Toda a gente me faz propostas indecentes.
(Também tenho uma propensão marginal para ser transformada, contra a minha vontade, pelo menos consciente, em confessor de tudo o que é vergonha e drama existencial mundial e mundano. Sou uma vítima de mim mesma, no fundo. Não tivesse eu esta cara de padre-psiquiatra-tonta-da-aldeia, e teria uma vida muito mais, se não fácil, pelo menos facilitada.)
Entro na casa de cafés da Nestlé*, ponho a máquina desfalecida em cima do balcão, que levo num saco de plástico, amarrado como uma trouxa — e com o qual atravessei o shopping todo, ah, se estivéssemos em Paris, mon amour, onde mora a civilização, não haveria força policial que não me interceptasse, mas aqui neste país à beira-mar plantado, mais concretamente nesta menina e moça à beira-mar estendida, é sempre esta desolação —, anuncio que a levo avariada e que pretendo a sua reparação. O funcionário pede-me autorização para fazer um pequeno diagnóstico à enferma, entro nos delírios do costume, com vontade de fazer perguntas absurdas [Mas vai doer? É preciso assinar alguma coisa? Vão dar-lhe contraste? Quando é que tenho o resultado?], mas calo-me, depois de anuir. Vem de lá ele de volta, com a minha pobre máquina inerte, um papel A4 em duplicado, um ar pesaroso, e pergunto, absurdamente:
- Está mesmo avariada?
Responde-me com um silencioso abanar de cabeça, e respeito-lhe o silêncio, engolindo um litro de saliva pela mera perspectiva de ter que comprar uma nova (e já a preparar o discurso "Vou mas é para a Delta**, aqui não me apanham mais, que ando farta desta cena da boutique!"). Apresenta-me a papelada para eu assinar, mas antes faz-me saber que existem duas formas de pagar o tratamento:
- Ou a senhora paga 19 euros quando vier levantar a máquina, ou adquire já duzentas cápsulas e não paga nada.
- Duzentas? Isso é quanto? 60 euros?
- 75.
Há-de ter sido diante da minha cara n.º 4 que ele se explicou:
- É que, assim, a senhora fica com um bem que, mais tarde, ou mais cedo, iria consumir.
- Iria. Mas pagar e morrer, quanto mais tarde, melhor.
Concluo que não dou para economista, uma vez que sou incapaz de fazer este tipo de poupanças. Mas isso pode dever-se à tal propensão marginal.
* Ninguém me paga para me calar.
** NMPPI
75-19=56
ResponderEliminarCostumas comprar 200 cápsulas [isto é que é vício!] por 56€? Não?
Então ainda ficas a ganhar a máquina ter avariado. :)
É verdade, Té. Mas eu tenho uma enorme resistência em comprar antes o que não preciso para já. Isto, ainda a propósito do post anterior. Faz-me uma certa confusão acumular para prevenir (nem que seja uma poupança), ou ainda mais ver-me obrigada a pagar alguma coisa por antecipação de uma despesa.
EliminarCoisas de velhos sovinas :)
Ora, sim, ficavas com um bem para consumir numa máquina que já avariou uma vez... e se avaria uma segunda, ou até mesmo entrega a alma de vez ao Criador, antes de gastares as 200 cápsulas? Lá se ia a poupança :)
ResponderEliminarLá está, Ratinho, obrigada. Eu nunca sei o dia de amanhã (alguém?). Sei lá se deixo de tomar café. Sei lá se estou viva daqui a bocado.
EliminarE depois, também gosto mesmo é de entrar em contramão nas manobras de marketing dos outros... :)
Minha Blue
ResponderEliminarEm Paris é que tu eras bem tratada.
Parece que aqui ninguém te compreende, como à Camille Cludel.
É combinarmos.
Beijo, Shark
É por sermos primos o pronome possessivo, meu Shark?
EliminarMas olha que é muito verdade isso que dizes. Não sendo um génio, sou uma incompreendida (já meio caminho andado para a genialidade).
Bem me parecia que tu gozavas da classe parisienne, unmistakeable, como diriam os americanos.
Já tens os bilhetes (eu vou de combóio...)?
Beijo
Já me ri .
ResponderEliminarLinda és um tratado .
E tens toda a razão ...esses negócios tipo obrigação ( mas alguém lhes pediu alguma coisa ? )
Comigo seria igual .
Vai mas é para a Delta ! Sempre a bombar, melhor café e não avaria !
De acordo, a Delta tem o café mais saboroso. Não sei como me meti na cegada das boutiques...
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