01/11/2022

A linguagem do olhar

E ali estava eu na sala de espera dos tratamentos de quimioterapia, por conta de uma injecção que tomo a cada vinte e um dias, estava também uma multidão que enchia a sala, e estava ele e a mãe. Não foi a primeira mãe de um rapaz da idade do meu que por ali vi, já vi o desespero e, como aquela, a raiva, a dureza nas feições, a revolta revestindo-lhe toda a linguagem corporal como uma pele cheia de eczema. E depois, os olhos dele cravados em mim, numa interrogação ininterrupta, talvez porque o meu cabelo — que tem sido a metáfora de todo este percurso — denuncie que já vou lá mais adiante, já passei por ali e posso talvez contar como vai ser, como é, como foi. De vez em quando baixava a cabeça na direcção das duas mãos brancas e pequeninas, unidas numa prece — ou seria uma súplica? —, de um corpo tão comprido, pernas a perder de vista e de repente um menino, de todas as vezes que levantou a cabeça da desesperança foi nos meus olhos que depositou os dele, “Vou sair daqui inteiro?”, e os meus “Diferente, mas inteiro”, a querer dar alento quando nem para mim tenho que chegue. 

Levantei-me da cadeira antes de ser chamada para tomar a injecção, na boca emudecidas as palavras que nunca quis ouvir, “Vai correr tudo bem” [“O que é que tu sabes?”], “Vai correr tudo bem, filho, a mãe está aqui”, o que é que eu sei?, e fui esperar em pé, junto à sala de tratamentos, longe da vista, longe do coração.