No domingo passado, apanhei-a de surpresa, à entrada da aula de dança, estava ela baixada a apertar os atacadores aos ténis — já lhe ensinei mil vezes o truque de molhar os atacadores, mas parece que não há nada que resulte com os dela —, baixei-me um pouco e disse-lhe ao ouvido: “Amanhã vou começar a fazer quimioterapia”. Ela ergueu-se, esqueceu os ténis, abraçou-me, enorme, depois olhou-me bem dentro dos meus, com os dela igualmente marejados, e disse: “Sabes, querida, essas coisas só acontecem aos valentes porque são os únicos que são capazes de lutar”. E, por aqueles breves instantes, eu acreditei nas que me pareceram sábias palavras, vindas de uma mulher tão grande quanto delicada.
Não deixes de vir dançar.”
“Não deixo. Só mesmo se tiver muita vergonha da peruca ou de vir de lenço. Mas queria que soubesses que, se desaparecer por uns tempos, não foi por me ter enjoado das tuas aulas.”
E dançámos durante uma hora, numa sala, embora cheia, sozinhas, cúmplices e em sintonia afectiva.