27/04/2016

Toda a gente me adora

Soou a campainha em casa, eu abri sem espreitar, e saí imediatamente do campo de visão de quem se encontrava do lado de lá, deixando a porta aberta. Tinha assumido que era um dos meus a tocar. Quando ouvi uma voz não familiar, Oooops, percebi o meu engano e a enorme surpresa dele: um rapazinho, capa porta-notas na mão, um catálogo de livros, e um sorriso. Círculo de Leitores. Eu não quero, eu não preciso, passou quase um ano e ainda não me esqueci das mãos pequenas e gorduchas daquele personagem da Feira do Livro. No entanto, fico, ouço, e compro. Tínhamos trocado pequenas confidências, perfeitamente confessáveis: ele havia dito que tirou o curso de oficial de justiça, e gargalhámos em coro quando confessou que, dos três meses de experiência na profissão, ia morrendo de stress. Consigo visonar o meu filho, tivesse ele uns olhos tão bonitos quanto o meu. Mas são igualmente vivos, e a empatia inicial transformou-se em simpatia sincera. 
Fecho a porta com a certeza de que nunca mais o verei.

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Fazemos parte de um grande grupo de pessoas, que se conheceu há uma semana. A cada intervalo, fica sozinha na sala de trabalho, ou vai à rua, sempre sem companhia. Durante as sessões, não troca impressões praticamente com ninguém. Está sentada à minha frente e, uma vez ou outra, vira-se e faz uma pergunta, ou um breve comentário. É estrangeira, e está fora de casa, a todos os níveis. No último dia de todos, entrega-me um papelinho com uma mensagem de Yoga. 


Eu sou a pessoa menos esotérica do grupo todo. A minha voz é grossa e por diversas vezes ficou bem claro o meu sentido prático e também este humor que, não sendo cáustico, um dia vai ser a minha perdição. Ainda assim, ela entrega-me um folheto de sessões gratuitas de Yoga, justificando que, ao olhar para mim, percebeu que eu iria gostar. 
Venho-me embora e carrego a certeza de que nunca mais a verei.

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Está sozinha na cidade há um mês, ainda perdida e indefinitivamente instalada. O sotaque diz-me que vem de onde pertencem metade das minhas costelas, e adopto-a no coração. Levo-a e trago-a, faço um desvio no meu caminho para a pôr à porta de casa. Ela despede-se, parece adivinhar o meu nick quando diz:
- Linda, fuoste unhe amuere... [que música tão bonita, pai.]
Sai do carro e fico com a certeza de que nunca mais a verei.


2 comentários:

  1. Anónimo28/4/16

    Deve ser cansativo saber que toda a gente te adora.
    Ó pá, não me perguntaste nada ;)

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