A pessoa até já vai nervosa quando se acerca de um parque de estacionamento. Tinha mais uma consulta das centenas que já tive, esta para verificar se o braço está mais gordo do que o outro ou não. Vivo um bocado aterrorizada com a ideia, porque, caso se verifique, vou deixar de saber que número visto. Nada é impossível comigo: tive um pé maior do que o outro durante anos a fio, agora o maior encolheu e passei a calçar o número abaixo [já vi desculpas melhores para renovar o calçado todo], ou seja, todos os sapatos me chinelam, e isso provoca umas dores que ninguém supõe, uma vez que tenho que fazer imensa força com os dedos para que não me caia um sapato nalguma escada rolante, venha um príncipe atrás de mim e tenha que lhe aventar com o outro para correr mais agilmente.
A facilidade com que me perco nos assuntos. Pareço o tio das Derry Girls.
Aproximei-me do parque, esperei pacientemente a minha vez (porque tinha tempo, pois aquela lesmice só dá vontade de uma pessoa perder o amor ao carro e empurrar os caracóis todos para dentro do parque), depois chegou o cruel momento em que tive que abrir o vidro e esticar o braço ao máximo e, mais uma vez, faltava-me cerca de um Danoninho para chegar ao botão da Via Verde. Veio imediatamente um cavalheiro muito solícito, e, sem eu lhe pedir nada, espeta o dedo em "retirar ticket", enquanto eu digo "Via Verde, por favor". O bilhete saiu mesmo, mas a teimosa até ganhou braço, qual Senhora Incrível, e pumba no botão verde. A cancelinha abriu, eu acenei gudebai ao senhor, ele de bilhete no ar, "O que é que eu faço a isto?", "Deite fora, que eu saio com a Via Verde". Estacionei Rosinha de forma a revelar o meu TOC — carro direito e com as exactas distâncias entre os extremos do dito e o tamanho do lugar —, saí um bocado contrariada porque o pavimento era daquele cheio de hexagoninhos, que qualquer humano que tenha calçado uns saltos altos joga ali um bocado à roleta russa, "a ver se o raio do salto não se mete nos buracos desta m.", mas avancei. Ao passar pela casota onde se esconde um senhor que já está irascível às nove da manhã, deu-me cá aquela dúvida "e se...?", sabem? Lá fui gritar para o acrílico que nos separava: "Bla, bla, bla, um senhor tirou um bilhete, bla, bla", e ele estende-me um cartãozito, "É este, minha senhora. A senhora não saía do parque com a Via Verde, porque tem prioridade a primeira escolha". Olha que bem pensado, existe sempre a possibilidade de alguém se pôr a tocar piano com os botões daquela coisa. Lá lhe agradeci e fui-me, na direcção da entrada do parque quando, de repente, vejo uma barra enorme na direcção da minha cabeça e só tenho tempo de dar um salto para o lado e dizer "Ai!". Sinceramente, em que mundo estamos? A ver se alguém me avisou. Se calhar, queriam ver o que é que acontece quando uma pessoa leva com a trave na mona. Eu também apreciava visionar os carros deles a levarem com aquilo no tejadilho. Será que tem uma lâmina, qual guilhotina? Fiquei a pensar nisso, seria coisa para me deixar para ali rachadinha nos meio. Mas não, como cheguei à consulta com as duas metades agarradas, tive a grata notícia de que os braços continuam da mesma absurda grossura. Ordens da médica: "Dance, dance, dance". Pelo menos, não me disse "Faça flexões, pranchas e burpees", senão também não me apanhava lá outra vez.