A lareira estava acesa, e a sala cheirava-nos — a mim, com certeza, mas vi-lhe nos olhos, trágicos, que também, absoluta — a Alentejo, por isso pedi para, desta vez, me deixarem arranjar-lhe as unhas ali ao lume. Que sim, mas que tinha que prometer não deixar cair bocadinhos de unha para o chão. Como se fosse possível deixar cair bocadinhos de mãe para algum lado que não seja o do coração. Mas está bem, que sim, também eu.
Na televisão, enorme e presente (omnipresente, se não fosse uma máquina), as notícias com a tomada de posse do novo Governo. Ainda estou meio atónita com a forma como a notícia foi dada por certo diário de papel, quando passa por mim a tal secretária de Estado, passo firme, alegria no rosto, bengala longa, saltos altos. Não fora ser mais gordinha, e ia jurar que já vi aqueles olhos um dia.
Senti-me tão parva, por ver poesia em tudo o que não a tem, mas sei que não corei porque nunca coro. E mergulhei outra vez os olhos na indiferença das mãos da minha mãe.
Então apercebi-me da presença de um homem, a pôr bâton na mãe dele. Ela desacordada, parecia dormir, mas também podia já nem isso, ou simplesmente é sempre assim — cabeça para trás, boca aberta, e ele a besuntar-lhe os lábios, quase inexistentes e rugosos, com bâton.
A mãe tem que se calar, está sempre a falar, impossível que isto fique bem.
Impossível que aquilo ficasse bem.
Agarrada às mãos quase inexistentes da minha mãe, continuei a arranjar-lhe as unhas desanimadas, e a pensar
Estamos todos doidos.
Querida Linda Blue,
ResponderEliminarPois que o estejamos. Desde que continuemos a ver poesia.
Boa noite,
Outro Ente.
Querido Outro Ente,
EliminarApesar dos pesares, eu também prefiro assim. É tudo muito mais claro e transparente.
Um beijo de boa noite,
Linda Blue.