14/12/2014

Eu devia ser gorda

e acordar tarde ao domingo, e também ao sábado, depois de uma noite de nove horas bem dormidas, ou até mais, na loucura, e ainda ficar a fazer aquela coisa a que chamam ronha, que, na verdade, não é fazer nada, pelo menos em termos construtivos ou evolutivos, mas que sabe tão bem (eu sei porque já fiz). Depois até podia tomar banho, vestir um fatinho de treino ou equivalente, uns sapatos confortáveis, tomar o pequeno-almoço no café do meu bairro, croissants com galão, voltar para casa, e aterrar no sofá a ver filmes ou a dormitar mais um bocadinho. E ir almoçar à sogra, à mãe ou ao raio que me partisse, mas a algum lado onde não tivesse que cozinhar, ou, sequer, no que é que havia de fazer para o almoço. Esse almoço seria em grande, muita comida, pouca preocupação com a linha, mas quais linha, era mesmo para acabar de encher o pneu da cintura, onde de certeza teria uma tatuagem, sei lá se a dizer Igor, ou Flávio. À tarde, dormia mais, ou passeava no shopping ombro-a-ombro com outras gordas, comia pipocas, gelados - mesmo no Inverno -, e comprava cenas na Primark para dar no Natal. E comia. E comia.

Em vez disso, qual é a força anímica que me põe acordada às 7:30, depois de uma noite aos retalhos, me faz levantar às 8, por estar farta de estar deitada, me mete no ginásio a fazer elíptica e máquinas, e alongamentos até rasgar, me faz sair a correr, enfiada nuns saltos altos, tenho roupa para estender, vou para Cascais, outro mundo, outro registo, o meu almoço é uma tablete de Ritter Sport (então se eu não era bem mais feliz com um entrecosto na brasa com batatas fritas cheias de óleo e cervejas até o pneu inchar a tatuagem?), volto numa corrida para ir para a Baixa fazer compras de Natal, Chiado abaixo, Chiado acima, em cima dos saltos, - "Olha como é a rua do Carmo..." -, depois finalmente em casa, nunca vejo a cor ao sofá, já venho mentalmente a destinar o jantar, não me apetece fazer nada muito elaborado, mas alface é sagrado, pepino é obrigatório, nem cansada estou, será que sou hiperactiva sem diagnóstico?, não me apetece o sofá, nem as mantas, nem o aquecimento ao pé, nem as séries, não prendo a atenção em nada nem em porra nenhuma, eu queria mesmo era poder voar. Já sei, vou escrever uma carta ao Pai Natal.

~~~

Querido Pai Natal,



Se me estás a ler,




[isto não é um erro de edição, é uma pausa meditabunda]





eu só quero voar. Podes guardar as meias quentinhas, as mantas e os pijaminhas, os gorros e as luvinhas, os chinelos e os sapatos confortáveis, as camisolas de lã grossa e os casacões XXL para outra qualquer. E as malas, os perfumes, os cremes, os relógios e até mesmo os livros. Leva tudo, não chateies.

Eu só quero isso.

Sem beijos, não sei se mereces.
(Nunca me lembro de me teres feito a vontade, nem mesmo daquela vez, em pequena, naquele Natal em que me trouxeste cinco bonecas - eu tinha-te pedido uma boneca, deixaste a chorar outras quatro meninas - e isso foi dramático, porque eu era demasiado pequena para tomar conta de cinco filhas ao mesmo tempo)
Quase tua, 
LP

14 comentários:

  1. Esperemos que nenhuma das quatro que ficaram para sempre traumatizadas por não terem recebido em meninas a sua boneca passe por aqui...

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    1. Bem lembrado. Ainda teria que ir à procura das quatro que, apesar das trabalheiras que me deram, adoptei como minhas.

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  2. Ahahhhh! Um post erótico na passagem "pepino é obrigatório," - nunca m'enganastes!! :P

    Miúda de Cascais :P :P :P

    Detesto fazer coisas ao domingo, mas quando tinha vida própria e me sentia uma pessoa e não um inútil, por vezes fazia viagens, limpezas, lavar roupa, estender roupa, mudar roupa da cama, sexo, enfim... tudo menos ronha.

    Mas o que mais gosto de fazer ao domingo é ronha. Nem sogras nem o raio que as parta. Para isso Deus inventou a comida congelada e a secção de "take away" dos hipermercados. ;)

    Boa semana pessoa atarefada, ou que diz que é...

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    1. Nem miúda nem de Cascais :P

      A mim faz-me falta a ronha, como pão para a boca. Mas, mesmo que pudesse fazê-la, sei que começaria a fritar com as mil coisas que podia estar a fazer.

      Boa semana, ronhoso.

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    2. Um post com tanto conteúdo e vai sempre pegar no mesmo... LP de C.

      Já compraste a minha prenda? Já? Já?
      És tu que me vais oferecer uma agenda para 2015?!
      Opá, tão fofa... LP :D

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    3. Soubesses tu o que é que a porra de C significa na minha vida e engolias a língua. Pá.

      Agora dás para a veia, tu? :P

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    4. Deve ser um "C" de "forreta" :P

      Podia ser uma agenda com a agenda cultural de cascais, eu não ligo.

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    5. Calvário...

      A lata do pedinchas :P

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    6. Peço tão pouco... uma agenda :(
      Depois dou-te a minha morada para enviares pelo correio.
      Obrigado :)

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    7. Mas isto é alguma saga que eu tenho que viver?
      Tudo me pede e ninguém me oferece nada em troca!?
      Chipça penico.

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    8. Interesseira...
      ...fui! :P

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  3. Onde se cria uma boneca, criam-se cinco. Tudo se cria e haja fé. Haja fé no Pai Natal e que este te conceda o voar!

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    1. É uma grande verdade, que só mais tarde vim a confirmar.
      Obrigada, companheira. Preciso de me ubiquir, preciso de me alar!
      (acho que vou passar isto a título de post :)

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