30/04/2016

Diálogos à sombra # 20

Especial Dia da Mãe

(Mas é que, um dia, eles crescem mesmo.)

Diz uma: O que é que queres para o Dia da Mãe? Hipótese A - Uma obra de arte [Porque sabe que eu sou fã número um das obras dela]; Hipótese B - Um Huskie; Hipótese C - Um piercing. Não sei aonde, mas um piercing.
[Mantenho um silêncio casto. Elas conhecem a minha opinião sobre piercings.]
Diz outra: Lá, no sítio de onde tu nasceste, para comemorar o Dia da Mãe. 
[No entanto, é a minha cabeça que funciona sempre em sentido inverso, de pura contramão, não a delas.]
Digo eu: Ela nasceu pela barriga.
Responde a outra: Ora, um piercing no umbigo...
Continua uma: Hipótese D - Pitéu à balda, uma caixa de sapatos só com pitéu do que tu gostas.
[Re-remeto-me ao casto silêncio. Não quero influenciar a escolha, diante de tão rico leque. E também gosto de surpresas.]
E ela recarrega: Oh, wait: uns sapatos pretos, iguaizinhos aos outros doze que já tens, todos iguaizinhos uns aos outros...?

[Posso não ser um génio, mas sou uma incompreendida, como qualquer génio.]

Kickkus das peonas

Também há dias em que acordo com uma maluqueira, e isto é só violência que me assalta o espírito, assim de naifa na jugular e ameaças de a mala ou a vida, e até escolho a vida, que o que me apetece é ver escorrer sangue e fluidos. Não sei onde agrilhoo a Lady Di mais Madre Teresa que me habitam 99% do tempo, mas acho que amarro as duas, uma à outra, amordaçadas com o mesmo trapo, e solto a besta que perfaz os restantes 1%, mas que me ruge por liberdade lá onde só a encarnada figura sabe e perdeu as botas.
Outro dia tive uma ideia mesmo de valor, ideal para fazer face ao problema dos peões que atravessam na passadeira a fazer pouco das condutoras — exímias e (naquele momento) abnegadas —, que lhes dão passagem. Para que passem. Sem os passarem a ferro, que alguns bem mereciam, tal é a atitude displicente e despojada.
Povo: refiro-me àquelas tipas — convenhamos, existem duas classes de peões: elas e eles. E elas conduzem-se pessimamente na estrada, enquanto peonas — que, ao telemóvel, atravessam como se a passadeira fosse uma passerelle, e nós pobre assistência babada com tamanha e soberba beleza, ela própria subitamente assoberbada. Acho mesmo que só não desatam a dançar moonwalk na passadeira, ou não estendem a p. da toalhinha xadrez para fazerem uma m. de um piquenique, porque, ocupadas que estão a discutir com a miga se o Fábio tem interesse nelas ou está numa relação [Jesus, Maria, José, como me irrita esta expressão!], as duas coisas ao mesmo tempo, não dá, não dá, não dá...
Furibundo-me com gente desta, que me passa pela frente do campo de visão, depois de eu ter parado para dar passagem, e se mostra indiferente, incapaz de um aceno, de um acelerar de passo — pelo contrário, desfile exige! —, de um gesto qualquer, que, genitais!, até podia ser um tóino, sempre ficávamos ao mesmo nível de enervamento quando acabasse, finalmente, a travessia.
Então, pensei que seria uma ideia daquelas que só desenvolvida no Shark Tank: o pé de kickboxing incorporado na grelha, exclusivo para essas ocasiões: passava a flausina, tica-tica-tica, telemovelzinho na orelha e ar de caguei, e pumba, uma kickada na nalga, que ia parar ao passeio em, pronto, depois os segundos que cada uma levava, iam depender do terapio da bovina, e já não dos bares com que a máquina estivesse calibrada.

[Devo ter acabado de dizer um ou mil disparates, mas chiu.]

29/04/2016

A Casa do Lago

Tinha ido tomar um café a um sítio chamado Casa do Lago. Conheço, pelo menos, dois filmes com esse nome, marcantes e comoventes: a cena do enfarte do velhinho [Henry Fonda], no primeiro, em que a mulher [Katharine Hepburn] se vira para o céu e pede: Não mo leves, não vês que ele está velho e não precisas dele? Eu preciso muito mais! No segundo, a tristeza dos dois amantes [Sandra Bullock e Keanu Reeves], que não conseguem encontrar-se, por viverem em planos temporais com dois anos de distância um do outro. 
I sometimes feel as I'm invisible. As if no one can see me at all. I never felt that way when I lived at the Lake House.
Quando entrei, senti as narinas invadidas por um cheiro de madeiras queimadas pelo sol, que me apoderou a alma de uma saudade súbita, e me levou de volta a lugares onde fui tão, ou simplesmente, feliz. A memória olfactiva devia ser proibida, culpada de um teletransporte que chega a ser doloroso. 
Já voltava, vezes a mais, a ter cinco anos. No entanto, um destes dias, terei oitenta.
O pequeno restaurante tem, efectivamente, um razoável lago em frente da esplanada, e será essa a explicação para o nome escolhido. Tirei-lhe uma fotografia mal tirada, que a contraluz não me deixou ver, senão quando já estava longe o suficiente para não poder voltar atrás e recuperar a paisagem, levando-a, assim, comigo. Alenta-me a ideia de que há imagens que guardamos pelos sentidos. Assim como tinha acabado de acontecer com um aroma.



Depois, logo no dia seguinte, encontrei-a à porta do prédio onde ambas moramos. Disse-me, com olhos de lago, morreu o meu marido. Fiquei sem saber o que lhe dizer, dentro do espaço de asfixia em que se transformou o elevador, cabine de teletransporte para as minhas próprias perdas. Disse-lhe apenas, e como sempre, o que estava a sentir, enquanto lhe dava beijinhos e lhe passava as mãos pelos braços: Nada do que lhe possa dizer agora vai diminuir a sua perda. Vamos beber um chá a um sítio bonito quando lhe apetecer, e peço-lhe que chore tudo o que tiver que chorar. Então ela disse-me que não conseguia compreender por que é que ficou sem ele, que tanta falta lhe faz. 
Ali, por breves momentos, o nosso prédio foi A Casa do Lago.

UberParents

Soubessem os senhores taxistas a real, exclusivíssima, e inderrotável concorrência que têm nos pais dos filhos, e a marcha lenta de hoje transformar-se-ia num enorme cemitério de táxis. À minha porta, jazeriam dezenas de milhares deles.

* Levas-me ao treino?
* Deixas-me no metro?
* Quem é que me leva à escola?
* Já vou chegar atrasada às aulas...
* Hoje podes ir buscar-me?
* Podes levar-me ao ballet?
* Podias levar-me a casa da Maria...
* Eu queria ir ver o jogo dos meus ex-companheiros, mas não tenho boleia...
* Sabes onde é que mora o João? [Sempre atrás do sol posto]. Vou para lá estudar, mas depois não tenho como voltar...
* Vamos às Amoreiras?
* Queria ir ao Vasco da Gama...
* Vou estudar para casa da Inês, mas estou tão carregada...
* Achas que dá para me deixares na depilação?
* Sabes se está a chover quando eu sair da escola?
* Aceito a tua boleia.
* Volto antes das duas, para ainda apanhar o metro aberto.
* Estou em Santos, ainda vou jantar a casa [21:30].
* Vais para os lados da Baixa? [A Baixa tem "lados", e é um sítio por onde se passa amiúde.]
* Olha, passas pelo Colombo, no teu percurso?
* Queres ir às Caldas um destes dias? [Às Caldas. Da Rainha. Não faltará muito para me perguntarem se passo por Badajoz. Ou Nice. Nice.]

28/04/2016

Velhas máximas sobre os homens que nunca ninguém me ouvirá dizer # 4

Que lindo que fica um homem com os óculos (podem ser de sol) a fazer de bandolete
ou
Que lindo que fica um homem com os óculos (podem ser de sol) pousados no meio da testa

A sério. Cada vez que vejo algum nesse preparo, penso logo que me vai: 
1. Dizer que é da óptica e está a vender um desconto igual à idade, só para me irritar;
2. Tentar vender cabides; 
3. Perguntar a direcção da rua aonde ambos nos encontramos;
4. Perguntar se eu não entrei numa novela. [Esta nem sequer é inventada. Nem sei como não tive a presença de espírito de responder: "Sim. Fazia de criada n'"O espelho dos Acácios".]
5. Dizer uma frase qualquer, com tema aleatório, em que entrem, forçosamente, as palavras "fostes", "grama" (conjugado no feminino), ou tentar saber o meu nome para — se eu, estupidamente, lho dissesse —, me tratar por "Ó dóna". 

Hoje estou nos cascos, no meu melhor daquele pior que consigo atingir. 

Treinando a gata para blogger

Este meu blog preocupa-me de veras. [E não, não é um erro ortográfico, que é lá isso? É um neologismo dos meus.]
Precisa urgentemente de fofices. Por conseguinte, cá vai uma injecção. 
Estava estacionada no teu, Isa. Pode ter sido isso que pôs a gata naqueles nervos. You rock.


27/04/2016

Toda a gente me adora

Soou a campainha em casa, eu abri sem espreitar, e saí imediatamente do campo de visão de quem se encontrava do lado de lá, deixando a porta aberta. Tinha assumido que era um dos meus a tocar. Quando ouvi uma voz não familiar, Oooops, percebi o meu engano e a enorme surpresa dele: um rapazinho, capa porta-notas na mão, um catálogo de livros, e um sorriso. Círculo de Leitores. Eu não quero, eu não preciso, passou quase um ano e ainda não me esqueci das mãos pequenas e gorduchas daquele personagem da Feira do Livro. No entanto, fico, ouço, e compro. Tínhamos trocado pequenas confidências, perfeitamente confessáveis: ele havia dito que tirou o curso de oficial de justiça, e gargalhámos em coro quando confessou que, dos três meses de experiência na profissão, ia morrendo de stress. Consigo visonar o meu filho, tivesse ele uns olhos tão bonitos quanto o meu. Mas são igualmente vivos, e a empatia inicial transformou-se em simpatia sincera. 
Fecho a porta com a certeza de que nunca mais o verei.

~

Fazemos parte de um grande grupo de pessoas, que se conheceu há uma semana. A cada intervalo, fica sozinha na sala de trabalho, ou vai à rua, sempre sem companhia. Durante as sessões, não troca impressões praticamente com ninguém. Está sentada à minha frente e, uma vez ou outra, vira-se e faz uma pergunta, ou um breve comentário. É estrangeira, e está fora de casa, a todos os níveis. No último dia de todos, entrega-me um papelinho com uma mensagem de Yoga. 


Eu sou a pessoa menos esotérica do grupo todo. A minha voz é grossa e por diversas vezes ficou bem claro o meu sentido prático e também este humor que, não sendo cáustico, um dia vai ser a minha perdição. Ainda assim, ela entrega-me um folheto de sessões gratuitas de Yoga, justificando que, ao olhar para mim, percebeu que eu iria gostar. 
Venho-me embora e carrego a certeza de que nunca mais a verei.

~

Está sozinha na cidade há um mês, ainda perdida e indefinitivamente instalada. O sotaque diz-me que vem de onde pertencem metade das minhas costelas, e adopto-a no coração. Levo-a e trago-a, faço um desvio no meu caminho para a pôr à porta de casa. Ela despede-se, parece adivinhar o meu nick quando diz:
- Linda, fuoste unhe amuere... [que música tão bonita, pai.]
Sai do carro e fico com a certeza de que nunca mais a verei.


And that awkward moment # 11

Quando alguém te diz que, às vezes, perdemos boas oportunidades para ficar calados e essa é A sua oportunidade para ficar calada.


26/04/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 38

Numa farmácia perto de mim
Diz que me vai divertir.
E mete aquilo em saldos.
Diz que são coloridos.
E que o novo sabor é de maçã. (Pecado original, uhhh.)
Logo abaixo, qualquer coisa que responde pelo nome de Baby Protect.
Ó pá 'tá bem.

Na cara dos outros

Assisto à formação com o distanciamento que me é possível. Tenho que lutar contra mim própria e as minhas características, que são defeitos, algumas delas. Custa-me ficar sentada tanto tempo, as pernas picam, o sono chega, e depois o corpo todo pica, não consigo prender a atenção numa única pessoa  e ficar calada  por mais do que meia-hora. Intervenho quando posso, para dispersar as luzinhas brilhantes que dançam diante de mim, enquanto bebo chá aos litros. Encher a bexiga espanta-me o sono, embora me distraia para esse órgão, em vez do que devia ser o meu foco: a formadora e seu discurso.
Ainda nova, bastante bonita, seca. É o terceiro dia que está diante de mim, e não esboçou um único sorriso, ou sequer proferiu uma frase onde raiasse um raio de humor. A voz, fina e flautada, de timbre agudo, denota uma personalidade impaciente, irascível. Toda a sala está dominada, tingida e atingida pela energia que dimana de alguém que, diga o que disser, jamais acende uma centelha no olhar.
De alguma maneira que não explico, lembra-me uma professora que, em reunião de direcção de turma, explicou aos pais que o grupo constituído pelos seus filhos, era um grupo difícil, falador, desorganizado, pouco empenhado, nada trabalhador, para além de quase todos os defeitos que podem caracterizar uma péssima turma. Penso que apenas não os classificou como criminosos, ladrões e mentirosos. Mas fê-lo com a voz doce e suave, e a expressão bonacheirona da gordinha de óculos grossos, assentes a meio da cana do nariz. Toda a linguagem corporal fazia supor uma professora empenhada e preocupada, até ao momento em que, serrando um punho, e abrindo a outra mão, socou a mão aberta, repetidamente, acompanhando as palavras, uma a uma, enquanto declarava, no mesmo doce tom: "Eu-não-quero-fazer-mal-aos-vossos-filhos". Oito socos, que senti desferidos na cabeça.
Às vezes, questiono-me se eu própria não tenho momentos em que, apesar do cuidado com a postura, a abordagem, a apresentação, o gesto e modo, o tom e o timbre, e mesmo a luz do olhar, e apesar de moderar na forma, o conteúdo e o modo de transmissão não me comprometem e me denunciam enquanto pessoa agressiva.
Nas costas dos outros, vejo as minhas.
Na cara dos outros, vejo a minha.

25/04/2016

Hoje dei-lhes mais liberdade

Quiseram mar. Sei, porque me sei, que o querem assim. Mas nunca tinham ido tão longe, tão sós, tão sem mim. Engoli o medo, apaguei filmes vários, todos de terror, da cabeça, pedi clemência, mil cuidados, e entreguei tudo: as chaves do carro, parte da minh'alma, e as minhas três flores à divina providência (ou sei lá a quê, que não confio em nada que seja suficientemente capaz de mas proteger capazmente).
- Cuidado na estrada, cuidado com o mar, cuidado com o sol, cuidado com os tarados. 
Acho que nenhuma me ouviu. Ou, pelo menos, não ouviu os mil que enunciei.
- E, no regresso, cuidado na estrada outra vez.

Cuidado com o meu coração.

Pela liberdade

Não sei se foi pelo avô que correram as duas, hoje. Quero acreditar que sim, tal como acreditei que foi pela avó que correu uma delas há duas semanas. 
Dois pássaros livres, já nascidos em liberdade, cujas asas, quando sentem presas, basta sacudirem para que possam retomar o voo pela imensidão de azul que a vida tem para lhes dar. Nem isso falhou hoje: um dia azul, a comemorar a liberdade que lhes foi berço e lhes será sempre companheira.  
Conquistaram uns a libertação, para oferecerem a outros a Liberdade — talhada, a régua e esquadro, a escopo e martelo, a medo e coragem, a reticências e certezas, pelo avô delas — e por tantos pais de tantos filhos, por tantos avós de tantos netos —, também, e muito em particular, para elas: ainda que só imaginadas fossem, ainda que nem germinadas estivessem. 


24/04/2016

Eu estico

Voltei a Pilates. A aula é cedo e, como tinha (e mantenho) pela frente um fim-de-semana de muito trabalho e uma semana de cadela (a ordem dos factores é arbitrária), mentalizei que, indo cedo, voltava cedo, e ficava com o resto do dia para me organizar o melhor que conseguisse. Doce ilusão, das tais que engordam, de tão açucaradas (e, consequentemente, envenenadas). 
Depois de ter corrido o equivalente a uma maratona (de carro montada no meu boi) para lá chegar a horas de ainda apanhar senha, consegui exactamente a última. Estar na ponta da fila para retirar a minha, vinte minutos antes do início da aula, deu-me uma adrenalina tal que fiquei quase viciada em estar em filas. (Sabem que a adrenalina vicia, não sabem?) Depois foi a descarga de nervos (in)consequente, ao ver a cara da desgraçada que estava atrás de mim quando constatou que já não havia senha para ela. Muito gargalhei naquele corredor. Sou má e mereço o inferno. Mas a cara dela. Chiu.
Apareceu uma aluna espanhola, e Pilateiro, assim como fez para a inglesa em tempos, resolveu dar a aula com tradução directa, avisando que O meu espanhol tem sotaque argentino. O tangoso, que bien hablas portuñol, como todos los portugueses que se prezan. Pareceu-me que ficou obcecado com a questão abdominal, porque passou a aula toda a falar na panza — lo importante es la panza —, que já só me evocava Dieguito e su frase de final de carreira, quando questionado, Y ahora Diego, que vas a hacer de tu vida?, Ahora? Ahora me voy a criar la panza! — e assim disse, e assim fez. 
Na próxima aula, vou dizer que sou chinesa, sempre quero ver como é que ele se desemburra no mandarim, que isto ou há ping-pong ou comem todos.
Por falar nisso, o homem que tem os pés podres ficou — nem podia ser de outra maneira — deitado com os pés a confinarem com a minha cabeça. Eu estive com a cara a escassos vinte centímetros dos pés podres do homem dos pés podres (e não morri!) (Hades, há-des estar a guardar-me pitéu melhor), quando ele nos ordenou que nos virássemos de barriga para baixo, para apertarmos o nalguedo e, assim, obrigá-lo a ficar rijo. Disse-nos para escondermos as caudas entre as pernas, e eu fiquei a asfixiar de riso contra o colchão. Tenho que rever a minha postura. Principalmente, porque rabo entre as pernas não é a minha onda, eu lá agora sou um rato!?

Hoje voltei ao ginásio, mas o ambiente estava tão mau, que: 
UM - Escrevi, mentalmente, um post dedicado ao jovem que tem a pdm, porém é chungoso; 
DOIS - Decidi que vou abandonar o ginásio. Cada vez que alguma coisa me corre mal, abandono alguma outra coisa. Foi assim quando começaram a fazer troça de mim porque ainda usava chucha: tive que a largar. 

caminho

Há anos demais, escrevia eu muito, porque lia muito. Era quase compulsiva. 
Depois deixei de ler e regressei a um estado que poderia ser de graça, não fora ficar tão caro ter ido e não ter voltado igual: quem conhece as letras um dia, por mais que tente desembaraçar-se delas (eu, às vezes, quero muito — como agora, por exemplo), não regressa a mesma pessoa. Fiquei assim como estou hoje, neoanalfabeta.
(Isto é evidente no facto de estar há dois meses a tentar passar da página 30 de um livro, e não ser capaz de chegar à 31. A página 31 deixou de ser um objectivo a atingir, e passou a ser barreira que não irei transpor. Sem orgulho, sem pena, apenas dona e senhora da constatação da minha incapacidade.)
Quanto menos leio, mais escrevo. Quanto mais escrevo, menos percebo o que escrevo.
Estou a ficar cega. Estou a ficar surda. Um destes dias, fico também muda, e então serei inteiramente feliz. Será esse o dia em que não escreverei, porque o farei para mim, só para mim, pouco me importando com o eco inexistente das minhas palavras, que ninguém lerá, nem eu própria ouvirei —, ou sequer lerei.


23/04/2016

Hoje não escrevo

Quero só este mar de volta.

agradecimentos pelo envio da foto a quem sabe que os merece

22/04/2016

Pensamento escatológico do dia # 18

Hoje acordei e lembrei-me que existem pessoas que defecam no local de trabalho (e em qualquer penico, em geral), como se estivessem em casa, e que isso pode ter sido o que demoveu o povo de alinhar nas minhas ideias para resolver aquele estado de emergência. (Mas também, tenho sonhos tão estranhos, que acordar e pensar logo em cocó não é nada de alarmante em mim. Outro dia sonhei que toda a gente — e cães e gatos — andava de chucha na boca, pela rua, exceptuando eu. E aquilo provocava-me uma certa inferioridade.)
Fomos avisados ontem de que hoje não teríamos água no edifício até ao meio-dia. Estávamos trinta na sala, e cada um panicou à sua maneira. 
Eu acho que fui talhada para acorrer a um cataclismo — salvo seja — como voluntária. Daquelas que, no rescaldo, são coroadas Miss Salvação da Lavoura, com faixa, ceptro e tudo. Sugeri que fizéssemos chichi à mesma, todos em cima uns dos outros (os chichis, claro). Um franzino gemeu: "Eu não quero ser o último!". Realmente, pensei eu. Então opinei que o melhor era cada um levar uma garrafa de água, para poder despejar no final da micção. Ninguém se riu, mas também não era para se rirem. Nos momentos de grande crise, o pessoal tem uma enorme falta de todos os sentidos, de humor e prático incluídos. 
Hoje lá fui e, como tenho a mania que sou selvagem, emborquei uma garrafada de chá, logo a seguir ao café. Cheguei às 11 da manhã e já tinha urina até às têmporas. No fundo, aquilo deu-me calor, já que, de seguida, amandei-me a uma garrafa de água. 
A água (canalizada) voltou perto das 13 horas, e eu só não estava capaz de fazer chichi pelos furos dos brincos porque pratiquei um pequeno assalto a uma cabine da casa-de-banho, destrancando a porta trancada, e aliviando litradas. Assistindo não ao milagre, mas sim ao fenómeno da multiplicação: 1 café + 1/2 litro de chá + 300 ml de água = 1 decalitro de água + ureia + ácido úrico + outras substâncias, em estado puro e quase duro.


Pur

Não era bem uma esplanada: a zona, fora do restaurante, estava envolta por um toldo de oleado, mas, como dava para um pequeno relvado, criava-me a ilusão de estar num jardim, embora abrigada da chuva. 
Elas estavam as duas, sentadas a uma mesa, e já não sei o que é que me chamou a atenção, mas acho que foi tudo. A mesa delas ficava junto à entrada e saída da tenda. Estavam ambas do mesmo lado da mesa: uma, de frente, enquanto a outra estava de costas, mas de frente para a companheira. A posição dos dois corpos formava, assim, um S, cúmplice. 
De onde me encontrava, apenas via o rosto de uma delas, mas vi-a sorrir e, de alguma maneira, intuí o sorriso da que estava de costas para mim. Era bastante magra, e o primeiro pormenor nela que me prendeu o olhar foram as meias que tinha calçadas: opacas, azul petróleo, juntamente com uns ténis, igualmente em azul petróleo, com pormenores amarelos. Tinha vestida uma saia comprida de lã castanha, uma camisola azul — manchada pela lixívia —, e uma boina tricotada, castanha. Nos olhos, uns óculos anos 70's. A outra, de compleição bem mais larga, vestia de forma neutra: calças, sapatos rasos, impermeável preto. 
Não as vi trocarem uma palavra. Uma delas levantou o copo que tinha à frente, ergueu-o ligeiramente, criando na outra a vontade de celebração. Içados ficaram, então, os dois copos no ar, bateram levemente um no outro e voltaram a pousar, sem terem ido às bocas. Continham um líquido cor-de-laranja, que podia ser sumo, não fora terem elas tantos sinais silenciosos, a gritar vício: barrigas dilatadas, pálpebras inchadas, narizes rosados.
Estavam sem pressa, sem destino, sem rumo.
E — genuínas, puras —, absolutamente felizes.


21/04/2016

De grammar-nazi a fashion-PIDE

Tenho estado para aqui toda a manhã a receber uma dissertação técnica, provinda de uma figura que hoje resolveu vestir-se para vir trabalhar como se fosse sei lá para onde. Não estou mesmo nada a ver. Ora, acompanhai comigo: vestido (ou saia, não sei onde é que acaba a peça) de barras largas pretas e brancas, em tecido de algodão grosso, que faz armar a saia ao nível de um abat-jour. Essa perdoo-lhe, que o ano passado comprei duas assim na H & M, giras de dar gritos, mas que me fazem mais gorda cerca de dez quilos cada uma. Imagine-se se as vestisse uma em cima da outra. 

Mas depois: blaser assertoado e justo, preto. As botas, de cano alto e de carneira, já ficam mal com o resto, mas também lhas perdoo. Se lá se é pessoa que precisa de atravessar um ribeiro quando sai de casa, e com isso não tenho nem quero ter nada a ver. 
Mas alguém me explica o que é que lhe ocorreu para ter posto collants opacos azuis escuros com tudo o resto?
Por mim, passei toda a manhã em conjecturas.
1. É uma irreverente;
2. Assim como eu, confunde o azul escuro com o preto;
3. Vestiu-se às escuras;
4. A mala é azul escura, e é para combinar (not, amiga) - informação que ainda não consegui confirmar;
5. Eu é que estou a ver mal, e os collants são, efectivamente, pretos;
6. Eu é que estou a ver mal e o vestido e o blaser são, efectivamente, azuis;
7. Eu é que estou a ver mal e o vestido e o blaser são, efectivamente, pretos, assim como os collants;
8. Eu é que estou a ver mal e o vestido e o blaser são, efectivamente, azuis, assim como os collants;
9. Isto é tudo uma manobra de diversão da parte dela, para que eu não preste atenção aos conteúdos;
10. Eu sou uma pessoa que atenta em pormenores que não interessam nem ao menino Jesus, mas que me toldam a atenção, e é por isso que nunca sei do que é que as pessoas crescidas estão a falar, mas sei perfeitamente o que é que têm vestido, quais são os seus gestos, tiques, vícios de linguagem, e, nalguns casos, até o que estão a sentir naquele momento;
11. Eu estou subaproveitada.


Deve ser por isto que existe a expressão 'mãe babada'

Sais de casa a correr — literalmente —, porque tens 34 quilómetros da estrada mais abstracta de todo o país para percorrer, e só tens meia-hora para o fazer. Noutra estrada qualquer, chegarias antes da hora, mas naquela, nunca se sabe. São 8:56 da manhã, e é suposto chegares às 9:30. Pelo caminho, que aceleras pata-a-fundo sempre à esquerda, pensas repetidamente que precisas de um café, e que o vais tomar mal lá chegues, chegues a que horas chegares. 
(Isto é ser viciada. Olá, eu sou a Linda Blue e tenho um problema.)
São 9:14 e estás a míseros dez quilómetros do teu destino. Mas perdes seis minutos na entrada de uma localidade, pelo que já só chegas às 9:32.
Vais buscar um café a uma máquina dispensadora e queimas a língua.
Levaste uma lasanha verde no teu farnel do almoço, que aqueces no micro-ondas e queimas a língua. 
Bebes um café depois de almoço e queimas a língua. 


20/04/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 38

Sabes que já atingiste um pico de cansaço quando, no final de um dia de muito trabalho, vais ao supermercado, sabes que tens que comprar fio dental e, convicta, te metes no corredor dos produtos de higiene íntima. Passas pelos tampões e, mesmo assim, nada estranhas — a não ser quando lês, ao longe, 'Tena Lady'. É quando se te faz uma ténue luz no espírito. Mas que nada mais faz pela tua lucidez, senão lembrar-te: "Estou tão aflitinha".

Etiquetas que nos põem rótulos

Há uma que se lembra de dar uma lição de etiqueta a todos os presentes. Explica que, numa primeira abordagem a um estranho (lá se vai a regra, tão intrínseca, que mamães nos ensinaram, e nós ensinámos a filhinhos, don't talk to strangers), ou a alguém com quem fazemos alguma cerimónia, devemos tratá-lo por senhora dona Fulana de Tal, para as senhoras, e senhor (não há dom!, mas há quem use...) Fulano de Tal para os homens. E que, para as senhoras, admite-se a retirada do apelido, ficando apenas senhora dona Fulana, embora não seja essa a forma mais correcta. Não há cá senhora Fulana de Tal, nem dona Fulana de Tal
Estou encantada da minha vida, porque aprecio muito estes assuntos. No entanto, ponho a manita no ar, para dizer assim:
- Também não é admissível a abreviatura, muito corrente, de senhora dona, para xôdona, ou então para sôdona, assim como não é para xôr ou sôr. Da mesma forma que é inadmissível tratar alguém por senhora dona, e depois desatar no você para cá e para lá, assim: senhora dona Fulana de Tal, você é uma grande senhora.
E ficaram trinta pessoas embasbacadas, a olhar para mim.
Foram os meus quinze minutos de fama. (Ou trinta, vá: dá um minuto a cada um.) Não terei outros.

~

A seguir, ela lembrou-se da questão do aperto de mão. Que, sendo nossa a abordagem, não devemos tomar a iniciativa do aperto de mão à despedida, se não o fizemos à chegada. 
Pronto, a esta poupei-a em público, mas, no intervalo da prelecção, fui explicar-lhe a regra para o aperto de mão: sendo eu uma senhora, é de mim que deve partir a iniciativa — ou não — de o dar. E isso é independente de quem fez a abordagem ao outro. 
Se for outra senhora, então a coisa muda de figura. 
Mas também não posso ensinar tudo, a todas as horas, a toda a gente, que isto é como os produtos que eu digo aqui que gosto: ninguém me paga para isto.

19/04/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 37

LOJA DA ATENÇÃOZINHA
TRAGA ALGUM DINHEIRO E
VENHA REGATEAR CONNOSCO!!!



(metros adiante da LOJA DA ATENÇÃOZINHA)
Enxovalinho
(zona de sufixos diminutivos?)

Vai uma pessoa jogar no Euromilhões...

... e é isto que lê, no primeiro boletim que tira do dispensador.

Entra na papelaria para registar o boletim 
(outro que não aquele),  e repara que ali se vendem 
cadernos de xadrex. 
Também podiam ser de zadrez.

Mais adiante, na farmácia, depara com chuchas
fléxiveis.
(Aquilo é uma porca? Mas que perseguição.)


O poder paralisante de um abraço

Que ela e eu não nos entendemos, é premissa da qual já ambas partimos, depois de nos termos apercebido do facto. As duas lidamos bem com ele, somos civilizadas, e, apesar das diferenças, somos também semelhantes, porque somos mulheres, mães, impulsivas, passionais. Quando perdemos a paciência uma para a outra, evitamos o conflito, sobretudo se em presença de outras pessoas, mas é claro para quem nos rodeia que nos toleramos na estrita medida em que temos que trabalhar juntas. Ainda assim, e porque gentes que vivem com as emoções sempre à flor da pele não são capazes de desgostar de ninguém, aos poucos, aquilo que poderia fazer nascer uma animosidade entre nós, que são as nossas desigualdades, tem vindo a perder a importância que, efectivamente, nunca teve.

Entrámos para a sala de reuniões, e éramos, somadas ela e eu, seis pessoas, das quais dois eram homens. Pousámos tralha e fardos, sentámo-nos a descansar da vida, e abrimos pcs e ligações ao mundo. Por pouco não saímos todos a voar janela fora, alheados uns dos outros.
Ela disse,
Hoje não estou muito bem.
E soluçou profundamente, levando as duas mãos aos olhos, enquanto os ombros acompanhavam o ritmo do peito magoado.
Éramos então cinco pessoas imóveis, paralisadas de surpresa. Aquilo durou em mim alguns décimos de segundo, só o necessário até que a paralisia me chegasse ao cérebro e ele deixasse de comandar o corpo. Vi-me levantar da cadeira onde estava sentada, percorrer a mesa de reuniões toda, alcançá-la e envolvê-la num abraço, como se faz às crianças pequenas — Não chores. Não chores. 
Paralisado ficou o tempo, naquele momento, em que, por segundos vários, não aconteceu nada, a não ser o abraço paralisante que eu me dei conta de lhe ter ido dar: os restantes quatro, paralisados de incredulidade, eu paralisada por verificar que ainda não sei dominar os meus impulsos nem os meus instintos, ela paralisada dentro de um abraço de braços estranhos, as lágrimas dela paralisadas de paralisia súbita. 
Se para mais não serviu, pelo menos, fez de paralisante — garrote — de lágrimas, o abraço que eu me vi dar-lhe hoje.

Diálogos à sombra # 20

Dizem-me elas que existe um site que encontra semelhanças entre nós e uma celebridade. É o http://celebritymatch.me/.

Eu pergunto: Achas que me vai dar a Sofia Vergara ou a Julia Roberts?
Uma adolescente responde-me: O Michael Jackson.

(Mas vá que se ri.) (Com o Michael Jackson, as minhas semelhanças resumem-se ao cabelo em dias de chuva e ao tom de pele — não sei exactamente em que fase da despigmentação.) (Quer dizer, na actualidade, acho que não temos semelhanças nenhumas.)

Faço o teste, e dá-me isto:

Quanto às outras, ainda defequei nas não semelhanças, embora a Mastrantonio esteja muito mais acabada do que eu. Mas a Connie? A Chung? Antes o Michael Jackson, na fase Five. Ou mesmo no Thriller.

18/04/2016

Avenida de Roma, meu amor # 3

Eu hoje estou assim, um bocado extrospectiva. Ando assim, de blog em blog, como a amiga Nara, de bar em bar. 
Isto é demais.

Vi na Be, e vi na Me. Juntas, por diferentes razões, vieram lembrar-me um tempo, já da Maria Cachucha, que, de tão remoto, até aparece nas fotografias de Lisboa antiga.
Era na avenida de Roma. Foi na avenida de Roma que eu fui concebida, e sei exactamente em que prédio. Cada vez que lá passo, até me benzo. Tenho até superstição de ali atravessar a rua, porque las hay. Depois fui nascer ali por trás da avenida, numa clínica spé do melhor que havia, ou seja, por ali dei eu os meus primeiros berros. 
Mas não é a estes berros que venho agora. É aos berros da birra, passe a aliteração. 
Existia uma loja de brinquedos, em frente da Pastelaria Roma (hoje um Mc), que me era absolutamente fatal. É que nem podia lá passar à porta, que o berreiro começava logo à esquina da João XXI. E ia assim, pela paciente e boa mão da minha mãe, a guinchar para os ares, que se ouvia para lá da Praça de Londres. Lembro-me de uma vez que aquilo tomou proporções épicas, e em que me deitei no chão, no passeio, a gritar desalmadamente, a bater com os pés e com os punhos cerrados no chão, que ainda hoje sinto o frio e duro da calçada, e até um nico do cheiro. (Acho que ainda não havia tantos cocós, ou então até isso me foi indiferente naquele momento.) 
Basicamente, eu queria consumir. Punha-me a gritar "Eu quero!" e ia por ali afora na repetição da intenção. Nesse dia em que me deitei no passeio, a minha mãe perguntou-me: "Mas o quê?", e eu, já dotada de lógica absoluta (que, lá para isso, era precoce), respondi, em prantos: "Tudo!". 
Muita e santa paciência têm que ter as mães. Uma parva deste calibre merecia duas palmadas bem assentes nas nalgas e ala para casa, que estás de castigo até aos 18 anos. 
(A minha mãe não era branda, eu é que era intragável; quando me tocou a mim o papel dela, acabava com as birras pelo método da hipnose: segurava nos dois ombros da criança, olhava-a bem nos olhos, e dizia: "Agora chega", mesmo que a birra ainda não tivesse começado — e resultou sempre.)
Isto que está no vídeo que aqui deixo, nunca fiz, mas uma criança como eu, bem merecia que a mãe lho tivesse feito. Hoje podia ser gaga ou ter tiques esquisitos, mas, ao menos, não teria feito a minha mãe passar por cenas vergonhosas.
Agora fora de brincadeiras, tudo o que sou, a ela o devo.


Eu quero duas barras. Paralelas.

Assim, mais ou menos: ===

Estava aqui a pensar nisto das barras laterais, com as nossas escolhas de leitura blogobólica, e, para rimar, ou não, ocorreu-me uma ideia diabólica. 
Mas não digo já qual é, porque os meus posts funcionam como os livros da Ágata: suspense até ao fim, que é para agarrar a freguesia.
(Ai, não é essa que escreve obras? Que aborrecimento, eu e os nomes. Que é que tem? Escreve melodias, não é? Vá, siga.)
Já houve tempos imemoriais em que tive uma barra, onde registava os cantos que percorria, uns diariamente, outros a todas as horas, exceptuando aquelas em que uma pessoa humana nem sabe de que terra é. 
Aquilo era uma barra bonita de dar gosto. Parecia uma trave olímpica.


O raio — assim como o diâmetro, já para não falar no perímetro — da coisa, é que estava sempre incompleta: volta e meia, lá me aparecia, caído de para-quedas, um novo blog, de calibre real, coisa para cima de 9,65 mm, melhor que o revólver 38 (esta vida de blogger da periferia está a tornar-se uma canseira, agora até balística me obrigam a estudar para vir para aqui defecar postas de pescadinha de boca no rabo), que me compelia a acrescentar a meretriz da lista, que já ia em mais que muitos e eu também já não lhe aguentava o peso.

 

Mas a barrita tornou-se sensaborona no dia em que começou a causar-me dissabores. Não sei se eram os cereais de que era feita, ou o chocolate que estava rançoso, 


a verdade é que começaram a chegar-me as vozes da insatisfação, sob a forma de "Então e eu?", que é um modo, como outro qualquer, de te fazerem ver que a liberdade de escolha pode ser um conceito muito pouco prático, que a expressão gostos não se discutem, afinal, sofre variações em ré menor, e que, por questões de amizade (aquele conceito tão vástico que, lá está: eu pergunto a todas as minhas pastilhas elásticas, "Bora ser migas, miga?"), ou para não arranjar chatices — já nos bastando as piolhices —, estamos dispostos a ceder também por aí. Como dizem os brasileiros, e muito bem, eu sentia que já estavam forçando minha barra.

Vai daí, um dia fiz o que também nossos irmãos sul-americanos luso-falantes designam por passar uma borracha no cadastro: limpei minha barra. O que foi um descanso, até me senti em férias. (Sou mesmo uma grande maluca.)

No entanto, passado um ano sobre tão acertadinha decisão, ainda vivo um bom bocado e um queque stressada com a coisa de não ter barra, como os outros meninos. (Freud dava um nome a isto, mas agora escapa-me. Já disse que sou péssima para nomes?) Porque consto de algumas, que muito prezo, e isso, por um lado, provoca-me vontades e desejos de retribuição, e, por outro, o óbvio reconhecimento de que merecem mesmo constar da minha barra. 

A barra pode ser, literalmente,


uma grande prisão, ouçam o que vos digo, ó vós que viveis a liberdade out of the ball (que é esta bloga).

Vai daí, ocorreu-me uma ideia daquelas que só a mim:
(Devia patentear e apresentar em Shark Tank quase todas as minhas ideias, muito em particular as que me assaltam pela manhã, ao acordar —, misturadas com hãããã-tiraram-a-matrícula-?, já-passa-da-meia-noite-?, e ainda-não-é-hoje-que-volto-a-fumar —, ou então no duche —, misturadas com eichhh.)

As barras paralelas.
Vou ver lá naquilo das definições de Sir Blogger, a ver se ele me permite a barra de LB e a barra de LP, escarrapachadas em paralelo uma com a outra, numa clara manifestação de bom gosto e agilidade. 

 

E a blogobola nunca mais será a mesma, no dia em que a mais ilustre de todas as desconhecidas desta coisa tiver não uma, mas sim duas barras, paralelas uma à outra, gémeas dizigóticas e também góticas. 
Universos paralelos, já ouviram falar? 
(Olhem, nem eu, que tenho medo.)

[Inspirada por duas boas fontes.]

Ocorrem-me coisas


Quase todos os dias me lembro desta frase.

17/04/2016

Diálogos ao sol # 5

Saímos da Feira das Almas e caminhamos para o carro. 
Eu comento: Nossa Senhora do Resgate...?
Ela diz: Mais conhecida por FMI.


Depois vejo a ranhura das esmolas. Leio S. Jesus dos Perdidos.


S. Jesus dos Perdidos de Riso, penso, enquanto me rio, ainda da piada do FMI, feita parva (e resgatada). 
Vem-me então a veia poética, e lembro-me de uma frase que é citação de citação (MRP, aquele fenómeno, citou, de um amigo americano, ou coisa que a valha).

Perdidos estão aqueles que não têm razão para enlouquecer de amor


Hoje quem manda aqui sou eu: os problemas dos homens # 3

Vou falar na terceira pessoa, porque isso é mais à blogger e eu já estou suficientemente irritada, para que alguém ainda fique a pensar que lá está a gaja, olha a convencida, olha a top model, trinca espinhas o caraças e quem vai à guerra dá e leva.
A terceira pessoa sofre.
Eu quero perceber o que é que leva um homem a perseguir uma mulher no ginásio. Ou no escritório. Ou na mina. Isto é, perseguir, no sentido de seguir atrás, ir para todo o lado para onde ela vai. E não se dar conta de que toda a linguagem corporal dela diz: "Deslarga-me, genitais!". 
Vamos supor que o campo de visão da terceira pessoa é de 18, vá, 30º, vistas estreitas e curtas, palas dos lados, como o jerico. Na imaginação do homenzinho, se calhar, o melhor é colocar-se exactamente a 90º, à distância de dois metros — ou ainda menos! — dela. Que é para ela o ver bem. Não há nada que lhe indique que, se ela projecta o olhar no tecto — cheio de cabos do ar condicionado e calhas técnicas de tudo e mais um par de botas —, ou à esquerda — onde se encontra uma parede branca, ou à direita — onde nada se passa —, poderá querer dizer que, de todo, não quer olhar para ele? Não há um segundo de dúvida que o leve a concluir que não é ficar especado, parado, imóvel, inanimado, a brincar aos frequentadores de museus, que vai fazer com que ela vire o olhar na direcção dele, lhe sorria candidamente e lhe diga: "Importa-se de me possuir agora e aqui?". Acaso não lhe ocorre que o facto de ela mudar de sala com uma frequência que não obedece a outra cadência senão a de não estar onde ele está, pode ser porque ela não quer estar onde ele está?
É verdade que uma solução possível seria a terceira pessoa exibir um belo — porque é dotada de belos dedos — pirete ao homenzinho. Mas vá que ele interprete o nobre gesto lá à maneira dele, e julgue que a desgraçada quer significar "O que eu quero sabes tu", numa derivação de "Importa-se de me possuir agora e aqui?"? É que, com gente que não se manca, todo o cuidado é pouco, e isto de ser bela consegue ser um transtorno equivalente a ser burra. A terceira pessoa que o diga. 
(Sim, já sabemos: não te maquilharás, não vestirás o que te favorece, não cuidarás do cabelo, encher-te-ás de enchidos — passe o pleonasmo —, arrastarás o chinelo, e ninguém mais arrastará a asa por ti, nem mesmo os abutres. É verdade. Também deixarás de tomar banho, de lavar os dentes, de cortar as unhas e de pentear o cabelo, que isso são tudo artificialidades que derivam da vaidade. Também deixarás de fazer ginástica — e, lá está: nunca mais terás problemas na pdv, porque será, certamente, esse tipo de atitude que fará com que o pessoal que não tem noção desapareça da face da tua terra.)

16/04/2016

Avós

Lembro-me de ter ouvido à minha mãe que teve um colega, na faculdade, um senhor mais velho, talvez uns dez anos, que havia iniciado o curso mais tarde na sua vida, e que lhe chamava a ela avozinha. Não porque tivesse aparência de mais idade do que a que tinha — vinte e tais , mas por ser assim tão pequenina, tão certinha, tão formal, tão ajuizada. Segundo ele (e já naquele tempo, acrescento eu), só uma avozinha seria assim. 

Os irmãos, que distam dela poucos pares de anos, chamam-lhe a avó  por ser assim tão pequenina, tão direitinha, tão rigorosa, tão cultivada. Sendo a mais velha de todos, a ela poderia caber o papel da "mamã dos outros", mas não foi esse que lhe destinaram: é a avozinha.
E eu vejo a minha mãe, tantas e tantas vezes.

~

O meu pai sentava-se ao estirador, onde pousavam papeis e mais papeis, alinhados, uma máquina de calcular, um portátil a preto e branco, uma caneta na mão, ou um lápis, e ali navegava já, no mar dos números lá dele, mesmo sem internet, que ainda não tinha chegado a este pontinho do globo. De vez em quando, assobiava uma música inteira, e então sabíamos que os cálculos lhe estavam a correr bem.

Vou dar com ele sentado, concentrado, agarrado aos exercícios de Matemática. Visto assim, faz-me lembrar uma estampa que existia lá em casa, feita de papel de lustro recortado por um caricaturista cheio de arte, representando o meu pai de perfil, sentado ao estirador. 
De repente, por um motivo que eu intimamente sei qual é, ouço-o começar a assobiar uma música, por entre o mar dos números lá dele.

15/04/2016

Hoje quem manda aqui sou eu: os problemas dos homens # 2

Ginásio, fim da tarde, mês de Abril, sexta-feira, chuva — tudo se conjuga para que esteja cheio, a abarrotar, transbordante pelas costuras. Numa palavra, gordo.
Sala de treino, gente a mais, máquinas a menos, bocados de tempo à espera de umas, fazem-se outras para não arrefecer
Está uma toalha no assento da máquina que eu quero usar, e trato de a tirar de lá, depois de esperar 4-3-2-1 segundos, que isto, quem vai ao ar, olha agora, marcar vez numa máquina, não faltava mais nada. Sento-me e vem de lá um calmeirão, com os dentes todos de fora, parecia o Johnny Bravo. (Só não ia de óculos de sol, mas, em compensação, havia um jovem cheio de estilo uns metros adiante, que estava com o capuz da sweat posto na cabeça. E outro dia vi lá um de cap, a treinar.) Só aí é que percebi que a máquina estava a ser possuída pelo calmeirão, e eu tinha ido ali interromper qualquer coisa. Diz o calmeirão ai que eu podia alternar a máquina com ele, que só lhe faltavam duas séries. Olha, agora alterno com este. OK, mas que mudava os pesos, que a largura das minhas costas é sensivelmente metade da que têm as dele (esta última parte não disse, mas pensei), e vai ele e que sim. 
Tinha a máquina para 54 quilos, eu lá baixei para os meus 45 e zupa-zupa, dei-lhe quinze vezes e já sentia as têmporas a rebentarem as duas de esguicho, mas levantei-me que parecia uma dama antiga, e fiz-lhe aquele gesto take-your-seat, ou a-menina-dança-?, que são quase iguais. 
Ele é capaz de não ter gostado de só ter usado mais uma dezena mal pesada de quilos do que eu, pois meteu aquilo para os 64 e zupa-zupa, nem lhas contei, que eram de raiva, e desconheço em que estado ficaram as têmporas do bruto. 
Passa-me a cadeira outra vez, ai queres alternar?, então pega: mais quinze nos meus 45 quilos, arrebentei-me toda, mas também o apanhei distraído e, antes de sair da máquina, mudei-lhe aquilo para os 82, que é para não se armar em brutamontes indelicado. 

Hoje quem manda aqui sou eu: os problemas dos homens

Estou ao balcão da charcutaria, e é chegada a minha vez de ser atendida. Ao meu lado está ele. Toda a sua movimentação corporal me diz que ele acha que chegou primeiro que eu e, por conseguinte, deve ser atendido antes — porque eu sei que tenho o dom da invisibilidade. (Havia de desenvolver isto em meu favor, até agora só tenho tido prejuízos.) Bom, mas dizia eu que ele se pôs em campo para me passar à frente, e porque me terei tornado opaca no mesmo instante, ignorando-o, desistiu — o que também li na sua linguagem corporal —, e ficou expectante, enquanto eu pedia, musical:
- São duzentos gramas de fiambre, por favor.
Engraçado. Quase jurava que o vi revirar os olhos.
No entanto, esperou, com a paciência impaciente de quem desespera, que caíssem no papel, fatia após fatia, os meus duzentos gramas de fiambre.
Chegada a sua vez, ouço-o dizer, desafinado:
- São duzentas gramas de fiambre, por favor.
Engraçado. Quase jurava que me vi revirar os olhos.

14/04/2016

contador de beijos

Os dias alusivos sugam-me a alma. Ao fim do dia, fiz um cômputo dos beijos recebidos, e restou um quase nada. 
Hoje, ao acordar, depois de matutar em sonhos sobre o assunto, contei uns tantos, uns poucos: houve dois a um médico, a quem pago, e outros dois a uma mulher que me cheirou a álcool de todos os poros e dos olhos afora.
Ainda não tinha concluído a minha contabilidade de quatro beijos num dia inteiro, estava o dia quase a acabar, quando ele me disse,
Toma lá um beijo, para não dizeres que passaste o dia do beijo sem beijos. 
E foi um beijo muito abraçado, com todos os nossos braços, todo carregado de promessas de amor eterno, aquelas em que uma pessoa acredita mesmo, porque são feitas e depois assinadas no silêncio — sem declarações faladas nem escritas, sem selo branco, nem lavradas. E, às vezes, sem testemunhas.
Sei hoje o que faria se voltasse atrás no tempo: sei que não mudaria coisa alguma do que fiz, porque até os erros me fizeram falta, para construir esta construção desconstruída que me habituei a habitar. Mas sei também que mudaria muito daquilo que não fiz, e que esse muito seriam tudo beijos que deixei de dar — beijos abraçados incluídos —, que guardei para mim, por egoísmo ou inoportunidade. Alguns teriam sido dados a quem já não poderá recebê-los, a não ser desta forma torta, pela movimentação do ar que as saudades provocam. Outros, porque tiveram o seu tempo próprio que, por não respeitado, perderam cor, sabor e razão de viver — os beijos têm, como qualquer dádiva preciosa, um tempo certo, um minuto exacto, um segundo único, para serem dados.
Assim como toda a contabilidade, a minha é igualmente rigorosa e justa: se deixei uns tantos beijos por dar, também houve uns quantos — muitos — que me ficaram por receber.

Passei o dia a tautear mentalmente Save your kisses for me, que já cantava muito antes de aprender as primeiras palavras em inglês. E que, durante muito tempo, ouvi o meu pai cantar.

De como o alinhamento das notícias consegue ser lamentável. E intencionalmente perverso.

Estamos a falar do CM, eu sei. Mas, ainda assim, não há perdão. Não é porque se é inimputável que se está exonerado do cumprimento dos deveres mais básicos de respeito pelo outro. 

CM, hoje

13/04/2016

Eu hoje

Subi o Bairro Alto em saltos altos, passe o pleonasmo. (Todo, desde o Largo Camões até ao Hospital Saint Louis, passando pela rua do Loreto e depois pela Luz Soriano); 
Chegada que fui ao meu destino, subi três andares a pé, por uma escada muito íngreme, com degraus para pé 28, sendo que o meu é 36. (E cheguei à casa onde era esperada com os glúteos a gritar glu-glu-glu, como perus.) (Havia também um corrimão, quase ao nível dos pés, efectivamente um corripé); 
Estive numa casa cujo chão tinha uma acentuada inclinação descendente e, simultaneamente, lateral. (E concluí que moro num palácio. Era porem-me a morar naquele deck de navio em mar revolto, e ter-me-iam enjoada e verde todos os santos dias);
Desci a mesma escada muito íngreme, a entregar a alma, o corpo e a paciência de Jó e de chinês, ao criador (mas nunca desci do salto); 
Desci o Bairro Alto em saltos altos, até ao metro da Baixa-Chiado, passe o pleonasmo e a contradição (e já chiava bem, quando cheguei ao Chiado);
Quando o metro chegou, tive que fazer o meu melhor tempo nos cinquenta metros de sprint in high heels, modalidade que eu própria inventei, muito pratiquei em tempos não muito longínquos e me tenho esquecido de patentear e dinamizar;
Almocei às 4 da tarde, um cachorro quente (eufemisticamente falando, tanto quanto a cachorro, como a quente. E também quanto ao uso do verbo almoçar), em que a parte pior do dito era, precisamente, a salsicha. (E nada de segundos sentidos, que eu hoje estou tão exaurida que nem para sorrir tenho músculos disponíveis.) (E consegui aguentá-lo no estômago.);
Fui ao supermercado. (E consegui não desmaiar de cansaço.) (Ainda encontrei uma fulana que não via há anos, e que me chamou Barbie aos gritos.) (E consegui não desmaiar de cansaço.)
Tudo em saltos altos.
(Queria ver esses meninos das tropas especiais a fazer uma semana de campo igual a este meu dia.)
(Meninos.)

No meu tempo é que era

Queria contar isto sem que parecesse o que não é. Mas, se calhar, é.
Eu andei uma vez de metro e paguei três viagens.
Já andei muito de metro na minha vida. Ainda sou do tempo em que vínhamos compactadas contra os tarados sexuais todos da cidade de Lisboa e do país inteiro, num percurso de quatro estações que, em matéria de valentia, apneia e autodefesa, equivaliam a vinte de agora. No meu tempo é que era. E o sovaco era a sério, era da t-shirt de alças, do pêlo farto e molhado, da mão apoiada no estribo e aquilo ali, em todo o seu esplendor, nos nossos adolescentes narizes. Nem cegos havia, por não conseguirem circular nos comboios. Estavam nas estações principais (Rotunda e Rossio), e cantavam fados tristes, com vozes bem colocadas e metálicas de tão longo alcance, que nos seguiam até descermos para a plataforma.
Nessa altura, a linha do metro fazia um V, em que uma das pontas desenhava um Y. Começava em Alvalade, descia ao Rossio, subia de novo até ao Marquês, e depois desentroncava para Entrecampos ou Sete Rios. Mais nada. Ir de Entrecampos a Alvalade — que, a pé, são dez minutos —, significava uma viagem pela linha toda, passando pela Baixa. 
Já nessa época, via-me e desejava-me ardentemente para decorar o diagrama da rede, mas, como percorria uma parte todos os dias, devo ter interiorizado aquele percurso, e não me perdia lá dentro. Até mesmo porque não podia: a quantidade de perigos que ensombravam os corredores mineiros do metro naquela época, não dava largas à luxuosa possibilidade de alguém ali se perder, ainda menos  em se tratando de uma rapariga. 
Depois o metro cresceu e eu também. Durante alguns anos, voltei a servir-me dele todos os dias, num percurso muitíssimo maior do que o dos tempos de liceu, que voltei a interiorizar para que não me enganasse, embora os tais perigos de antigamente se tenham praticamente dissipado: aumentou a iluminação e a vigilância, e diminuiu a minha vulnerabilidade. E também a minha capacidade para decorar o  tal esquema da rede.
Faz de conta que eu queria ir do Marquês aos Restauradores, que foi o que aconteceu. Paguei as duas viagens — aquela que pretendia fazer e a seguinte, Restauradores-casa — e invalidei uma. Pus-me a estudar o esquema, para descer as escadas certas, e oh: para um lado, Odivelas; para o outro, Rato. Ah, está bem, entrei na porta errada. Típico. Saí pelo torniquete e ah, é aquela. A que estava em frente. Invalidei outra viagem e oh: para um lado, Rato; para o outro, Odivelas. 
Duas viagens ao ar, para perceber que estava na p. da linha errada. 
No meu tempo, o Marquês chamava-se Rotunda e só tinha uma linha, a tal que desentroncava num Y. Mas ninguém se enganava. Os corredores eram escuros, sinistros, cheiravam a urina com amoníaco, e, quando se começava a chegar à superfície e já havia alguma luz natural, os ciganos vendiam sweat-shirts com defeito, chamavam-nos Olá, linda, venha ver!, e os cegos cantavam Povo que lavas no Rio, talhando com seus machados as tábuas de todos os caixões. Às vezes, aparecia a polícia, os ciganos recolhiam tudo numa trouxa, saíam a correr em todas as direcções de todos os YY que os corredores também escreviam, a gritar Olha a bófia! Deixa passar quem trabalha!, e nós deixávamos, porque era verdade.
No meu tempo é que era.