Grupos de whatsapp com mais de cinco almas, em que todos são tão interventivos, que uma pessoa minimamente equilibrada dos chifres, ao cabo de horas, já está a bloquear as notificações (o coiso pergunta se por um dia, uma semana ou um ano - é claro que não fui de modas), só para não ofender alguma virgem e não sair do grupo a jacto. Eu cá aguentei-me num grupo desses hoje durante sete horas, exactamente 134 mensagens. E eu não tenho notificações sonoras, o que faria se tivesse. Mas não tive forças para mais. Cedi.
28/07/2020
24/07/2020
Derrapagens
Vou na segunda máquina de costura desde que iniciei o meu pequeno negócio - tanto em volume de vendas, como em número de empregados (unipessoal, euzinha, capacho para toda a sola) - e, enfim, tamanho das peças que produzo. A primeira que tive não deve contar para o prejuízo, porque não foi um investimento da firma, era coisa que já possuía, e que ainda me ajudou a fazer todos os cortinados do lar e fatos de Carnaval para as minhas crianças. A segunda, já a comprei de propósito a um senhor que não a queria, uma vez que não lhe cosia os instrumentos musicais que produz, já não me lembro se pandeiretas ou gaitas de foles (ou seriam de beiços? Olhem, gaitas).
Porém, esta aqui também deixou de coser, que é basicamente para o que serve. Fui então pô-la a arranjar nas mãos de uma pessoa em quem confio rigorosamente zero, vírgula, zero, um. Mas é a cena dos monopólios, não há mais ninguém que arranje máquinas de costura no mundo inteiro, e, mesmo que houvesse, neste momento não posso propriamente meter o mono debaixo do braço e ir à China mandar arranjá-lo. Quer dizer, também não pesquisei, e tinha a meu desfavor a pressa, a tal inimiga da perfeição.
O homem começou por me dizer que ia uma semana de férias, que regressava no dia 20, mas também não digo à senhora que lhe tenho a máquina pronta logo a 20 [pessoas que voltam cansadas de férias, cá beijinho mascarado], mas a 21 ou, no limite, a 22, está pronta.
Hoje é dia 24.
Lá se foi o limite.
Notícias da minha máquina (telefonemas meus, que Senhor Doutor da Maquinaria Leve nem se digna): primeiro, foi uma porca que estava de tal maneira retorcida, que nem sei como é que ela [a máquina, julgo] não rebentou. Logo a mim, que tenho fobia de explosões desde que, ainda menina e moça, foi pelos ares (literalmente) um fogão em casa dos meus pais. (Ou também pode ser derivados à quantidade de balões de hélio que se me rebentaram aos ouvidos, era ainda igualmente petiza.) Porca retorcida, até me pareceu, se não um elogio, pelo menos uma ofensa. Agora, a última desculpa para a derrapagem do prazo (conceito que havia de ser elevado a património nacional), é a de que o carreto não roda, de maneira que o tecido não progride. Porca retorcida e passadinha dos carretos, eis o diagnóstico das maleitas da minha Belinda, a Escrava do Silêncio.
Em suma, enquanto o homem derrapa no prazo, eu acumulo derrapagens nas encomendas que vou tendo. E trambolhões.
(Isto é como os mecânicos de automóveis, não é? Falam-nos de bielas e dos caprichos do alternador e nós papamos a papinha toda, de carinha alegre e toma lá euros às centenas, que de onde estes vieram há mais.)
20/07/2020
Na senda de "Sou só eu?" # 20
a quem o servidor de internet, de há dois meses para cá, assim do nada, como quem não quer o dinheiro a coisa, me manda uma mensagem a avisar de que os meus dados se encontram perto do fim, e que (mais ou menos por estas palavras, que eu não sou muito boa a não acrescentar um ponto quando conto um conto), se quiser continuar a navegar - deixando-me assim, perdida, no mar alto - devo pagar ora 5 ora 10 euros por um carregamento de não sei quantos gigas, isto logo a mim, que nem sei os litros de gasóleo que meto em Rosinha, quanto muito sei o que lá deixo em euros?
Vamos lá a ver se a gente se entende, Senhora Dona NOS: o vosso serviço é só péssimo. Tenho zonas da casa em que de todo não possuo net, em que basta deslocar-me para lá, que desapareço do radar. Se tiver - como toda a gente não adolescente - os dados ligados, o coiso desata a gastar-mos sem sequer me avisar, sequer uma notinha “Passou para o modo dados móveis”, como quando pomos o pé do lado de lá e ele nos dá as boas vindas ao Orange, ou outro citrino qualquer. Não se faz. Era agradável, mas compreendo que não o façam. Uma como eu zarpava logo da cozinha para a sala e, de lá, recta ao quarto, que é onde nettinha (e sonhos bons) é melhorzinha.
Compreendo que terão tido um pequeno prejuízo com a quarentena, o povo ligado 24/24 ao preço de 12/24 (pelas vossas contas, erradas, como veremos). Quem tem um blog sabe que há muito mais visualizações aos dias de semana e em horas de expediente do que nos dias e horas não laborais. E as empresas prestadoras de internet viram-se, de repente, durante sessenta dias, na contingência de ter que dar o dobro por aquilo que consideram ser o mesmo preço. Errado, este raciocínio: nós, pessoas ligadas, pagamos 24/24, a vossa resposta é que é esta deficiência lamentável. E pior ainda é fazer recair sobre o cliente o prejuízo da empresa. Ganhai mas é juízo, prejuízos todos tivemos.
(E não, mudar de servidor não é solução, só mudam as moscas.)
19/07/2020
Então e tu, LB, o que carregas tu rumo ao mar?
Olhem, o Mundo.
O meu saco de praia é belo e tive o cuidado de adquirir um de boa marca, assaz dispendioso, para que aguentasse todo o peso que carrega. Cansei das ofertas dos perfumes e das revistas, que levavam a minha carga durante cerca de duas idas à praia, logo se rasgando como papel molhado. Este, ao menos, está para durar, e já vai no terceiro Verão.
Lá dentro:
1. A inevitável toalha, muito, muito fininha e levezinha, que fica irremediavelmente encharcada ao primeiro banho, mas ao menos não me contribui para a marreca;
2. Uma almofada deliciosamente macia, leve e impermeável. A pessoa humana precisa de recostar a cervical sem ter que fazer montinhos na areia como se fosse a criança que se sente, mas que não é;
3. Uma bolsa com protectores solares para a cara, para o corpo (ambos factor 50, porque já não tenho 30 anos e, se calhar, também já não 15), para o cabelo;
4. Ainda uma enorme bolsa, com várias outras bolsas dentro: para os óculos de sol, que uso exclusivamente à chegada e à saída do areal (por questões de anti-bronzeado da neve), outra para a máscara (que levo por precaução, ele é uma ida ao bar, ele é uma abordagem à casinha), outra para o mp-3 (muito útil quando nos enfadamos do beca-beca da vizinhança) e telemóvel, outra para os documentos e cartões, um porta-moedas, e, à solta, na maior, chaves de casa, do carro, bâton protector (os meus lábios bronzeiam de uma forma absurda), espelho (porque partículas me invadem os olhos amiúde) e montanhas de elásticos, fitas e ganchos para o cabelo (que não uso, mas temo precisar e não ter ali à mão);
5. A minha garrafa de água, que é de longe a garrafa mais bonita do mundo (azul com malmequeres), mas pesa os cornos. Tem capacidade para 750 mililitros, e, cheia, pesa 1,250 quilos, ora fazei as matemáticas ao objecto;
6. Uma coisa qualquer para mastigar, geralmente um pão de sementes com queijo e tomate, que é para me fazer as vezes de almoço e poder ranger os dentes com muita propriedade cada vez que passa por mim (de dois em dois minutos) um vendedor de bolas de Berlim;
7. Um António qualquer dos meus. Ontem acabei o “Segundo livro de crónicas”, hoje comecei “Aquela que está sentada no escuro à minha espera”;
8. Um jornal de papel, designadamente para fazer sudoku;
Alombo igualmente (estes já com ajudas):
9. Um guarda-sol, que os colmos estão pela hora da morte e estão espetados a uma tal distância do mar que me obrigariam a decidir entre queimar as plantas ou calçar o chinelo (sim, porque a hipótese de correr entre corpos descascados arrebataria a réstia da minha dignidade);
10. Uma cadeirinha tão pequenina, para quando quero ler de barriga para cima, mas que me vejo e desejo para me levantar dela, sei lá porquê. Há para ali uma luta entre mim e a gravidade, em que saio sempre vencida, quase tendo que me adernar para o lado, ou gritar por ajuda ao nadador, “Salvador! Salve a tia, que se enterra!”.
17/07/2020
Havia de fazer disto negócio
Desloquei-me ao dentista dos olhos bonitos com (boa) vista a fazer aquilo que científica e tecnicamente responde pelo nome de destartarização. Na verdade, fui arrancar as rochas que jaziam nesta praia, todo um pontão detonado a eito, quanto mais não seja para arranjar espaço (sei lá, para comida, cuspo, perdigotos, ar e apitos ciciosos). O médico já me arrancou o aparelho o ano passado (aliás, eu sou a pessoa, das que conheço, que teve aparelho por menos tempo - uns escassos dezasseis meses -, o que por vezes me faz questionar da necessidade dele), e agora parece que estava em altura de abordar a pedreira que habitava o meu habitáculo oral. Ele e Sónia, a assistente que, ao longo dos anos, tem vindo a desistir de me assassinar (nomeadamente encostando o aspirador às minhas amígdalas), porém, está tão empenhada em proteger-se do vírus que usa duas máscaras e uma viseira por cima dos próprios óculos, o que leva a que não se entenda basicamente nada do que diz. Real, eu de boca aberta e cheia daquelas brocas e instrumentos todos, tenho uma dicção mais clara, quanto mais não seja nas vogais abertas e nas interjeições monossilábicas. Então, nem contei quantos espaços interdentais possuo, mas garantidamente que o dentista me arrancou - algumas delas, esfarelando - dezenas de rochas, sob o olhar penetrante de Sónia, que, por trás de dois vidros e duas camadas de TNT, me perguntou (se é que percebi bem): “Está a sofrer? Não?”. Ora, só à pedrada. Respondi que não, mas que o ruído estava a incomodar-me deveras, e que, portanto, para a próxima levava uns headphones. Solidário, o meu dentista anuiu, que sim, que o ruído também lhe fazia impressão, mas eu ripostei que tudo se passa dentro da minha cabeça, como diriam os psicólogos estrangeiros acerca de quase tudo: “Tout, tout, tout se passe dans la tête”. Bom, o que importa é que agora, por meses, não terei cá pedras, embora ainda esteja convencida que todas as que saíram davam para construir um monumento de homenagem à minha pessoa, a uma escala de 1/100, uma pequena musa de 1,68 centímetros.
14/07/2020
And that awkward moment # 59
(Isto para chegar à conclusão que a estupidez se contagia, muito mais do que lá o vírus.)
Está a pessoa humana a proceder ao pagamento de uma vaidosice, coisa pouca e pequena, que responde pelo pomposo de top coat, tipo sobretudo, ou melhor, gabardine, mas aplicável às garras, que esta nova mania de alcoolizar as mãos a cada esquina tira todo o brilho e glamour ao verniz, opacando-o implacavelmente como se lhe houvesse caído uma nuvem de desistência e fim de festa em cima, e deu-se que o valor a liquidar era um desses a que sói chamar-se “preço psicológico” - quatro euros e noventa e nove cêntimos -, o que até pode ter sido determinante para o que ocorreu a seguir. Vou de estender uma pobre nota de dez euros e a caixeirita dá de me questionar a seguinte aleivosia:
- A senhora, por acaso...
[por acaso, por coincidência, por sorte] (façamos já um rolling eyes comunitário antes que isto descambe mais)
- ... não tem os 99 cêntimos?
A senhora em questão muito obtusa, 99 cêntimos... 99 cêntimos...? Mas para que é que ela quer 99 cêntimos?
Sinceramente, o cerne do problema deu-se quando aqui a desvairada desatou a procurar cascalho no porta-moedas, ao invés de perguntar à outra que genitais de troco é que pretendia efectuar com o raio dos 99 cêntimos. Mas é sempre isto, nunca perdendo a fé na Humanidade, cheia de boa-fé (passe o pleonasmo), a boa vontade, a boa índole, depois de muito somar lá nos fundilhos do mealheiro, anunciei, regozijada:
- Tenho 98 cêntimos. Ou então, um euro.
E ela hesitante, repuxando pelas pontas de um qualquer raciocínio esdrúxulo:
- 98 cêntimos não dá. Um euro...
E eu exangue, alarvemente curiosa:
- O que é que está a tentar fazer?
Ela de boneca parada, pôs finalmente a máquina a fazer a (inalcançável!) conta, e entregou-me uma nota de cinco euros e uma moeda de um cêntimo.
Depois perdi a fé. A boa e a má.
09/07/2020
Milu
Milu chegou às nossas vidas há quatro dias, e já no-las revolucionou de alto a baixo e de ponta a ponta. Na verdade, chegou no dia em que nasceu, pois da casa onde se deu o grande evento que foi a pequena coisa ver a luz, recebemos notícias e reportagem fotográfica com a frequência provável com que se processam todas as adopções felizes. Assim, veio da Figueira da Foz, sob um calor abrasador, e recebi-a com os meus enormes braços, que creio ainda terem crescido em comprimento naquele momento, tamanha é a pequenez da figurinha. Tem basicamente o comprimento de uma embalagem de champô. O nome já lhe foi posto algumas horas depois de se ter tornado residente cá do lar, mas até calhou bem começar por M, como são os de todas as fêmeas desta barraca, felídeas incluídas. (Lembro que, e por ordem cronológica, Mia - minha saudade querida -, Mel - ainda hoje dói de tanto que falta -, Molly, meu terror, minha boneca.) Ainda alvitrei Chica (Maria Francisca nas horas de mau comportamento), Benta (porque tem uma risca ao meio à Paulo Bento), Belém (por ter um olho à Belenenses), mas isto parece que é uma democracia musculada em que eu basicamente não mando nada, e Milu venceu, o que dá um jeito atroz para quando tiver que lhe ralhar, faço um nico de catarse e tudo, vai de Maria de Lurdes, que era o nome da minha professora primária, da qual, ao contrário de todos os (ex) meninos que conheço, que adoraram de paixão a sua primeira professora, o que também acontecia com os outros meninos da turma, eu sinceramente desgostava da senhora, que Deus tenha lá em descanso por muitos anos e bons, sem mim e sem os meus. Mas olhem, eu devia ser torta, ainda passei o primeiro período quase todo com cinco anos, a megera era uma anciã com voz tabaqueira e sinais pretos na cara, deve ter-me dado o medo (por na época ainda acreditar em bruxas, sei lá), ainda hoje me arrepio de me lembrar, mesmo agora, ao escrever estas linhas, toda eu sou fremências e tremeliques, o que é certo é que quando pulei para o liceu ela nunca mais me viu nem os dentes nem sequer a cor dos olhos nem nada. Fui, Marilu. (Ela também não gostava de mim, demasiado pequena, demasiado tímida, demasiado etérea lá para os vagares das dinâmicas do movimento da Escola Moderna.)
Mas pronto, venho hoje aqui apresentar Dona Milu, Maria de Lurdes nas horas de tropelia.
03/07/2020
Os jovens
No jardim público, um grupo de idosos, naquela faixa etária que ainda não merece ocupar a categoria de velhinhos, mas que já são velhotes. Aqueles mesmos que ainda se sentem aí bons para as curvas (geralmente não para as das respectivas esponjas), os que calçam o téni e vestem o calção e se sentem imediatamente uns rapazes. Estavam todos devidamente afastados uns dos outros, recebendo aquilo que me pareceu ser uma aula de, vá, ginástica. E digo vá, porque enfim, o exercício constituía em colocar as mãos na cintura e, pelo menos naquele momento, rodar as ancas - ora para a direita, ora para a esquerda. Ginástica respiratória, é isso. Imagino a pequena fortuna que o instrutor - também ele um ancião, mas claramente com um ascendente qualquer sobre a pequena multidão (Diz que é coacher? Pilateiro? Tai Chi português?) - pede aos incautos que o seguem naquela filosofia de vida. Então, vou a passar, não que o atalho me fique em caminho, mas porque a minha vida não pode ser uma linha recta, com aquele ar de “Desculpem lá interromper a lição, só cá vim saber se têm um apagador a mais”, e ouço o mestre dizer o seguinte: “A mamória RAM...”. E era ter imaginado que havia ouvido mal, mas o homenzinho corrigiu-se de imediato, continuando a prelecção dele num sentido que deixou de me interessar assim que os meus pés me afastaram dali: “A memória RAM concentra-se toda aqui...” - não olhei para verificar em que parte do corpo considera a criatura que se concentra a RAM - “... é a memória que se plasma no tampo da secretária”.
Olha que bem visto. Olha que dinheiro tão bem gasto. Olha tanta Polícia distraída de charlatanices.
Por acaso - porque tenho um TOC, acho eu - até contei as cabeças. E não eram treze?
Ai, os jovens, que se juntam em grupos de mais de dez, a ver se enchem isto tudo de covid! (Pronto, numa acepção muitíssimo alargada da noção de jovem.)