Nós, aqui, funcionamos com o salário mínimo nacional,
disse-me ela assim para mim. E eu lembro-me de ter puxado a argola do lenço que levava ao pescoço, tigresse de manchas azuis, porque aquilo me começou a asfixiar de horror. Tinha acabado de me dizer que
O horário é das 10 às 20,
e eu já parva,
Mas isso são dez horas por dia, mesmo com pausa de almoço...
Meia-hora, disse ela, à laia de correcção. E disse também,
Trabalhamos dois sábados por mês. E há as comissões.
As comissões são 30 % sobre valores irrisórios, se eu ou outra vítima vendermos 30 merdas por mês. Mas há a esperança de passar para o patamar dos 45 %, se vender 60 dessas merdas.
Foi por isso que comecei a agoniar e tive que alargar o laço (ou era um nó?) do lenço.
Quando andas a bater pernas nas recrutas é que te apercebes de como a vida é dura e também a razão pela qual as mulheres não usam salto alto.
disse-me ela assim para mim. E eu lembro-me de ter puxado a argola do lenço que levava ao pescoço, tigresse de manchas azuis, porque aquilo me começou a asfixiar de horror. Tinha acabado de me dizer que
O horário é das 10 às 20,
e eu já parva,
Mas isso são dez horas por dia, mesmo com pausa de almoço...
Meia-hora, disse ela, à laia de correcção. E disse também,
Trabalhamos dois sábados por mês. E há as comissões.
As comissões são 30 % sobre valores irrisórios, se eu ou outra vítima vendermos 30 merdas por mês. Mas há a esperança de passar para o patamar dos 45 %, se vender 60 dessas merdas.
Foi por isso que comecei a agoniar e tive que alargar o laço (ou era um nó?) do lenço.
Quando andas a bater pernas nas recrutas é que te apercebes de como a vida é dura e também a razão pela qual as mulheres não usam salto alto.
Há anúncios que pedem boa aparência, mas não são para atendimento ao público nem para apoio a eventos, nem para nada nem coisa nenhuma que exija que não tenhamos aspecto de sem-abrigo. Outro dia vi um, para um escritório em Odivelas, que pedia boa aparência. Pedirem boa aparência para um escritório em Odivelas é mais esquisito do que pedirem boa aparência para uma oficina de bate-chapas na Lapa. Serve para quê? Também me pergunto (ultimamente, passo os dias a fazer-me autênticos questionários) qual será a acepção de boa aparência num escritório em Odivelas. Legging de blusa curta (transparente e com soutien push up cor-de-hard-core) e sapatos salto quinze, compensados? Unhas de gel, azuis escuras com o brilhante espetado, cabelo amarelo de raízes pintadas de preto e brincos bling-bling? Eu não tenho nada contra Odivelas, ainda menos contra escritórios, meníssimo ainda contra escritórios em Odivelas. Mas há coisas que me despertam a cabra e ela tauteia, berrando, As meninas de Odivelas, e adoro ouvi-la na parte do trilili. Parece a Djali.
Hoje preenchi uma ficha de inscrição onde me perguntavam quase tudo menos busto-cintura-ancas (o que foi pena), cor dos olhos e altura. De resto, até se estou deprimida me perguntaram. Será que existe alguma alma que põe a cruz no sim? As hipóteses de resposta eram sim, não e por vezes. O questionário também perguntava se sofro de obesidade. Apeteceu-me escolher por vezes, e acrescentar especialmente depois de almoço. E confessar que gostava mesmo era de trabalhar em Odivelas.
No final das contas mal feitas, precisei de fazer drenagem das pernas, que já não me tinha nelas, mas isso fica num quarto andar sem elevador e cansei-me na casa de partida. Os sapatos já me vinham a morder os calcanhares, pareciam aqueles cãezinhos que parecem a pilhas, Pinscher, e que ladram em falsete constante, em contrabaixo, em contramão, e contra tudo. Depois do nó dos enforcados que trazia ao pescoço, pareceu-me o Pinscher uma espécie de cilício. Cá de baixo, os quatro andares pareciam-me as escadinhas de Santo Amaro, ou de Santo Estêvão, ou de outro santinho qualquer, e eu já estava devassa e possessa demais para entrar em peregrinação, pelo que me descalcei no rés-do-chão e as subi descalça. Cheguei lá de collants sujos nos pés, e de alma espremida desde os pés, mas de pé.
Disse
Por favor, deite-me as mãos e massaje-me,
e deitei-me na marquesa — morta.
Amanhã há mais. Scarlett é que a sabia toda.
Disse
Por favor, deite-me as mãos e massaje-me,
e deitei-me na marquesa — morta.
Amanhã há mais. Scarlett é que a sabia toda.
Parece-me muito mal escarneceres assim nas pessoas de Odivelas, ó menina-azul.
ResponderEliminarNão sendo de Odivelas compadeço-me das minhas origens suburbanas e sendo de esquerda, avante camarada, tenho de vir aqui defender as 'meninas' que por acaso até são alunas do defunto Instituto, meninas bem, de Lisboa, que até há 2 anos saltavam os muros para se deixarem ver. Ide vê-las, ide vê-las (Odivelas) a saltarem os muros. Tás a ver a ideia não é? Umas malucas.
A acepção de boa aparência num escritório em Odivelas e exactamente igual para a acepção de boa aparência num escritório em Lisboa. É que as pessoas de Odivelas, pasma-te, trabalham todas em Lisboa em escritórios onde, ou tens aparência ou escusas de ter o canudo.
Só para dizer.
Mas não escarneço, BB (Blonde on a bike).
EliminarE eu sei que a melodia se referia às meninas do Instituto, hoje integradas no Militar.
A única coisa que eu não entendo é que se peça boa aparência para funções em que isso só pode ser importante como medida de selecção e desempate entre duas pessoas com iguais competências. Até lá, tem que ser secundaríssimo. Não estamos a falar de uma perfumaria nem de monitorização de eventos. Desde que não vamos com mil piercings pendurados das bochechas da cara nem com uma tatuagem na testa a dizer "Fuck the police", o bom aspecto é variável de pessoa para pessoa, tanto para quem aprecia como para quem é avaliado.
Tu nem me fales no canudo.
É como qd obrigam os desgraçados (a quem pagam 600 euros) a andar de fato e gravata, mm com um calor dos diabos, para estarem sentados em frente a um pc e não terem qq contacto com público, ou sequer pessoas externas.
EliminarQuem "emprega" só faz exigências. E doura a pílula, também. Mas queixa-se dos candidatos, que "não querem trabalhar", que "não vestem uma camisola", que "só querem lucro sem trabalho", etc. Há situações de verdadeira exploração, a tocar as raias da escravatura, mesmo.
EliminarAté me lembrei :
ResponderEliminarhttps://youtu.be/vY33VHH1Xeo
;)
Bom, bom, era um trabalho. "Um emprego" é só mais ou menos bom...
Eliminar;)
:) admito q ainda n tinha lido o teu post, mas é absurdo, n é?
ResponderEliminarSerá q esta gente saberá q a escravatura já acabou?
Calculei que não, mas viste a coincidência? Escreveste uma hora depois de mim, tudo o que me ia na alma! :)
EliminarNão sabe, não. E acha que toda a gente tem um O na testa, ou está a morrer de fome e está por tudo.
(Devia ter perguntado se também incluía cu.)