Batem-me à porta duas pessoas com a farda da UNICEF. Atendo e começamos a conversar. O rapaz mantém-se calado, enquanto a rapariga faz as "honras à casa" e apresenta o projecto. Ao fim de poucos minutos, está a gabar-me a cor dos dentes. Marketing, mas é querida. Insiste, pergunta-me se fiz branqueamento há pouco. Que não, mas agradeço o elogio, ainda mais vindo de uma boca moçambicana, tudo alinhado e branco como neve. Fala-me das crianças de África, que, ainda hoje, têm que fazer vários quilómetros a pé, todos os dias, para irem "buscar água". Pus agora as aspas porque não é bem ir a uma fonte nem a uma torneira. É ir escavar na lama e beber o que a terra dá - impotável. Pergunta-me se posso prescindir de € 0,40 por dia para saber uma criança vacinada. São € 12,00 por mês. Dou-lhe os meus dados, negócio fechado. Acha que me enganei na data de nascimento. Marketing outra vez, mas está a ser querida. Insisto na verdade. Pergunta-me o truque para manter a forma. Continua a ser querida. O rapaz conta-me a sua trágica infância e a forma como a UNICEF lhe salvou a vida com dois anos de idade: vacinando-o. Era um dos subnutridos de Angola, um daqueles da barriga grande. Um dos que caminhava, aos sete anos, quinze quilómetros por dia para beber a tal água do lodo. E os olhos dele a encherem-se dessa água que tanta falta lhe fez, baixo eu os meus para dizer, estupidamente, "Não sou mais gorda porque como pouco". Às vezes, devia ser muda. Ainda assim, ele acha graça, ilumina-se todo num sorriso. Então ela gaba-me a simpatia. Contactam cerca de setenta pessoas por dia e só duas os recebem e aceitam o compromisso. Eu sou a número dois do dia. Isto não faz de mim melhor pessoa, mas posso ser a diferença entre a vida e a morte de uma criança. E essa diferença sabe-me bem. Se pensar que são 365 crianças vacinadas por ano, é uma multidãozinha. Todos os dias, para o resto da minha vida, até que a morte nos separe. A minha, OK.
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