18/05/2018

Voar

Por esta razão que me assiste, e que já aqui explanei bastamente, tem-me vindo à memória a minha primeira viagem de avião, mais conhecida por baptismo de voo: foi de Lisboa ao Funchal, tinha eu quatro anos de idade, e foi na TAP, que ainda não era Air Portugal, era mesmo "só" Transportes Aéreos Portugueses, sem mais mimimis em estrangeiro. 
Naquele tempo, a pista do Funchal tinha pouco mais de um quilómetro e meio de extensão, parecia a pista de um porta-aviões. Não sei como é que nunca se lembraram de incorporar uma catapulta naquilo. Mas isto sou eu a falar agora, que já lá vão muitos anos, e, na altura, nada me fazia impressão, nem sequer as alturas. 
O meu baptismo aconteceu no avião mais mítico de toda a História da aviação comercial (quanto mais não seja porque foi o meu primeiro): o Caravelle. 

Imagem palmada da nettinha

O Caravelle era, precisamente, o avião da capa da Anita (aquela a quem agora chamam Martine, mas que será para mim, para sempre, simplesmente Anita), o que ainda o elevou [hah!] mais aos meus olhos, quando, mais tarde, tivemos esse livro em casa (e do qual ainda hoje conservo um exemplar). 

Imagem palmada da nettinha
Lembro-me de ter feito uma viagem absolutamente tranquila, lembro-me de a minha irmã chorar porque as asas não batiam como as de um pássaro, lembro-me de a nossa mãe lhe mostrar os flaps a mexerem, e de ela chorar ainda mais porque, afinal, as asas batiam, mas lembro-me sobretudo de recebermos ambas livros para colorir e lápis de cor, e de termos ido à casa-de-banho e termos trazido de lá tudo o que apanhámos à mão, de sabonetes pequeninos a toalhetes perfumados, e depois nos termos ido confessar à hospedeira, que, para além de nos ter absolvido com uma boa gargalhada, ainda nos ofereceu estiletes limpa-cachimbos, para fazermos pulseiras. E o que me lembro de as hospedeiras terem uma farda belíssima, desenhada por Louis Féraud — eu tinha um caso de amor com aquele pompom do chapéu de coco, e com os apliques dos sapatos! —, que me fazia jurar um dia vestir uma assim e sair a voar como elas. A vida dá tantas voltas. E loopings.

Tudo meu, exposição no MUDE, 2015

Mas lembro-me, acima de tudo, que nunca mais voei tão bem.

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