21/09/2020

Eu sou só uma gota no oceano

Escrevo estas amargas palavrinhas ainda sob o efeito dos nervos.

Chego à estação dos Correios e tenho quatro pessoas à frente. Tranquilo: quatro, com três balcões abertos, é espectável que seja rápido. Ilusão de óptica, foram quarenta e três minutos. 

Tinham passado cinco minutos, saem duas funcionárias para ir ao parquímetro, cigarro e café. Eu vi. Dois minutos depois, sai mais uma. Então, começo a acentar horas no meu telemóvel, só naquela. E, entretanto, canso-me de esperar. Eu, e mais todas as pessoas que foram chegando, de entre as quais uma senhora com mais de oitenta e as perninhas ligadas com meias cirúrgicas (podia ser a minha mãe), e um casal, também nessa faixa, que se sentou no parapeito da montra, por óbvia dificuldade em esperar de pé (podiam ser os meus pais). Os minutos foram passando, as damas não voltavam da bica, e chegou mais uma senhora de idade. Perguntei-lhe, então, se tinha tirado senha prioritária. Que não, que não existe prioridade para a idade. Fui dentro da estação e perguntei pelas senhas da prioridade - ia tirar três seguidas, para distribuir -, mas ali, naquele local, deixaram de existir tais senhas. Respondi que estavam três pessoas de idade à espera lá fora, a pespineta diz-me que a idade não é prioridade, e eu passo-me. Explico que a lei determina que os maiores de sessenta e cinco anos e com manifesta impossibilidade de esperar pela sua vez têm que ser atendidos com prioridade sobre os restantes. Mas parecia que era uma louca a pregar no deserto. Vim cá fora e disse às senhoras que entrassem. Nessa altura, apanhei com uma estúpida, que tinha a senha imediatamente anterior à minha, que me disse para me calar, antes que se aborrecesse comigo. Sinceramente, era o catalisador que eu precisava para incendiar aquela m. toda. Até gargalhei na cara dela, se isto é possível. Perguntei-lhe se ia para nova - o que, claramente, não está a acontecer -, e que, caso tivesse dúvidas, chamasse a Polícia, que talvez os agentes lhe explicassem melhor a lei. E fui reunindo todas as minhas forças para a argumentação indoor. 

Uma das funcionárias chegou ao fim de vinte e quatro minutos; outra, ao fim de vinte e sete; da terceira, nem vi rasto enquanto estive fora da estação. Pode bem ter passado por mim invisível, ou eu já estava demasiado cega.

Quando chegou a minha vez, disse a uma das senhoras que entrasse, mas a autoridadetária que me atendeu não permitiu. Então, pedi o nome das três funcionárias que tinham saído para o café às 10:13 e que queria saber como é que, ali, aplicavam uma lei própria, em clara desobediência à lei geral, ou então à das pessoas sensíveis, em sentido estrito. Esta respondeu-me que fosse reclamar "com o Costa" e foi chamar uma das colegas que tinha ido para o laréu. Ela que ai, fui ao banco depositar cheques do Correio, até me vim embora porque estava muita gente [rolling eyes, como se eu acreditasse que elas não passam à frente de toda a gente no banco], e eu, ai, não perca tempo, que eu a vi sair, ir para o parquímetro, a fumar o seu cigarrinho, e depois ala para o café. O que é que diz o seu contrato de trabalho quanto a pausas da manhã?, ai, que são quinze minutos, ai, que demorou vinte e sete, que eu os contei. E vai-me dar o seu nome e o das suas colegas, ou não? E ai, não, que não deu. E eu já com o envelope da queixa nas unhas, rodei calcanhares e zumba, acho que até fiz um chassé mambo. 

A reter: pelo menos metade das quinze pessoas que estavam à espera quando saí, indiferentes à causa prioridade pela idade, a outra metade comigo, acredito que dois ou três contra mim (o pessoal dos sessentas é o pior: ainda não é completamente velho, já não é novo, quer ter um pé em cada lado, hom'essa, decidam-se!); para a próxima, chamo a Polícia e aquela estação come com uma multa de mil euros que até chucha; não me perdoo por não ter dado a minha vez a uma daquelas pessoas, mas parece que as boas ideias só me vêm à tola quando já vou longe (e mais calma); os olhos dos velhinhos, quando os chamei para a estação, depois quando lhes rejeitaram o atendimento, depois quando eu saí. Uma disse-me: "Obrigada", mas eu ia com os meus marejados de lágrimas, arranquei a máscara e deixei cair os braços, de tanta raiva.



2 comentários:

  1. E o livro de reclamações, não pediu? Olhe que por vezes, só de o pedir, a coisa já muda de figura. Não lho podem recusar, e a fazerem-no a policia resolve no acto. Os correios estão uma vergonha e parte dos funcionários, uns calhau empedernidos de vícios, má formação e quanto a educação, parece nem saber o que é isso.

    Boa tarde

    Nota: Também há o portal da queixa, onde pode deixar registada a sua indignação.

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    1. “ E eu já com o envelope da queixa nas unhas“. Não pedi, não. Já perdi a conta a quantas queixas deixei em livros de reclamações, que resultam exactamente em zero. Tenho uma reclamação formal redigida, vou entregar amanhã noutra estação dos Correios, que o seguro morreu de velho e eu sou macaca velha, já agora. E segue texto idêntico para as reclamações CTT, com conhecimento da Administração.
      Vou até ao Papa, tranquilamente. Hoje saltou-me a mola.

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