12/07/2022

autoestima <--> subestima

Isto é uma espécie de Novas Oportunidades, que no meu tempo de adolescente dava pelo nome de Novas Profissões: estar doente é toda uma agenda. Neste momento estou, já não petrificada, mas até um pouco fascinada, com a quantidade de marcações que tenho para o mesmo dia, vá que todas no mesmo hospital: análises, a injecção que me é dada — literalmente duas vezes: na coxa e na bolsa, pois não pago os milhares (envergonho-me de dizer quantos são) de euros que ela vale (?) — e duas consultas, cada uma de sua especialidade, que é para não me enjoar. 

Ando revirada, se não de pernas para o ar, pelo menos do avesso: perdi a conta ao número de TACs, ressonâncias, análises, consultas e testes de covid que fiz nos últimos sete meses. Passei em todos com distinção, nem eu sei bem como. Lembra-me isto aqueles exames na universidade, em que a pessoa vai totalmente às escuras, com a sensação/ certeza de que não pesca um boi e depois tem uma nota injustíssima de tão boa para a ignorância que para lá carregou no lombo, arre burra. 

Estou farta, mas também enfiada num túnel que não tem volta atrás — porque se recuar ainda será mais escuro — e o caminho é sempre em frente. Não posso sequer sentar-me no chão e fazer a birra que me apetece, a bater com os pés e os punhos. Tenho que continuar, por muito que a vontade que tenho seja sair deste corpo e ir para outro (mesmo que mais feio e velho e gordo, deixem-me lá ser este estupor), ouvindo a voz exterior dos outros e a minha voz interior: "O pior já passou, já subi a montanha mais alta". Passou? Se calhar, mas eu também tenho medo da planície, sou esta caguinchas que fica a relaxar depois do esforço mais cruel, a pensar "E se...?".

Em matéria de autoestima, atingi quase o pináculo. Nem aos dezoito anos recebia tantos elogios (até porque, nessa idade, infelizmente, alguns eram assédio porco, como qualquer mulher sabe). Conforme já disse aqui, agora sou querida e linda. Posso dizer, fazer ou escrever as maiores barbaridades, que nada é levado tão a sério que me faça cair em desgraça, pois que talvez não exista, aos olhos dos outros, maior do que aquela em que já caí. 

Aprontava-me para fazer treino respiratório de preparação para a radioterapia, que mais não é senão obrigarem-nos a estar sem respirar uma eternidade até estarmos azuis, mas tudo pelo bem dos pulmões e do que perfeito coração. As técnicas disseram-me que teria que tirar Natércia (não sem antes perguntarem se era cabelo meu, ganda Nat) e eu tirei. "Ainda fica mais bonita", assim ouvi logo, enquanto exibia o meu cabelito de Mariza na época em que ela usava rente à cabeça. Depois retiraram-me a máscara e "Mais bonita ainda". (Estão tão habituadas, que já dizem aquilo quase sem olhar para os doentes.) Até que me pediram para abrir o fecho das calças — para que pudessem monitorizar a minha respiração pela barriga —, mas eu, que sou mal intencionada, pensei (juro que apenas por breves segundos) assim: "Tu queres ver que agora também...? E ainda irão dizer-me: 'Ainda mais bonita'?”.