Entrámos juntas na dependência do banco para tratar de um assunto dela, e todos os meus sentidos foram atacados por um intenso cheiro a suor, que me pôs imediatamente de sobreaviso de que não vinha de lá um bom momento. A nós, dirigiu-se um funcionário de fato e gravata de retrosaria de bairro, recheado de carnes profusas e inocultáveis, cara redonda e sorriso inexplicável. Delicada, como sempre, ela desejou bom dia e disse: “Precisava de um documento…”, mas ele não a deixou completar a frase: “Precisava ou precisa?”, o que me levou rapidamente a concluir tratar-se de alguém que serviu às mesas — nada contra, mas a velha piada do “queria” denuncia tanta coisa, e não há como explicar a estas pessoas que “eu quero” não é só o presente do indicativo, mas também o imperativo, a ordem, o comando, e é só por delicadeza que os clientes dizem “eu queria [se fosse possível; se me fizesse o favor]”, para além da falta de educação que é corrigir o Português a um cliente. Adorava assistir a um diálogo entre esta figurinha e uma mulher do bairro. Nestes pensamentos, fiquei impávida e serena, com o monstro a roer-me as entranhas e a indomável vontade de lhe espetar um murro no meio dos olhos, pois é esse o único instinto que me domina quando me maltratam um filho. Afinal, a criatura não sabia como atender a minha criança e recambiou-nos para um colega, educado e bonito, que emitiu o tal documento, enquanto o carnudo falava muito alto ao telefone com uma freguesa, num tom de intimidade inadmissível, com subentendidos e gargalhadinhas, um outro colega tratava um senhor de idade por “você” (Chelas, estás aí?) e uma emproada, de saia e casaco azuis escuros, collants e sapatos azuis escuros, toda ela num full look enjoativo, permanente recente e um tacão excessivamente sonoro e fininho (quem é que ainda usa salto agulha, ainda por cima meio salto, com esta calçada portuguesa lisboeta?), toda ela cheia de si, e veio dizer um segredinho ao que nos estava a atender e afastou-se com um risinho parvo a estremecer-lhe o fato de fibra.
(Só a mim não me saem empregos destes.)
Saí empedernida e exangue. Demasiada fibra sintética em tão pouco espaço e tempo.