Sem gás

e não é metafórico.

Eram 8 da manhã de ontem, quando estacionou no meu prédio uma equipa de homens do gás, para proceder a uma inspecção, obrigatória de dez em dez anos.

Há dez anos, vieram fazer um procedimento igual, o homem fechou-se na cozinha, fez barulho de gases até se fartar e depois vi-o sair de lá vestido de Darth Vader, com uma máscara anti-gás. Foi quando me lembrei dos passarinhos, que tinham assistido a tudo sem máscaras postas (tadinhos). Um deles morreu passados dois ou três dias e isso foi uma grande tristeza. Chamava-se Chiquinho.

Ontem só saíram do edifício às 11 da noite, porque descobriram uma fuga, pelo que estamos sem gás há mais de vinte e quatro horas.

Não vou entrar em detalhes quanto à minha higiene de hoje, mas posso adiantar que se confirma que eu era capaz de sobreviver em condições extremas, sempre limpinha e perfumada, ainda que tivesse que me arrastar, a mim e aos meus tarecos, pelos escombros de uma cidade inteira. Tomar banho na minha própria saliva seria sempre uma hipótese a considerar, por absurdo e in extremis.

Vai daí, estando eu já perfeitamente asséptica, toca-me à porta, logo às 9 de hoje, o homem do gás. Vinha para perguntar se eu queria uma inspecção ao local — que eu, apesar da descafeína cerebral, percebi que se tratava de uma inspecção localizada, específica cá do lar. Que sim senhor. E estava o diálogo a correr-me tão bem, de uma forma tão civilizada, eu parecia mesmo uma pessoa crescida a conversar com outra, quando me deve ter batido a boneca do costume, e disse:

- Mas peço-lhe que diga aos técnicos que não se esqueçam de retirar os meus passarinhos da cozinha, se forem lá fazer aquilo da máscara. É que, da outra vez, os passarinhos ficaram lá dentro e um deles morreu.

[Homem do gás com um ar extremamente consternado. Mas eu ainda não devia estar satisfeita e precisei de desabafar com maior precisão a minha mágoa]

- E foi tão triste...

[Homem do gás ambivalente, Será louca?, Verto uma lágrima?, Fujo já daqui?, Que desperdício, tão fofinha e tão esquisita...]

Pronto, depois vim para a nettinha procurar o anúncio do homem do gás, para ilustrar isto, e foi quando realizei, através dessa pesquisa, a quantidade de fetiches que existem com a figura do homem do gás. Pergunto-me porquê. A sério.

Ainda se fosse com bombeiros — pela analogia com o fogo...

Agora, gás?

OK...