Veio a auxiliar chamar-nos à recepção, pois o exame era feito uns pisos abaixo, uns corredores afora, após curvas e contra-curvas pelo hospital, através das quais, sem croquis ou GPS, provavelmente, muitos se perderiam. Ou porque já tenho a estrela do perdido invisivelmente colada na testa, alguém há-de ter tido o bom-senso de solicitar os préstimos a outro alguém que me conduzisse ao RX, antes que houvesse uma emergência no hospital, que ironia.
Ao contrário, ela não precisava de condução, pois estava acompanhada pelo filho, que, pesadamente, pesarosamente, empurrava a cadeira de rodas onde ia sentada, touca de lã na cabeça a não deixar adivinhar vestígio de cabelo, rosto encerado pela doença sem réstia de pêlo.
Segui pelos corredores até ao elevador, e de lá por mais corredores, a passo moderado pela culpa no meu contraste saudável, refreando firmeza, fintando o pisar tonificado, evitando denunciar pressa ou enfado. Acompanhei, assim, os dois, procurando quase desesperadamente acertar o meu ritmo com o deles. À medida que a caminhada avançava, apercebi-me que os meus passos se tornavam mais sentidos, cada vez mais dolorosos, e, quando chegámos à sala de exames, profundamente incapazes de continuar.
Ela fez o exame primeiro, naturalmente, e, quando acabou o meu, encontrámo-nos na porta de saída dos gabinetes lado a lado que havíamos ocupado, esperando por outro funcionário que nos levasse de regresso à luz do dia. À pergunta para onde é que queríamos ir, respondi,
Para o parque de estacionamento, para casa,
e o filho dela respondeu por ela,
Para a oncologia.
Nesse momento, o técnico veio ao corredor e perguntou-me — apenas a mim,
Fuma?
Na mesma medida em que poderia ter perguntado Droga-se? Bebe? Ama? Diverte-se? Vive?
E eram ainda mais pesados, mais arrastados e mais doridos os meus passos, no alto do salto alto, quando atravessei o caminho que me levou até ao carro, e, dali, para a luz.