfrado que não se me cole à bainha, mas será que fui padre noutra encarnação, mas terei sido psiquiatra, mas agora sou mãe da Humanidade?”, e estava eu nestes pensamentos quando ele se acercou e me pediu “um cigarrinho”. E, diante da recusa que lhe ofereci no lugar do cigarrinho, esclareceu-me - sem que lhe pedisse explicações - que era muito viciado, que já fumava para lá de quarenta anos e que estava a ver se não arranjava alguma coisa nos pulmões. Parecia-me ele um rapazola, o olhar redondo nem verde nem castanho - azul não, com certeza, azul não, porque não -, cheio de pestanas a dar nas pontas da franja às curvas, como se quisesse colar-se-lhe à testa, e depois aquela fala ssopa-de-masssa, tudo ironicamente infantil. Estava eu nestes pensamentos, como já disse, quando ele me perguntou a idade e eu vá que lhe disse a verdade. (Havia de fazer como a minha avó, que lhe acrescentava sempre mais doze - aqueles mesmos que fazia de diferença para o meu avô - e toda a gente pasmava diante da boa conservação, frescura e juventude dela, “Ai, parece muito menos!”, pois pudera, tinha muitos menos.) Responde-me ele, “Ainda é mais nova que eu...”, o rapazola. E ainda atreveu com o clássico, lisonjeiro ou apenas cavalheiresco, “Parece muito menos”. Nem tempo me deu para responder o estafado “Muito obrigada, mas tenho-os na mesma”, porque completou a frase com um “Parece que tem...”, atribuindo-me menos quatro do que, efectivamente, tenho. Eu tola, de cabeça de lado, titubeante e de olhar redondo, nem verde nem castanho - negro, o de sempre -, e ele, talvez percebendo, e tentando corrigir a gaffe, acrescentou, “Ou então...”, pondo-me em cima menos três do que, efectivamente, tenho. O rapazola.

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