Lembrei-me hoje da cena mais trágica de encurralação humana a que assisti em toda a vida, teria eu talvez catorze anos e ela quatro. Era fruto de um casamento muito recente e muito desigual em termos etários, podendo o pai ser avô da mãe, pessoa ríspida, seca, autoritária, sobretudo com ela. Desconheço as razões para aquele tratamento, ora excessivamente carinhoso — porque isso também existe; apelativo, mesmo, impositivo, é o termo certo —, ora de uma violência inesperada e inexplicada. Já naquela altura, imaginava que alguns anos de segunda escolha por parte do marido, a educação sozinha daquela filha até ao momento, a distância de idades para com o pai dela, incapaz de as acompanhar em toda e qualquer actividade familiar — quanto mais na cama dela —, a juntar a uma doença epiléptica mais ou menos controlada, tudo seriam contributos para uma personalidade tão instável e tantos acessos de raiva mal contida mesmo nos momentos de paz. O pai, recentemente saído de um casamento que durara toda a sua vida, era um pouco mais benevolente, talvez aquela benevolência de quem já baixou os braços e
prefere abster-se, evitando aborrecimentos maiores.
A mãe tirou-a da banheira, já ameaçando, já gritando, já ralhando, e bateu, bateu, bateu, até se cansar de bater, pela cara, pelos braços, pelo rabinho, onde a mão pesada apanhou.
Então, vi-a correr, toda nuinha pelo enorme corredor da enorme casa onde moravam, na Alameda, acossada de desespero, na direcção dos braços do pai, que se encontrava no outro extremo do corredor. Ele recebeu-a, sufocada de choro, ralhou mais e bateu mais.
Lembro-me também de ter assistido àquilo petrificada e impotente, estupidamente cúmplice.
Nunca tinha visto uma pessoa tão encurralada, nem nunca mais vi, mas hoje lembrei-me dela.
A mãe tirou-a da banheira, já ameaçando, já gritando, já ralhando, e bateu, bateu, bateu, até se cansar de bater, pela cara, pelos braços, pelo rabinho, onde a mão pesada apanhou.
Então, vi-a correr, toda nuinha pelo enorme corredor da enorme casa onde moravam, na Alameda, acossada de desespero, na direcção dos braços do pai, que se encontrava no outro extremo do corredor. Ele recebeu-a, sufocada de choro, ralhou mais e bateu mais.
Lembro-me também de ter assistido àquilo petrificada e impotente, estupidamente cúmplice.
Nunca tinha visto uma pessoa tão encurralada, nem nunca mais vi, mas hoje lembrei-me dela.
é aqui que me falha o verbo (não que o possua, assim, a montante e a jusante), mas fiquei petrificada, sem palavras, porque visualizei de tal modo, que o texto se transformou num cenário transparente e aterrador. parágrafos doridos.
ResponderEliminarum beijinho, Linda.
Possuis o verbo, o adjectivo do inqualificativo que todas estas cenas são, as que nos deixam a pensar que o espantoso não é que haja tanta anormalidade no mundo, e sim que não haja mais.
EliminarBeijinhos, Mia. Boa noite
Como cresceu essa menina? Como crescem estas pessoas? E nós? Que como dizes, assistimos estupidamente cúmplices.
ResponderEliminarNão sei, perdi-lhe o rasto uns anos mais tarde. Como mãe, se é, não imagino. Há pessoas que não querem repetir o modelo, e é essa a minha esperança.
EliminarPor mim, fiquei com a culpa inerente a todos os cúmplices, Be.
Coitadinha da menina... estas coisas partem o coração a uma pessoa.
ResponderEliminarContinuo sem perceber o que é que uma criança de quatro anos pode ter feito ou dito que "merecesse" semelhante castigo. Demolidor, coitadinha mesmo.
EliminarQue horror :( há pessoas tão estúpidas!
ResponderEliminarNada, nem uma doença mental da mãe, mesmo nada, justifica aquilo a que eu assisti. Vaca.
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