29/06/2018

Uma esfregona e um balde, debalde

Efectuando demarches com vista à contratação (também há quem diga 'contratualização'. Apetece-me atirar-me de caras a esse assunto, mas hoje não é o dia) de uma empresa de limpezas que me vá ao lar fazer uma, digamos, limpeza, e uma vez posta de parte a ideia de insistir naquela outra que revelou não querer nada comigo, encetei telefonemas.
Então, atendeu-me uma voz ensonada e roufenha, isto eram o quê? Umas onze e muitos da madrugada, que a mim nem me passa pela cabeça ligar para empresas antes dessas horas (pois, como se sabe, o pessoal entra às 10, isto, segundo o horário, mais coisa, menos coisa, liga o computa, vai tomar a bica à copa, troca dez dois dedos de conversa com a colega das fotocópias, abre o mail,  ri um bocado, chama o colega da frente para ver as anedotas que recebeu no mail, responde às anedotas com mais anedotas, e só depois pondera começar uma tarefa. Em não sendo sexta-feira, claro). E disse a voz o seguinte, ao atender:
- Hum.
- Bom dia. É da [empresa de limpezas]?
- Hum, hum.
- Fala [Linda Blue]. Preciso de uma limpeza de final de obra à minha casa e queria saber se os senhores estão disponíveis.
- Hum.
(A esta altura, já imaginava que havia ligado para alguém a quem fora interrompida uma necessidade fisiológica qualquer, ou para um sequestrado amordaçado, socorro!)
- Então... quer a minha morada?
- [aqueles 3 segundos de hesitação, que nunca se sabe...] Pode dizer.
E eu disse.
- E agendar dia e hora para ir alguém visitar o local e fazer um orçamento, quer?
[aqueles 3 segundos de hesitação, que nunca se sabe...]... Sim.
Agora estou sem saber que tipo de pessoa esperar. Ninguém? Um Yeti?

28/06/2018

Cometi um delito, fui indiciada, julgada, condenada, e até acho que estou a cumprir pena

Foi a primeira vez que usei a aplicação da Emel, e mais valia ter sido a última, que me deu uma daquelas sortes que valem um mínimo de 60 pacas, mas ao contrário, em que és tu - no caso, eu - que pagas.
A desculpa é sempre a mesma: muitas tarefinhas somadas, muitos horários para cumprir, muita coisa ao mesmo tempo, a acrescentar a outras preocupações e tristezas várias. Pode ser cansaço, pode ser só a falta de sol, pode ser o desânimo próprio do Outono (leram bem), mas a verdade é que não vi o sinal que indicava o lugar de estacionamento destinado a pessoas com mobilidade reduzida. Logo eu, que tenho o maior respeito por quem teve menos sorte que a maioria, que sigo a máxima "sabes como nasces, mas não sabes como morres", de entre outras filosofias de vida que me demovem de deixar o carro nesses lugares (medo da multa, por exemplo). Mas, naquele dia, deixei. Estava parada num semáforo, andava à procura de sítio para deixar o carro numa zona impossível (vermelha), olhei para trás e vi aquele oásis. Tão inocente estava esta criminosa, que até paguei o parquímetro e tudo. E lá fui à minha vida, descansada dela.
Vai na volta e tinha lá o envelope vermelho, que assim à primeira vista parecia uma carta de amor, aquelas que já ninguém escreve e que são ridículas. Afinal, era a notícia de infracção derivada da distracção. (Ainda acabo poeta popular, eu.)
Com alguma demora - cerca de um mês - lá meti sandalinhas ao caminho e dirigi-me à Loja do Cidadão, aquele local heterogéneo em que o povo se exalta amiúde, e que mata umas estranhas saudades do Arquivo de Identificação Civil e Criminal de Lisboa, que eu ainda sou desse tempo.
Chego lá, toda eu munida de documentos, o rapazola chama-me com um sinal de cabeça, à laia de engate (parece que "o sistema" tinha ido abaixo), e eu apresento-me, dizendo apenas a verdade, somente a verdade e nada mais do que a verdade: que vou ali pagar uma multa. Sento-me no banco na cadeira dos réus, mas está tão quente da peida anterior, que me levanto logo e reclamo da falta de comodidades da dita. Vai ele e pede-me para verificar os documentos, e eu dou-lhe o papelote identificativo de Rosinha (que dantes se chamava livrete, mas agora não me apeteceu escrever a palavra documento outra vez). Pede-me a carta de condução e pergunto-lhe se é para me aplicar outra multa (há-de ter-se sentido investido numa autoridade que não tem, já vamos ver porquê), desta vez por condução sem carta. Diz que não, mas também não esclarece que não tem poderes para tanto. Pede-me, então, o cartão de cidadona, diz que para identificar o condutor, e eu já arrependida de não ter levado comigo uma dessas pessoas que têm carta mas não conduzem. (Esse serviço até no OLX se deve vender, e por menos de 60 europeus.)
Emite-me a nota de culpa, eu assino tudo, se não de cruz, pelo menos de olhos vendados (oh pá, metaforicamente, não é?), e ele avisa-me que terei, como pena acessória, menos dois pontos na carta, durante dois anos. Fico cabisbaixa, a simular o semblante do recém-condenado, mas tal deve-se sobretudo à ignorância dele. No entanto, cumpro o meu papel até ao fim e à risca: quando me pergunta se me tenho portado bem (no trânsito?), respondo: Lindamente. Claro que não lhe revelo a minha pequena irreverência diária (uma contramãozinha num parque de uma grande superfície, um amarelo que se me abre a dois metros de passar o semáforo e me grita "passa-me, se fores mulher!", uns 60 km/h na cidade. Mas quem não, que atire a primeira pedra. (Pronto, parou. Esta parte era só a brincar.)

27/06/2018

Eu tenho problemas com tudo # 32

Isto, quem se mete em obras, já sabe que enverga, consciente e simultaneamente, uma camisa de sete varas. No caso da minha, não sei por que obra e graça, a tal camisa não passou de cerca de uma vara - e provavelmente nem teria nenhuma, não fora a cena do nicho -, o que, nos dias que correm, bem posso levantar as mãos aos céus, limpá-las à parede, ou tudo menos deitá-las à cabeça.
Porém, uma obra, para ser tida e reconhecida como tal, tem que ter subjacentes as chamadas "derrapagens", que é quando o prazo de uma das empreitadas desliza, patina, e se estende ao comprido, exactamente como na patinagem artística. Também sei e reconheço que há incumprimentos de prazos por conta e risco do dono da obra, que muda de ideias a meio, que não cumpre, ele próprio, com a sua quota-parte (designadamente a dos pagamentos), que entra no delírio do mármore de Carrara, quando devia era meter vinílico, ou então entra no "já agora" (já agora, pintamos a casa; já agora, mudamos os interruptores; já agora, mudamos os puxadores), etecetera.
E depois, há as contingências, os imprevistos: o cano que estava podre, o rodapé que não se aproveita, o estore que mais vale deitar fora.
Mas explicai-me o pessoal que, não tendo nada a ver com obras, mas até tendo, poderia ganhar alguma coisa com elas, porém não quer. O que dizer de uma empresa de limpezas à qual me dirigi pessoalmente, disse ao que ia, pedi visita ao local para orçamento, ficaram com o meu contacto e, passados quatro dias, uma vez sem resposta, lá voltei, lá repeti o recado, lá me disseram que sim, que haviam de ligar-me a marcar a tal visita, só que, entretanto, passaram mais quatro dias e nem ó burro queres água? É este povo que atrasa não só as obras, como também o trabalho e a vida de toda a gente. (Parecem aqueles condutores que conseguem a grande habilidade de percorrer dezenas de metros a 20 km/h, pastando - melhor dizendo, apascentando - calmamente a sua vaca.) Vivem de quê, afinal? Mais uns que atiro directamente para a categoria só-a-mim-não-me-saem-empregos-destes.

26/06/2018

finas fronteiras

Diz que tem um companheiro, mais novo que ela dez anos, mas não se alonga. Tanto me incomoda a postura, de solidão camuflada em autoestima exacerbada - falando de si mesma a cada frase, usando o "eu" para início de qualquer conversa -, como me enche de dó vê-la derreter-se por si abaixo. O excesso de maquilhagem e de produtos de cosmética derramam-na dramaticamente: o gel colocado sobre o curtíssimo cabelo perde força, a base espalha-se em ilhas pouco pacíficas pela cara afora, a tinta das pestanas solidariza-se em molhos empapados, o bâton, de um vermelho insuportável, ceifa trilhos ao redor dos lábios, atingindo-lhe os dentes sem piedade.
Quisemos marcar um almoço de grupo do qual ela também faz parte, trocámos contactos, e ela que não, que "Eu privilegio o contacto directo, eu gosto de falar com as pessoas cara-a-cara, eu prefiro assim", então tudo bem, faz lá como entenderes, desde que consigas lá chegar no dia e à hora combinados, e, se não, problema teu.
Puxou-me então de lado, sussurrando-me por entre a papa vermelha que já se lhe formava na boca: "Eu dou-te a ti o meu número. Mensagens e grupos, é que não gosto". Depois fez uma pausa, os molhos de pestanas pintadas de negro baixados, "É que o meu companheiro é muito ciumento, e já tive grandes chatices por causa disso".
Como é fina, a fronteira da violência.
Como é fina, a fronteira entre a vaidade e a solidão.

25/06/2018

Dúvidas que me assaltam à mão armada, logo assim pelas 11 da madrugada

(Rimou e é verdade.) (Quem rima sem querer, é amado sem saber.) 

Quando falo e o resultado daquilo que procurei transmitir é igual a zero, tal poderá dever-se a um destes factores:
1. Não me diz entender;
2. O meu interlocutor não me ouviu;
3. Falei demasiado baixo/ educadamente/ numa linguagem excessivamente elaborada, metafórica, indirecta, estrangeira;
4. Tenho problemas de dicção (dos quais nunca me apercebi);
5. Estou rodeada de pessoas com défice auditivo;
6. Quando eu falo, ninguém baixa as orelhas;
7. O meu interlocutor não compreendeu o que eu disse;
8. Não repeti vezes suficientes (naquela de água mole);
9. Talvez tenha que insistir ad nauseum, assim como se faz com as crianças, cujo lema é "Ralha-me, mas não me ignores";
10. Um pouco de todas.

23/06/2018

Cycling, uma experiência esmagadora

Na pendência do dia de ontem, fui-me a uma aula de cycling. 
Tudo isto, porque tenho a PDM que sou a mãe mais fixe do pedaço (constituído por meu lar), e não consigo dizer que não, incapacidade que detenho para aí desde que corrigi o vício, logo após ter aprendido a segunda palavra de todo o meu já extenso vocabulário. (A primeira foi "pai"; a segunda foi, exactamente, "não".)
À chegada, o instrutor perguntou aos cerca de quarenta da enorme sala, quem é que estava ali pela primeira vez. Só eu e outra levantámos o braço, mas, por alguma razão que não me assiste, ele só se acercou de mim para me dar explicações acerca do funcionamento da máquina (bicicleta — cujo nome é uma metáfora, já que não tem rodas — estática). (Há-de ter pensado, "Aquela senhora tem uma alta probabilidade de faleceri, deixa cá dar-lhe uma aula teórica, e assim isento-me já de responsabilidades".)
O ar condicionado estava avariado, o que, passe o pleonasmo, condicionou grandemente a minha performance. 
De resto, correu tudo mal. O selim é uma peça claramente congeminada pelo Cão, ou por um torturador profissional (que, como se sabe, são uma e a mesma pessoa), coisa para esmagar uma determinada zona do corpo da humana, a níveis olímpicos, tal e qual um esmagador de alhos. (Dei comigo a olhar para os meus companheiros de Volta e a temer pela masculinidade deles, se é que algum ainda a conserva.) Tanto que, nos momentos em que o instrutor mandava pedalar de pé, cá o ser era a primeira a elevar-se e a pedalar, ou sei lá a fazer o quê com as pernas e os pedais. 
Ao cabo de quarenta e cinco minutos de senta-esmaga-aumenta-a-intensidade-pedala-de-pé, e muitas gotas litradas de suor escorridas, a tormenta acabou e foi possível apear-me e até ser cínica e mentirosa, quando o mestre me ordenou/pediu/perguntou/afirmou, "Isto é para continuar", "Claro que sim", de cara deslavada e suada, e toma lá bacalhau.
Um dia, à chegada ao Purgatório, Alguém me perguntará: "E tu, filha, o que fizeste tu de bem?", "Ai, eu fiz cycling durante quarenta e cinco minutos para ser querida com uma filha". E certamente levarei dois merecidos pares de estalos, com a palma e as costas da mão, "Vai para o Diabo que te carregue, que isso é coisa para te fazer merecer o Inferno".
Vá que hoje não tenho dores. Devem estar reservadas para esse momento.

21/06/2018

Notícias da obra esperta

Vai de vento em popa, ou em proa, pois que ainda não está terminada.
Fizemos tudo como manda o figurino. Já não é a primeira vez que fazemos obras em casa, pelo que, desta vez, tivemos o cuidado de agendar, planear, escolher, encomendar, envolver arquitecto e projecto, contratar mestre de obras e equipa recomendadíssimos. 
O projecto, quanto à casa-de-banho, incluía a construção de um nicho, rente à banheira, para arrumos, de toalhas ou cosmética. Assumo aqui sem pudor - designadamente por se tratar da privada - que nunca fui muito amiga de nichos. Pode ser algum trauma de outra encarnação, mas é que é um vão em vão, um buraco, uma cena à parte do resto de uma divisão, sem porta e, quantas vezes, sem janela, que me causa uma claustro que anda rés vés com a fobia, para além da absurda inutilidade que constitui a coisa. Para que genitais serve um nicho, a não ser para meter umas plantas, eternamente infelizes, praticamente entaipadas? Eu sei que sou esquisita, mas é assim que vejo a cena.
Ainda assim, e pelo facto de ter trezentas mil merdas para decidir no espaço de um mês (fora todos os meses anteriores aos do início da obra, e as semanas que se seguirão no após), deixei que o nicho fosse adiante. Confesso que nem pensei muito sobre o assunto, como faço com quase tudo. Não. Há. Tempo.
Então, ontem à noite fomos de visita à obra, o ser humano entra na casa-de-banho (ou na ruína da que foi) (ou no que será a), e só não tem um stroke porque ó-pá-não-era-a-minha-hora: o nicho era um par de grossas paredes paralelas, com uma distância livre entre si de não mais de vinte e cinco centímetros (na qual eu guardaria, talvez, toalhas de bidé, objecto de culto traseiro que deixei de ter), e que, ainda por cima, furtava espaço ao cagadócio, que é, como se sabe, senão o, pelo menos um dos motivos principais pelo qual as pessoas têm casa-de-banho, pese embora o nome.
Olhem, mandei destruir o nicho.


19/06/2018

Onde é que está o gato?

Conformada com o facto de termos (todos, a união diz que faz a força) deixado de ter Primavera, num muito pouco alegre goes-around-comes-around, Inverno-Outono-Verão-Inverno-Outono-Verão, e assim sucessivamente, que não, a ordem dos factores não é arbitrária, e após ter amargado com a canícula do dia de ontem, suando as estopinhas e todos os outros tecidos que me envolviam (designadamente o de um muito famoso vestido de flores, que se mantém impecável ao nível dos vincos e rugas — ao contrário da pessoa humana — pelo facto de ter um nico de fibra na sua composição, e, por esse motivo, ainda me fazer suá-las mais), e ainda aliviada por dar a entender que isto hoje estão menos dez graus do que ontem, deu-se que tomei a se não dramática, pelo menos drástica resolução de envergar um vestido branco, a ver se afastava os raios, complementado, não encimado, pela bela sandália que imita a pele da cobra, e que também já aqui publicito desde os anais (desta coisa), eu feliz a fazer contas de cabeça — aquele conceito que sofre várias variáveis em se tratando de mim —, tentando chegar à conclusão de quantos anos é que as cobrinhas já levam, acho que vão para o quinto Verão, congeminando que — genitais! — cinco anos numas sandálias já faz delas uma peça do Museu de Arte Antiga, mas também um objecto de culto e comprovada amortização, quando ouço miar. Era um miar sob mim, um miar de gatinho bebé, um miarinho. À medida que continuava a andar, miau-miau debaixo dos meus pés. Antes mesmo de ter a veleidade de imaginar que havia gatinhos sob a calçada portuguesa, apercebi-me que uma das sandaletes agora mia. Não sei se a outra se vai solidarizar, e passarei a andar com dois gatinhos no lugar das cobras, se isto passa, se me habituo e deixo de ouvir, se virá uma mãe gata tirar satisfações com o meu pé um destes dias, ou se, de facto, e efectivamente, tenho um gato dentro, sob, sobre ou através da sandália. Mas está a ser animado, ter um animal de companhia constante, na rua inclusive.
Pronto, desculpem. No fundo, não tinha mais nada para dizer ao mundo, hoje. Nem nunca, na verdade.

16/06/2018

Ainda não foi hoje que enlouqueci

Enquanto sentir vidros debaixo dos pés

Na verdade, não sabia que título pôr a isto. E também não tenho nada para dizer, vim cá só varrer os cantos, arejar a casa, ver se está tudo bem.
Mas é verdade que ainda não foi hoje que enlouqueci.
Casa em obras; a viver noutra casa; sem máquina da loiça; um estendal que não comporta uma máquina; empregada de férias [pronto, lá vou perder uma seguidora. Fazei como entenderdes, eu não posso fazer nada contra o facto de ter empregada e de ela, apesar de falar pelos cotovelos, pelos tornozelos e, em geral, por todas as articulações, me dar muito jeito], uma prova para fazer daqui a horas [umas 36, vá, com sono, refeições e trabalho de permeio], acompanhada da sensação certeza de que fui brindada à nascença pela ignorância, e que devia reprovar [aka, repetir a prova], se justiça existisse neste Mundo; trabalho com prazo a correr contra mim, qual locomotiva; depois da chuva em Junho, agora o vento; ontem, numa breve pausa que me impus, comi areia esfoleei os dentes.
Não sei mais de que me queixar para pintar este quadro de ainda mais negro. 
Enquanto sentir vidros debaixo dos pés, foi uma frase por mim proferida, a propósito de uma garrafa de vidro que se estatelou no chão desta minha agora cozinha [uma ou várias desgraças nunca vem/vêm só(s)], e passei a sentir a vidraria moída sob meus chanatos, daí a frase, que tanto gostei de ouvir a mim mesma, que equacionei até a possibilidade de escrever um livro com este título. Só não sei sobre o quê.

15/06/2018

Casa de azul

Era toda azul, a nossa casa. Não, faltavam - falhavam - o nosso quarto e o quarto das meninas, brancos. Toda em remodelação, toda em vias de ser pintada de novo, então de que cor?, mantemos tudo como estava?, mandamos pintar toda de branco? Que não, que queria o nosso quarto em azul, também. Não percebo uma casa azul, minha, um quarto branco, meu. 
Fui às tintas, vi cinza mesmo quase branco, vi bege mesmo quase branco, vi azuis. Então, casa toda branca e o nosso quarto azul? Ou toda branca? Ou toda azul, e os quartos brancos? 
O "meu" azul não existia na loja das tintas. 
Era branco-azul, lembra-se?
Não está no catálogo, não está no sistema, só faltou perguntarem-me se sonhei com aquele azul.
Vou trazer uma amostra, e os senhores fazem a cor, fazem?
Que sim, traga lá uma tampa da electricidade, qualquer coisa onde esse azul esteja (exista, sem ser na sua cabeça).
Eu queria tanto o quarto de azul. Não o quarto azul, não o quarto em azul. O quarto de azul.
Não percebo essa mania do azul.
Eu também não, mas gostava...
Seja, fica azul.
Vou ter a casa toda de azul, daquele mesmo azul com que sonhei e que, afinal, existe na loja, bastou levar uma coisa onde esse azul esteja
(Só o quarto das meninas se mantém em branco-branco. Mas isso não significa que toda a casa não fique de azul.)

12/06/2018

Daquilo de o Google não nos notificar dos comentários

Estava eu entre o desmoralizada e o conformada, justamente por, não sei se com justiça ou não, não receber comentários há bastantes dias, quando resolvi calçar a tairoca, meter a cestinha no braço e ir colher flores lá para as bandas dos comentários a aguardar moderação. E passavam eles dos vinte, môres. Vinte! Vós não me haveis abandonado à minha sorte macaca!
Vou agora publicar tudo, mas não tenho vagar, apesar da disposição e da vontade, para responder a todos neste momento. Mas fá-lo-ei, é irem espiolhando.
Os meus agradecimentos a todos, aos quais se juntam os meus pedidos de desculpas, em nome do coiso, que o problema é ele, não sou eu.
Cá beijinho a uma vossa criada. 

E aquele momento, também um bocadinho awkward, em que te sentes um génio, mas sabes que isso só vai durar cerca de dois segundos e poderá ser único na tua vida?

Éramos apenas oito, e mais o mestre. 
Súbita e inesperadamente, diz-me ele assim para mim:
- Dúvidas, tens?
E eu que sim, pois se toda a minha existência é uma redondinha e opaca dúvida, quem sou eu para não ser assaltada por nenhuma quando se trata de gramática? 
- Então, no imperativo, só quando é na negativa é que o verbo se mantém no infinito, porque na positiva é conjugado no tempo certo, não é?
Ao mestre só faltou levantar-se e bater-me [calma] palmas, aliviado e feliz porque nesta bela cabeça entrou uma regra; aos outros sete, só faltou terem que ir buscar os queixos aos sapatos. 
Subestimam-me. 

10/06/2018

And that awkward moment # 48

em que estás numa aula de dança, aquelas mesmas que têm fama de "não se suar nada" — e sim, antes que perguntem e eu não saiba como responder sem me enterrar, titubear ou enveredar pela mentira deslavada, esta pessoa humana maquilha-se antes da actividade, porque lá está, dançar feia e pálida e com cara de dia seguinte aos santos populares não está nos seus projectos mais longínquos, e, assim, colocou um pouco de iluminador —, e notas, através do espelho onde, no teu delirante imaginário, és uma dançarina exímia e de uma beleza avassaladora, que tens uma lâmpada acesa na testa? E é que ainda te ocorre que oh!, estás a ter uma ideia brilhante, pára tudo, mas o que é?, queres ver que são os números do Euromilhões?, a cura para a piolheira? o método cabal com vista ao definitivo irmanamento da meia desirmanada?, mas, afinal, é a cintilante luz provinda do teu suor, e a única ideia luminosa que poderias ter tido — não colocar o iluminador, passe a redundância —, não tiveste?

09/06/2018

Fato azul, com amor

Tínhamos que comprar toda a indumentária para ele levar vestida ao baile de finalistas. A mais clássica e "beta" que tinha - calças bege, camisa azul e sapatos de vela - não era apropriada para a ocasião, e constatámos com simulada preocupação e indissimulável alegria que teríamos que ir juntos às compras.
Eu sou assim uma espécie de homem nessa matéria: sei ao que vou, onde vou, e é muito raro perder tempo de pesquisas e buscas infrutíferas. Falta-me o tempo, falta-me a paciência e já sei que, se vou sem rumo, fico perdida nas lojas, como uma criança pequena que não sabe da mãe. [Tenho este trauma de infância, entrava nos armazéns com a minha mãe e perdia-a imediatamente.] Também nesse aspecto nos damos como Deus e os anjos. Ele, desconheço se por razões hormonais, mas o que é certo é que comigo também é assim, impacienta-se nas lojas, sobretudo se tiver que correr muitas e estiver mais do que dez minutos em cada uma.
Entrámos no Centro, fomos à loja que eu tinha sugerido - em alternativa àquela outra onde "os meus amigos compraram os fatos deles lá" -, consensuais na cor do fato - azul, está bem de ver - rumámos ao expositor dos fatos e ambos agarrámos naquele azul. À entrada dos provadores, tive que justificar que entrava com ele, "sou a mãe" (não fora dar-se o caso de ser alguma coogar assanhada, sem outro poiso onde explorar os recantos do menino.) (Enfim, tão distraída que estava a "polícia dos costumes" connosco, que não deu pelo casalinho que se enfiou num provador, com a desculpa de marcar as bainhas de umas calças ao homem, e por lá ficou, de cortina fechada, o tempo e para o que lhes apeteceu. Mas eu dei.) Escolhi-lhe o tamanho certo, que lhe caiu como uma luva, pagámos e saímos. A compra dos sapatos em nada diferiu deste esquema, a da gravata foi ainda mais rápida, com ele sempre a dizer "confio no teu bom gosto": escolhi-a sem ele, uma gravata cinzenta de pintinhas brancas só para "fugir" ao azul (noção que, aliás, desconheço).
No dia do baile, ele era o mais bonito. Não precisei de verificar todos os outros, um a um, para tirar esta óbvia conclusão. Ainda assim, quis levá-lo ao ponto de encontro do transporte que os levava a todos ao local do baile. À saída do prédio, dei-lhe o braço e fui sincera quando lhe disse: "Estás tão giro, agora é que toda a gente vai dizer que a velha sustenta o rapazola". Ele naquele sorriso que me aceita assim mesmo, desconexa e inconveniente, "Cala-te, que me estás a pôr nervoso", como se não estivesse já nervoso.
Vi meninas de vestidos armados até aos pés, cabelos armados cabeça acima, com colas e lacas insuportáveis, caras frescas inutilmente armadas em maquilhagens compactas até ao osso. Observei os outros rapazes e confirmei o que já sabia.
Depois contou-me que esteve no ranking para o melhor fato, mas perdeu a competição para o que levava a gravata mais ridícula (porque são adolescentes e faz toda a lógica eleger o mais feio no lugar do mais belo).
Guardo também para sempre os olhos dele, à saída do carro, enormes e lindos para mim, "Obrigado, madre".
Obrigada a ti, filho. Tu és (e serás) sempre o mais bonito.

07/06/2018

Candura

Ao longo de toda a arborizada rua, a cada dez passos, vejo pregado um pequeno cartaz, anunciando “Procura-se”, com a fotografia do que, à distância, me parece ser um papagaio. Aproximo-me para tentar perceber, e é quando verifico que, afinal, existe alguém neste mundo que, inconformado, procura o seu periquito perdido. 
Esta candura comove-me; esta crença espanta-me; esta esperança acalenta-me.
Dou por mim, dois dias depois, a sair para a rua e a perscrutar os céus, em busca do pequeno pássaro. Quem sabe uma coincidência, ele há golpes de sorte, pode ser que... O céu devolve-se vazio, mas eu não deixei de acreditar.
É que este amor, eu entendo.

05/06/2018

Numa escala de zero a dez, quão estranho é o teu gato? # 17

A nossa casa entrou em obras e, para tanto, tivemos que mudar para outra enquanto durar a intervenção, para além de ter sido necessário despejá-la completamente de móveis e tarecos e lixo. Não faço uma descrição do que foram os meus últimos dez, quinze, vinte dias, porque vos escrevo através de Ai-fostes (até o computa mudou de lar) e postar uma posta é muito mais lento e custoso e, lá está, NMPPI. No entanto, tudo isto me faz sentir a genuína blogger, a obrar a casa (e não na casa, calma, embora também, a seu tempo, pois que a pessoa é humana, ou animal, ou lá o que é). Só não estou a ver bem o que será o regresso, a remudança, o reinstalar. Mas quem viver, verá.
Vai daí, dali e daqui, transportámos as duas gatas connosco, apesar de ter chegado a desejar que os homens da mudança as encaixotassem também ou os da obra as aguentassem lá com eles, mas ambas as soluções me pareceram inviáveis, uma vez que, sendo ambas ferozes e territoriais, iriam destruir tudo à sua volta, em qualquer das hipóteses.
O grande problema é que elas se odeiam, ou, pelo menos, parece. Quando a Molly foi adoptada, tinha cinco semanas e a Mia já tinha sete anos e era, digamos, animosa e pouco receptiva à novidade de um gatinho hiperactivo. Assim, viveram separadas todo este tempo, porque a minha casa tem uma porta que divide o espaço em dois, metade da casa para cada uma e fez-se a coisa irmãmente, num feliz e mais ou menos pacato muro de Berlim. 
Sucede porém que a casa de recurso não tem essa valência, pelo que se deu a queda do muro em menos de nada: as gatas estão juntas, partilhando o mesmo espaço, e, ou porque lhes é estranho a ambas, ou porque efectivamente não se odeiam, ainda não brigaram uma única vez. A mais nova, agora com dois anos, bufa para a mais velha, de nove, cada vez que se encaram frente a frente. Isto, apesar da soberana indiferença da Mia, que só falta fazer rolling eyes. Mas dormem tranquilas no mesmo sofá, comem da mesma malga, aliviam-se na mesma areia. No fundo, cada macaco no seu galho, ou cada uma conhece bem o seu lugar.
Quando voltarmos os oito para casa, a porta de intersecção (separação) estará definitivamente escancarada. 

04/06/2018

Nutro uma espécie de miminho e manifesta admiração

pelo povo que - embora não lavando no rio e, consequentemente, não talhando com seu machado as tábuas do meu caixão - obriga a que exista uma fila à direita nas passadeiras e nas escadas rolantes (regra que não está escrita em lado nenhum), e a da esquerda lhes fique liberta, para que possam passar, veloz e atleticamente, “có-licença-có-licença”, nomeadamente quando, logo ao lado, existe uma passagem de escadas não rolantes, ou mesmo uma passadeira parada, por onde poderiam exercitar a musculatura e dar largas e compridas à tal da pressa. Por mim, que só não empato quando não posso, estaciono o carrinho do supermercado exactamente ao meio da passadeira, pois não há nada que me tire aquele bufar de impaciência na minha nuca. Cada um tem seus fetiches, e este é o meu.
(Devem ser os mesmos que atravessam em diagonal nas passadeiras. Ou que se metem pela direita, sem pisca, pisando o traço contínuo. Ou que tentam passar “subrepticiamente” à frente em todas as filas que apanham. Os outros que esperem, o Mundo que pare, porque eles têm pressa.)
(Mas que mal fizeram as mãezinhas destes entes para estarem sempre na forca?)

03/06/2018

Não é não

A não aceitação de um não, apelidando quem o profere de burro e ignorante é um estádio da evolução humana próximo dos três anos de idade, em que a criança só consegue entender o seu próprio não como algo definitivo, reservando para o não dos outros um carácter temporário ou provisório.
Por mim, durmo muito mais descansada se souber que sou “governada” por um legislador que, não se achando capaz de se pronunciar sobre um determinado assunto, designadamente se se tratar de algo mais debatido nas redes e na blogosfera do que nas comissões, simplesmente não o faz.
Burrice e ignorância não será antes nunca ser capaz de sair das birras dos três anos, não aceitando um não tal como ele é? Um não.