13/01/2019

Unhas de felicidade

Foi na fase final de uma incursão a Norte, estava eu a quatrocentos quilómetros de casa, com uma hora de vida disponível, sem vontade de ficar no carro feita agarrada a Ai-fostes, sem pica para mais um museu, quando me lembrei que era bom despachar a manicura, já que, no dia seguinte, tinha vida para viver que necessitava das mãos arranjadas, e ainda tinha a viagem pela frente e a perspectiva de chegar incapaz de roer a unhas, quanto mais de pintá-las. Postas todas estas condicionantes, entrei em três lojas de nails, que toda a santa terrinha tem, pelo menos, dez, mas, umas porque tinham a agenda cheia, outras porque não lhes apetecia, apenas à quarta tentativa consegui vez.
Entreguei as mãos a uma mulher feliz, o que constatei sem esforço através do viço do olhar negro, sob a espessa franja preta. Pegou nelas e perguntou, num sotaque acentuado sem margens para dúvidas geográficas, se eu tinha raízes dali. Por motivo que desconheço, falei-lhe de Barcelos, omitindo o Porto, quando estava a meio caminho entre uma e outro.
Limpou o verniz que restava nas minhas unhas com acetona pura (nada de tira-verniz sem acetona), não mas mergulhou na clássica tina de água morna, e, comentando que estavam "bem direitinhas" - desconhecendo que as corto com corta-unhas e que recebo veementes protestos da manicura a que pontualmente recorro pelo ziguezague em que lhas apresento -, pegou numa lima de metal (nada de limas de cartão) e assim as acertou sumariamente, para as deixar todas do mesmo tamanho (curto, quase pelo sabugo, que mais do que isso é capaz de me deixar nervosa até aos dentes), nada de alicate de pontas para as peles das raízes (usou uma peça metálica bifurcada, que eu pensei que me ia arrancar os dedos, mas é que não - ainda os tenho), nada de limar a unha por cima, "para tirar a gordura da unha", nada de aplicar uma camada de base protectora, foi directamente um verniz vermelho-sangue-vivo como eu gosto, apenas uma camada, nada de duas, nada de top coat, "este verniz seca rapidinho". E foi meia-hora de conversa feliz que ali aconteceu, à espera que o "rapidinho" secasse, pois os tempos não são iguais em todos os pontos do país nem do mundo, nem os relógios andam à mesma velocidade em todos os lugares. As pessoas felizes, efectivamente, não sentem o tempo a passar, precisamente porque ele não passa por elas.
As minhas unhas, essas - pese embora a falta do tira-verniz, da tina de água morna, da lima de cartão e da outra da superfície, do alicate de pontas, da base e do top coat, ou talvez por isso tudo junto -, ficaram maravilhosamente bem cuidadas, cobertas com uma grossa camada da jovialidade própria do tempo que se recusa a passar.

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2 comentários:

  1. Tens que ir mais vezes ao Norte. Somos mulheres jovens. A minha avó era de Barcelos e Viana....morreu.com 96 mas ainda um brilhozinho maroto nos seus olhos verdes tão lindos. Eta mulher bonita e jovem, arejada, sempre!!

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    1. A minha avó também era de Barcelos :)
      Vou algumas vezes (menos do que gostaria) ao Porto. Mas esta história passou-se em Cabeceiras de Basto.

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