Encontrei-a um dia, quando andava perdida. Trazia com ela todos os cabelos desfiados, o olhar pregado a pregos, carregado de tinta negra, ensopada de desgosto, e dizia por todos os gestos que tinha muita vontade de morrer. Só parecia ainda não ter decidido de quê — se de frio, de fome, de calor, ou de sede. Talvez tivesse que ser de uma necessidade básica, que lhe sumiam as forças para que fosse de algum modo épico ou trágico, e não havia uma causa natural que lhe pudesse valer naquela aflição. No peito alojara-se um amor maior, que a consumia da carne ao osso, dos olhos ao coração, do andar à respiração. Nesse dia eu estava médica, e não lhe disse, para que não tivesse esperanças infundadas. Mas percebi que ela estava a morrer-se de coisas muito incorpóreas e incuráveis, uma espécie de desalma — de saudades, de tristeza, de amor desamado.