04/11/2017

Tenho medo

A Uva e a Filipa (não sei se por esta ordem, mas foi por esta que as li) já disseram tudo o que me vem atravessado na garganta, no peito, no coração, nos últimos dias. Não tenho muito mais a acrescentar, a não ser aquilo que sinto em mim. Este medo de, um dia, acordar e ser mãe destas pessoas:

Daqueles ali ao fundo

Ou desta

Daqueles, que continuam ali

Ou deste palerma

Daqueles mesmos, sempre os mesmos.
Quantos são, mesmo?

Ou deste, do pull overzinho ao ombro

Daquele, da calça bege,
ou deste, da fralda de fora

que agora até aparece a compor a toilette

Desta grande maluca do Halloween,
ou deste casaleco, todo aninhado para o espectáculo

Tenho medo de um dia acordar e ser mãe da conivência, do silêncio, da compactuação, do conluio, que são, afinal, todos irmãos da cumplicidade e da co-autoria. Desculpados pelo medo, impassíveis e, no limite, indiferentes. 
Este meu medo é todo ele egoísmo, é todo ele reflexo, é todo ele hipotético: então e se o rapaz que está a ser espancado fosse o meu filho? Era assim, era com "gente" desta, a assistir e a filmar?
[Crucificava-os.]
[Um por um.]
[Com as minhas próprias mãos.]


10 comentários:

  1. Infelizmente é o que vamos tendo. Antes da ajuda, quando há, e quase sempre não há, filma-se, posta-se, e depois dá-se de frosques, ou continua-se a assistir ao espectáculo, de longe. Não sei para onde caminhamos, mas o futuro, parece-me, não traz nada de bom.
    O que sei, é que sou contra empresas privadas de segurança, segurança de quem? A maioria das vezes nem a segurança dos donos dos sítios, estão seguras, se não pagam sem tossir. Uma máfia sem rei nem roque. Não entendo, juro que não entendo, nem sei para onde foi a lei deste país.

    Boa tarde

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    1. Noname, ali há tanta cabeça que devia rolar também. Há o dono da discoteca, há também o dono da PSG, há também motivos ocultos para que a polícia não esteja em permanência à porta destes locais. Alguém sabe explicar por que é que o Pingo Doce, que é só um supermercado, tem um polícia à porta de cada loja? E estes locais, há meses, anos, com esta fama de violência, nada?

      Eu não quero os meus filhos de heróis/ sacos de pancada, mas também não os quero repórteres/ indiferentes. Menos ainda no lugar do agredido.
      Olha, nem durmo, quando saem à noite. São quatro, portanto, efectivamente, não durmo ao fim de semana.

      Boa noite :)

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  2. Olha o conas e o casal de merdas!!!
    Adorava conhecê-los.

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    1. Era à chapada, ou mal te conheço :)
      Eu ia pela sabatina (que os papás não lhes deram).

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  3. Também me incomoda a atracção mórbida pela violência, pela tragédia, pelo grotesco, que se manifesta aqui e noutras situações. Compreendo, nesse sentido, o que a Linda Blue quer dizer.

    Mas deixo uma questão. Não tenho resposta para ela porque ainda não reflecti o suficiente sobre o assunto.

    Não pode o acto de filmar o sucedido ser uma forma de denúncia pública, ainda que involuntária? Ainda que a motivação seja a tal atracção mórbida pela violência, não servem estas coisas para alertar para a situação? (Neste sentido, mesmo o acto de parar, testemunhar e divulgar tem um efeito semelhante, ainda que menos poderoso.) É claro que temos de traçar uma fronteira moral nestas situações, mas pergunto-me se não haverá algo menos mau fruto deste voyeurismo.

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    1. Excelente questão, Filipe. Até porque, de algum modo, “justifica” aquele comportamento, designadamente de quem filma. Pelo menos, explica. No limite, constitui prova, e só assim é possível denunciar um comportamento criminoso. É um pouco a velha história do que os olhos não vêem... diante da filmagem, já não haverá margem para dúvidas.
      O que me choca são todos os outros.
      Como mãe, nunca consigo ter uma visão imparcial destas coisas. Não adianta que argumentem que os agredidos sejam, eles próprios, delinquentes. Naquele momento, há uma desproporcionalidade tão óbvia que me causa náuseas. Até mesmo porque aquele tipo de agressores tanto bate nuns como noutros. Nada justifica.
      Não queria estar na pele de ninguém daquelas pessoas, na verdade.

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  4. Infelizmente é o que temos.
    Não apenas neste caso.Nunca ninguém "diz nada" em qualquer situação.Tudo é permitido,perante a total indiferença de quem assiste.
    No metro de Paris ( há 25 anos ) presenciei esta cena : um anormal francês aos gritos com uma senhora (argelina )que ia sentada e que nem levantou o olhar.Por ser argelina . Ninguém disse nada. Todo o metro a olhar para o lado. Estranhei e comentei ser uma cena impensável em Portugal.E hoje ?
    Tudo isto é muito triste.Veremos como acabará .

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    1. Isso lembrou-me vários episódios que já protagonizei, de agressões verbais na rua, em que intercedi SEMPRE em favor do ofendido, e também de cenas em que alguém caiu (por duas vezes, duas pessoas na passadeira, diante do meu carro), e, embora corresse o risco de cair numa armadilha, em todas elas fui prestar o auxílio possível, jamais equacionando ficar indiferente. Não sei se depende da idade (experiência de vida; consciência), mas sei que, seguramente, não sou única. Únicos são estes espécimes. Têm que ser.

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  5. Anónimo5/11/17

    E é de ter medo, LB. O meu comentário resume-me a esta frase.

    AL

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    1. Sobretudo se pensarmos que nos pode tocar a nós enquanto vítimas da situação, AL. Ou aos nossos.
      Estamos entregues à bicharada...

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