14/11/2022

Mais do que nunca, Sempre Mulher

Podia ter corrido tudo mal, mas as expectativas nem sempre batem certo com a realidade: minha companheirinha e eu chegámos em cima da hora porque o ponto de partida mudou de lugar e não prestámos a devida atenção ao mail de aviso, mal pudemos fazer um aquecimento, a desorganização da prova também era alguma, porque o tiro (sob a forma de papelinhos coloridos) de partida foi dado ao mesmo tempo para a corrida de competição e para a caminhada, uma multidão de cor-de-rosa pelo Parque das Nações afora, esta aqui a ligar a aplicação das corridas, o mp-3 a cair da bolsinha, um phone a saltar e pop, quase a arrancar-me um tímpano, isto tudo em simultâneo, claro que o primeiro pensamento/ desejo foi sentar-me à chinês só a sentir a brisa do rio e defecar para a corrida, mas isso significaria desistir, verbo que eu risquei do meu dicionário. Ainda bem que continuei, mp-3, phone e dignidade recuperados. O percurso também mudou e corremos na direcção da Ponte Vasco da Gama (sob a, entenda-se) um caminho sinuoso cujo primeiro quilómetro é de calçada portuguesa rebentada pelas raízes das árvores  — e obviamente que houve quedas — e um intenso cheiro a urina, o que foi bastante estimulante para aqui a gazela acelerar o passo, só naquela de me livrar do amoníaco alheio. Mais adiante, fomos então brindadas com a bela imagem do Tejo em modo maré baixa, um lodaçal de aroma a enxofre, o que, lá está, estimulou à pessoa mais um sprint, ora, se fechasse os olhos julgaria ter corrido na direcção de um WC público de xafarica. 

Por tudo isto e mais mil razões, que são as principais,  custou-me os chifres do diabo alcançar a meta, que cheguei a ponderar estar invisível. A meio do percurso tinham-me dado uma garrafa de água — que ainda estou para estudar como é que se bebe enquanto se corre sem se enfiar parte do líquido narinas acima e que a restante escorra queixos abaixo —, pelo que tive que abrandar uns dez metros, bebi metade, ofereci a outra metade à relva e arrependi-me logo daquela espécie de ida às boxes, pois constitui um excelente incentivo para não recomeçar e nos deitarmos no chão a relaxar. 

Enfim, cheguei à meta. Levei quase quinze minutos mais do que levava antes da cânser (sim, inventei uma palavra, um verbo novo: cânser. Ex: “Tu dás-me cânser com essas atitudes”; “Não me cânserem a beleza”), mas menos dez do que levei aqui há umas semanas, em que me meti na passadeira do ginásio e, quando de lá saí, só não regressei de ambulância porque tinha ido com o meu bebé e ele conduziu-me até ao lar. 

Eu chego lá (não sei bem onde). Devagar, mas chego.