Já em tempos o meu amigo romeno me havia limpo uns riscos no boi (nunca feitos por mim!), com o mero recurso a um papelinho cinzento. Diante do meu espanto, daquela vez, para mo comprovar, foi buscar o papel a uma poça de água no meio da lama e mostrou-me a maravilha com que tinha operado aquela outra maravilha — que parecia mesmo uma borracha, a apagar lápis de papel branco. Na altura, dei-lhe uma moeda, já não sei de quanto, mas não há-de ter sido de muito, visto que as mais altas que existem não chegam para mandar cantar um cego, quanto mais para transformar um cigano em pintor e bate-chapas.
Hoje deixámos de ser amigos, drivados da lata dele.
Saí do carro e dei-lhe a moeda para lhe agradecer o lugar que ele não me tinha arranjado. É claro que o princípio está errado.
Ele veio, naquela fala esquisita de quem só não entende o que não quer, e perguntou-me se eu queria que me tirasse os riscos do carro. Eu, para quem a pressa é inimiga da perfeição, disse-lhe que sim, confiante que ele ia usar o papelote da outra vez. Quando voltei, ele disse-me que já os tinha tirado, e eu ai, muito obrigada, ai que tenho pressa, mais logo falamos, e vai de lhe dar a única moeda que tinha comigo: um euro. Olha a extravagância.
Eu bem vi a cara de parvo com que ele ficou, mas isso pode acontecer aos melhores.
Depois de almoço, volto a deixar ali o boi, e vem ele, todo lampão, a perguntar-me se tinha gostado do serviço. E eu, que ainda não tinha tido três segundos para dar a volta ao carro e verificar o destrago, lá o contornei, ai muito obrigada, ai que tenho pressa, mais logo falamos, e vai ele e diz-me que gastou 15 euros na lata. Como a mim também nunca me falta patuá, respondi-lhe, sorridente, que não lhe pagava a lata, e tuca-tuca, ali fui eu à minha vida.
Eu bem vi a cara de parvo com que ele ficou, mas isso pode acontecer aos melhores duas vezes no mesmo dia.
De volta a meu boi, tenho o amigo pré-inimigo na minha cola, que gastou 15 euros na lata e que, se eu não lha pagar, me tira a tinta que pôs, usando diluente (também já o tinha comprado, que oportuno!), que, por sua vez, me iria estragar a tinta do carro e rebebéu com ameaças deste calibre, que até comecei a ouvir violinos nos telhados circundantes. Oh meu amigo, isto é muito simples, eu não lhe encomendei o serviço, não lhe vou pagar a lata, acabaram as moedas para todo o sempre e, se tiver alguma dúvida, chamamos já a polícia, que isto se esclarece em três palavrinhas apenas. E olhe, passe bem.
Eu bem vi a cara de parvo com que ele ficou, mas isso explica-se com aquele ditado que diz que não há duas sem três.
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