Tremiam-lhe os olhos enquanto as mãos, marejadas, retiravam e voltavam a colocar a capa do telemóvel, e me explicava que a China morria agora todos os dias, por conta de um carcinoma na pata dianteira. Vi-a ver partir a mãe, depois o pai, de seguida um irmão, saga que lhe veio de herança trágica da avó, que casou já órfã e com dois irmãos sepultados, e ficou viúva e grávida do segundo filho - que, efectivamente, era o quarto, ou não tivesse oferecido dois anjos aos céus - aos vinte e sete anos. Por alguma razão que não se explica mas eu alcanço, esmagam-na mais do que todas as outras as saudades do pai, e eu sei que é possível porque não sei o que fazer à desmesurada falta que me faz todos os dias a minha Titi e também a minha gata, logo eu, que me morro de saudades do meu pai e agora também da minha mãe.
A cadela tem que ser abatida, inglório porém caridoso ponto final no sofrimento em que claramente já está. Passo-lhe a mão no focinho enorme e perfeito, dou-lhe um elogio à bela coleira cor-de-rosa e suspiro que também eu, “tenho uma menina lá em casa assim, que, mais tarde ou mais cedo...”, só que também se me mareja a garganta e afogo o final da frase com uma espécie de pensamento positivo: “Era a cadela do teu pai, vai para o pé dele, serem felizes”. A cadela afasta-se de mansinho, e ela então pergunta-me: “As pessoas nunca morrem, pois não?”. “Não.”
Não, as pessoas nunca morrem.
Não.
ResponderEliminarNunca morrem. Se pousarmos os pés no chão, nos nosso chão, naquele que é só nosso, sentimos os corações a bater.
Que bonito, Gaffe. Que assombro de comentário.
Eliminar(E eu tão ausente, só hoje o li...)
As pessoas nunca morrem. Faltam-nos é tanto...
ResponderEliminarAbraço Bluezinha
(venho sempre a correr mas mando-te abraços telepáticos ;)
Demais, Bezinha. Demais!
EliminarAbraço também, daqueles em xi-<3
(também eu ao teu. Leio tudo, comento pouco, mas estou lá. E estou aí :)
Pior do que morrer é irem morrendo devagarinho... (está-me a fugir assim, a mãe)
ResponderEliminarBeijo, Lindinha Azul :)
Conheço tão bem essa dor, Maria. Essa falta de ar, esse peso salgado nos olhos... (As mães nunca fogem, sabes isso)
EliminarNão haverá abraço daqui até aí que te possa confortar. Mas arrisco, ainda assim.
E um beijo também :*