Está uma pessoa sossegada no recesso do seu lar e aparecem-lhe três matulões à porta. Ai que exagero, dois matulões e o gordo do administrador do condomínio, que me odeia desde que eu o mandei mandar (estão a apanhar a redundância? Mas sim, mandei-o mandar) retirar as motas todas do estacionamento do prédio porque me impediam de manobrar o meu carro convenientemente e o regulamento estava a meu favor. Azar dele.
Vinham para arranjar a campainha. Só os matulões, que o gordo vinha para meter o nariz onde não era chamado.
Demo-nos logo bem, os matulões e eu. Educados, que isso a mim já me basta. Um tinha uma cara bonita, o outro tinha um piercing no sobrolho, que me irrita - dá-me um frenesi dos bons de arrancar... -, mas um par de olhos azuis que lhe perdoei logo o piercing.
Eu tenho duas gatas, uma boa, mesmo boazona, boazinha, a outra um estupor que eu adoro, arraçada de leão feroz. Eles entram, eu aviso logo: "Cuidado com essa bicha, que ela arranha e morde". O gordo armou-se em esperto e meteu a mão suficientemente perto dos olhos da gata, de modos que foi logo brindado com uma arranhadela.
Deu-se, então, o momento mais gay que a minha casa algum dia albergou:
- AI! Ferrou-me a unha!
- Se quer um conselho, desinfecte isso.
- Agora é que me diz?
Stop, gordo, a ver se percebo a tua obesa lógica: dizia-te qu-an-do? Ainda eu procurava o fio condutor, já ele sentenciava:
- Então e não vai falar com ela?
Este foi o momento Almodóvar da tarde - habla con ella.
- Como assim? Bato-lhe?
- Claro!
- Não. Eu nunca bati numa criança, não vou bater na gata.
A obesidade dele devia estar a atingir-me o tal neurónio, a lógica seria a inversa. Mas ele empochou:
- Pois, acho muito bem, os donos dos gatos e dos cães deixam-nos fazer tudo, morder e arranhar toda a gente e os outros que se lixem.
Era uma ironia.
- Eu avisei-o, não avisei? Não vou bater na gata, já disse.
Cabrão do gordo, quase nem me deixou trocar um lero com os matulões.
Moral da história? Acho que não tem. É tudo imoralidade.
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