E sofre de sem-nocite. Ou eu sou excessivamente bem educada, o que pode igualmente constituir uma barreira à nossa comunicação. Dá-se que ela não reconhece uma indirecta, ou, quando acha que reconhece, ela sequer existiu enquanto tal.
Desbobinei, sabe-se lá a que propósito, o quanto me aborrecem as pessoas da minha idade: entre queixas, lamúrias, pequenas (enormes!) doenças, afecções, achaques e hipocondrias, não se inibem de fazer dos seus senãos tema de conversa, quer circunstancial, quer mesmo de encontros marcados a propósito de “nos encontrarmos”, “nos divertirmos”, “nos vermos, que há tanto tempo, e agora só em funerais, porque já ninguém casa nem baptiza os filhos”. Telefonemas, então, valha-nos o Senhor (Doutor): é de não atender, ou de atender já a gemer ou em prantos pela morte da bezerra, antes que nos suplantem ou suguem com as suas tragédias. Uma prosa que comece por “não sabes o que me aconteceu”, é mote para a fuga em frente, sem mais explicações. Quase todos estão estabelecidos na vida na pior acepção da expressão: não se mexem, não praticam actividade nenhuma, estão gordíssimos, mas depois também não bebem nem fumam. Imagino que até tenham máquinas melhores do que a minha, mas vivem obcecados com o colesterol, a ureia e os triglicéridos. Como se eu fosse médica! E ainda que fosse. Chatos.
Resposta dela a este sentido desabafo:
- As pessoas não vêem que são chatas? Eu, por exemplo, tenho imensas cãmbrias [ataque de pânico disfarçado de sorriso verde], estão constantemente a doer-me os braços e as pernas e não chateio ninguém [hiperventilação, preciso urgentemente de um saco de papel!]. Às vezes até se me prende uma perna quando vou a andar na rua, das cãmbrias [era eu ter uma arma de fogo em casa], acho eu que são cãmbrias [capaz de me enforcar], sei lá se são cãmbrias [ou de cortar os pulsos. Os dela]. Mas é uma dor que ninguém imagina! [A jugular dela será à direita ou à esquerda?].
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Silêncio sepulcral. Eu flutuando para longe do alcance da vista e da voz dela. É que sofro dos nervos. E é por isso que venho para aqui relatar os meus dramas. Só lê quem quer. Adeus.
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