E, desde que veio lá da quarentena - e depois fez mais não sei quantas, à custa de um filho covidado, uma irmã covidada, o papagaio covidado, tudo e todos menos ela, mas que remédio senão aturar os diversos timings de recato e recolha ao lar -, mas, e sobretudo, após ter levado a desanda da vida laboral dela (porque, ó pá, passei-me de lavar, passar, esfregar e cozinhar e encontrar tufos de sujidade em tooodos os recantos cá do lar), agora está irónica. Diz-me merdas. Do género: pergunta-me por uma coisa qualquer, "Chegou a comprar a alface?"
Note-se que não me trata por nada, e trabalha na minha casa há vinte e três anos. Não sou "senhora dona", não sou "senhora doutora", não sou "senhora", não sou "ó tu". Deixei de ser "Olhe" porque lhe acabei com isso num dia de tempestade gástrica, e também tive que lhe cortar com o "você" (com o qual ela, respeitosamente, trata a mãe e tratava a avó) porque tudo tem os seus limites e aquilo arranhava-me os tímpanos.
Vai que eu respondo: "Não sabia que era preciso comprar, a Sandra não me disse."
"Eu disse-lhe ontem, se calhar não ouviu ou esqueceu-se."
"Acho que nem uma coisa nem outra."
"Não faz mal."
Ou eu digo: "Ainda não pus a máquina a trabalhar porque estou à espera que a Sandra tire os lençóis das camas."
"Não faz mal."
Ou então: "Isto está tão desarrumado, nunca há tempo para arrumar."
"Não faz mal." - Porque talvez seja como os homens, lá terá aquela costela sobresselente e não entende indirectas subtis e delicadas, tens que lhe dizer "Arruma, pá, porra!".
Não faz mal? Então e se eu a puser a andar, com a desculpa de que já não dá mais para aguentar esta relação, também me diz que não faz mal?
Sem comentários:
Enviar um comentário