Dúvidas houvesse, a minha vida dava um filme de cinema do piolho: Covid, aquele vírus, caçou-me de novo na curva. O jeito que dá desta vez, nem comento.
Acontece que tinha uma bola de líquido (soro com sangue) a formar-se na axila, sei lá se de um dreno precocemente retirado. Vai disto, faço contas à minha vida, isolamento até sexta, penso marcado para quarta, e, não querendo quebrar o recolhimento, e após chamada para o Saúde 24, ponho-me em Santa Maria em menos de nada. Ia com instruções para me dirigir à Urgência Central ou à Oncologia, e comecei pela primeira. A macha antipática do guichet, mal ouviu falar em Covid, mandou-me para o covidário e eu lá fui. Estavam para aí 38º Celsius e umas seis pessoas cá fora, de entre as quais uma mulher gorda esparramada (toda reclinada para trás, a apanhar a fresca) numa cadeira de rodas, da qual claramente não necessitava. Tinha cabelos — crespos, espigados e secos — cor-de-rosa choque. Em choque, bati à porta do covidário e veio logo uma parola atrás de mim, na fuçanga de que a madame ia passar à frente do povo, a querer armar a p., logo com quem. Ignorei-a. De qualquer maneira, a enfermeira — de mãos nas ancas, como deve ser obrigatório naquele contentor da lepra —, perguntou-me com muito mau modo onde é que eu ia, e ordenou que tinha que esperar a minha vez. Gosto de evidências destas, especialmente vindas de pessoal que não tem pachorra para a vida em geral e para o seu trabalho em particular. Eu, submissa, "Ó senhora enfermeira, eu só preciso de saber se fico aqui ou se vou para a Oncologia", vai ela e diz que tem as seis boxes cheias e que ainda nenhum daqueles doentes foi visto. Lá fiz contas outra vez, lembrei-me que o ano passado estive na boxe dez horas (true, true, 10:00/20:00) até ser internada, ora dez mais dez, a contar com os que estavam lá fora, são vinte horas de espera, por isso despedi-me delicadamente da varina enfermeira e fui espreitar a sala de espera, o que constitui uma triste metáfora, pois trata-se de outro contentor, mas sem ar condicionado, quer dizer, primeiro assam os doentes, depois é que os metem na boxe (que é gélida, portanto a ideia é o choque térmico). Estavam lá dentro, acho que ainda vivas, umas quinze pessoas, por isso voei para o hospital privado da minha eleição, onde fui atendida em menos de quinze minutos, um fresquinho de dar gosto, tudo tão limpinho que pensei que tivesse morrido e aquilo fosse o Paraíso. Mas não era. Fui atendida por um médico pigmeu, cuja farda do hospital lhe estava tão grande que as calças arrastavam por baixo dos sapatos (não têm o XXS, está visto), mudo como uma porta, ao qual expliquei (quase) tudo o que me atormentava no momento. Ele ouviu com aparente atenção, escreveu tudo num papelinho muito pequenino, em letra extremamente miudinha, e concluiu assim a consulta: "Eu vou chamar a Cirurgia Plástica". Também podia ter dito a Estomatologia, que o meu espanto não seria maior, mas já estava por tudo, chamasse também a P.E. e os bombeiros de Algés. Entretanto, um enfermeiro chamou-me, arrancou-me da veia um canhão de sangue, levaram-me a outro piso para fazer um raio-x ao tórax (tudo a ver com o que me levava lá, obviamente), veio uma médica que viu a minha bola da sovaca e disse que "aguenta até quarta-feira" (sem rebentar?), e saí de lá com menos 96 pacas na conta do banco, mas, se não aliviada, pelo menos muito mais confusa.