A mulher da franja esquisita, que se lhe espeta nas pestanas invisíveis e roça os olhos pequenos implantados sobre fundas olheiras perguntou-me, olhando atenta para o meu cabelo — que, por Cristo, é a coisa que eu tenho de mais preciosa logo a seguir à saúde dos meus filhos —, “Quando é que dás uma boa tesourada nisso?”, o que pode ter sido talvez, quem sabe?, a pergunta mais idiota que me fizeram no último ano, ou então na vida toda.
O meu cabelo ainda não tem tamanho de gente, não faz um rabo-de-cavalo, não tenho uma melena a tapar-me um olho, mal chega à linha do colar, ainda que o estique muito. Mas tem muita personalidade, uma vida própria, um viço bonito, uma movida única. Enrola-se, quase se encaracola, não tem uma ponta espigada ou fios quebradiços. Eu gosto dele e estou profundamente convencida de que ele gosta de mim.
Tenho saudades de Natércia, em contrapartida. Ela foi a minha cabeça durante tempo que não contei, deu-me coragem e a quase doce ilusão de que só eu sabia, na rua ninguém poderia julgar-me e logo colocar-me naquele corredor dos condenados. Podia olhar-me ao espelho sem me lembrar que a vida é parva e curta e injusta e inesperada. Anteontem pu-la na cabeça, sozinhas no quarto, só ela e eu, e, ao contrário do que acontecia quando estava sem cabelo, reconheci-me ao espelho, “Olha eu, quando a angústia me comia os dias e, mesmo assim, me sentia bonita quando a punha”. Guardei-a na caixa dela, muito bem acondicionada, fiz uma festa naquela minha cabeça e pedi à vida para que não tivesse algum dia que voltar a abrir aquela caixa.