15/11/2023

O universo também não ajuda nada

Fui a uma palestra sobre alimentação de senhoras que tiveram cancro da mama, no âmbito de um programa em que me inseriram. Deixei Rosinha, minha canoa, num parque ao ar livre, porém debaixo de uma passagem superior. Lá chegada, sentei-me, observei as restantes pré-palestradas, todas significativamente mais velhas do que eu, menos uma, que é a que tem o ondulado mais bonito de todas. A primeira vez que a vi, perguntei-lhe se era consequência dos tratamentos (o cabelo renasce com outra textura e, às vezes, outra cor. O meu veio encaracolado e branco, vá-se lá explicar esta última). Ela respondeu-me que sempre o teve assim, e eu anunciei-lhe, como se ela soubesse o truque: “Eu quero igualzinho”. Nas outras, vi muitos edemas, muito peso a mais (por falar nisso, as minhas calças 38 deixaram todas de me servir, comprei umas 40, agora caem-me), muita grisalha, muito sobretudo num dia não tão frio que justificasse. A palestra foi dada por uma nutricionista magra (aleluia!) e, basicamente, era a explicação da roda dos alimentos: o que podemos ingerir, o que não podemos e em que quantidades. Tirei imensos apontamentos, a minha letra foi diminuindo de tamanho até quase chegar a invisível. Tenho a motricidade fina toda lixada. Saí muito esclarecida e pouco convicta de que me vou meter naquela prisão redonda só para ter mais alguns anos de vida. Engordei para aí uns três quilos nestes dois anos,  provavelmente derivados dos tratamentos e da pastilhagem diária, mas não vou amandar-me a um poço a propósito. Danço cinco vezes por semana, é essa a minha roda.

Mas não era a isto que eu vinha. Chego ao parque de estacionamento, coloco o bilhete lá naquela coisinha óptica e diz a máquina: “bilhete inválido”. Entretanto, formava-se uma bichinha atrás de mim, tudo muito solidário, “Ai, agora como é que a senhora sai daqui?”, “A senhora venha atrás do meu e, quando a cancela abrir, passamos juntos” (eu já a ver-me finada, degolada por uma cancela de parque de estacionamento), “A senhora peça ajuda”, já eu ligara para cônjuge, “O que é que queres que eu faça? Vem para casa e amanhã vais aí buscá-lo” (a ver se não me esqueço de o retirar dos contactos de emergência), já eu premia com todas as forças de meu indicador o botão de SOS da máquina e nada, o homem devia estar a dormir lá dentro, já eu ligava para os dois números de assistência, um não atendia, o outro dizia que só funcionavam num raio de um horário que, obviamente, não incluía o meu. Tentei outra vez na porra óptica, “bilhete inválido”, Cristo, que merdas tão grandes que só a mim sucedem. Carreguei então de novo no botão de SOS e lá hei-de ter acordado o humano, “O senhor desculpe…”, “Ó minha senhora, eu estou a trabalhar” [ninguém diria, há dez minutos, se calhar tinhas ido fazer cocó enquanto eu me espremia aqui dos nervos]. Mas foi útil. Fez-me ler o bilhete todo, hora de entrada, número de código, nome do parque. “A senhora está no parque errado”, ah, eureka, fico-lhe muito agradecida e até estimo que a sua inoportuna evacuação tenha decorrido pelo melhor. Mas a sério, fiquei desconfiada que mudaram os parques de lugar só para medirem a minha capacidade de sair de uma situação.

Quanto a mim, não sei se estou pior ou só mais velha.