Esgotei os adjectivos e os diminutivos para a descrever, assim tão pouca. Toda sentada, definitivamente instalada, os olhos perdidos, as mãos no abandono das minhas. Perdi a capacidade para a chorar, esgotadas todas as razões e encontrados outros motivos. Toda abandonada, sorri-me assim, de vez em quando e, de vez em quando, tolhe-me o terror de um dia olhar para mim e, pior do que não me querer ver, o de já não me saber ver. Prefiro pôr-me a pensar em coisas tolas, da ciência, que sempre são mais alegres, e até parecem matemática. Diz a Genética que os ovócitos primários são produzidos no terceiro mês do desenvolvimento fetal — em se tratando de uma menina, acrescento eu, a tentar acompanhar o meu próprio raciocínio. É estranho pensar que andei dentro do corpo da minha avó materna. E, de alguma maneira muitíssimo mais ínfima, dentro da minha bisavó materna. E também que a minha mãe carregou todos os meus filhos com ela — os que nasceram e o que não. (Foi muita gente, grande mãe.) E que eles me estavam dentro, ainda eu dentro da minha mãe. E que nada disto seria verdade se eu fosse um rapaz. E que tudo isto deixa de ser verdade a partir do momento em que nasce um rapaz. Como matrioskas, andámos todas dentro umas das outras, sempre em linha de linhagem feminina. Toda abandonada, os olhos perdidos, as mãos abandonadas nas dela, sorrio-lhe assim, de ainda a saber ver, e sossego o terror que deixa de me tolher, por me lembrar que a data não é assim tão importante — como nenhuma é —, e não são cinquenta anos de mãe: podem ser noventa, cento e cinquenta, duzentos e muitos, quinhentos, quem sabe mais. Por este raciocínio, que me apazigua, eu também já sou mãe há muitos, muitos anos — desde antes de ser eu.
De que às meninas se lhes produz os ovócitos tão cedo já eu sabia, um dia li ou ouvi não sei onde nem sei vindo de quem, mas nunca me tinha apercebido que andei dentro do corpo da minha avó. Obrigada. Isto de ser mulher é altamente, afinal. ;)
ResponderEliminarA Natureza é absolutamente extraordinária, muito em particular com as fêmeas.
EliminarIsto de ser mulher é sempre altamente :)
Que texto tão bonito, querida Blue.
ResponderEliminarUm beijinho de parabéns para a sua mãe e outra para si :)
Oh, Miss Smile, vindo da pessoa que escreve dos textos mais bonitos que eu já li... :)
EliminarObrigada, duas vezes. Um enorme beijinho, minha querida.
Muito bonito !
ResponderEliminarParabéns !
Obrigada!
Eliminar(Já agora, eu não sou a filha mais velha) :)
Beijo às duas, lindas!
ResponderEliminarObrigada, Be :)
EliminarBeijos para ti.